28/ago/08 (Alerta em Rede) - Causou uma certa surpresa o voto do ministro e relator Carlos Ayres Britto, totalmente favorável à manutenção da reserva indígena Raposa Serra do Sol - em extensão e forma como decretado pelo Executivo -, proferido ontem na sessão do Supremo Tribunal Federal que julgava a questão e que foi interrompida com o pedido de vistas feito pelo ministro Menezes Direito. [1]
Não que se esperasse uma posição diametralmente oposta do ministro relator, mas ao menos que deixasse alguma brecha para mediar a grave situação de conflito social reinante em Roraima, motivada que foi pela imposição legal para a `desintrusão´ dos não-índios da área da reserva. Recorde-se que foi em função desse `caos social´, arguido em juízo pelo governador roraimense José Anchieta Júnior, que o mesmo Ayres Brtito concedeu liminar suspendendo a Operação Upakaton 3 para demarcar a referida reserva, posteriormente (9 de abril passado) confirmada em decisão unànime do STF.
De fato, por ocasião da sua decisão de suspender a Operação Upakaton 3, Ayres Britto declarou que, devido à s extensas áreas de reservas indígenas existentes ou a serem criadas, via um retorno de Roraima à condição de território: "Nos perguntamos se [a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol] não significaria intervenção branca. Um terrritório transformado em Estado agora regride à situação de território na medida que a União caminha para se apossar de metade da área de Roraima", disse ele. [2]
Contudo, foi igualmente o ministro Britto quem, em dezembro de 2004, suspendeu todas as liminares que impediam a demarcação da reserva em terras contínuas, decisão, por sua vez, revogada um mês depois pela ministra Ellen Grace ao suspender a famigerada Portaria 820/98, do Ministério da Justiça, impedindo assim o presidente Lula de baixar o decreto homologatório da reserva.
Lamentavelmente, em 14 de abril de 2005, o STF extinguiu todas as ações contestatórias da demarcação da Raposa e abriu caminho para que o Ministério da Justiça validasse nova portaria demarcatória (a de nº 534/05, emitida na véspera), anulando e modificando a Portaria 820 e permitindo que o Executivo baixasse o decreto homologatório em 15 de abril de 2005, em comemoração à Semana do índio. Esta decisão do STF mereceu fortes críticas de alguns de seus pares, como os ministros Marco Aurélio de Mello, Carlos Velloso e Celso de Mello, por extinguir as ações sem o respectivo julgamento de mérito apoiando-se numa portaria ministerial que sequer havia sido publicada. [3]
O mais preocupante é que, em seu voto de ontem, o ministro Britto ignorou solenemente a grave crise institucional motivada pela criação da reserva indígena Raposa Serra do Sol e que irrompeu de forma pública, também em abril passado, quando o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, comandante do Exército na Amazónia, fez contundentes declarações e advertências sobre os riscos à soberania nacional daí decorrentes [4].
Contrariamente, para Britto (que muitos já chamam de Ayres `Raposa´ Britto), a criação da reserva não constitui `perigo para a soberania nacional, senão, quem sabe, como uma espécie de desvio do foco ou cortina de fumaça para minimizar a importància do fato de que empresas e cidadãos estrangeiros é que vêm promovendo a internacionalização fundiária da Amazónia legal, pela crescente aquisição de grandes extensões de terras´. [5]
O reinício do julgamento da questão deve ocorrer ainda neste semestre, segundo disse o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Para que sejam feitas alterações na reserva Raposa Serra do Sol, como está atualmente homologada, são necessários 6 dos 11 votos no STF. Entre tantas idas e vindas pendulares, resta saber que Raposa emergirá daí: se a da crise institucional posta ou a da pacificação e soberania nacional.
Notas:
[1] Relator vota a favor da Raposa; julgamento no STF é adiado, O Estado de São Paulo, 27/08/2008
[2]Supremo pode reduzir extensão da reserva Raposa Serra do Sol em RR, O Estado de São Paulo, 12/04/2008
[3]Roraima e o novo colonialismo pós-Guerra Fria, Alerta Científico e Ambiental, 15/04/2005
[4]Recrudesce a `Batalha de Roraima`, Alerta Científico e Ambiental, 05/08/2008
[5]Relatório do voto do ministro Ayres Britto, item 105