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Artigos-->ARTE COMO INSTRUMENTO DE ALIENAÇÃO OU TRANSFORMAÇÃO POLÍTICA -- 08/04/2003 - 13:33 (Clóvis Luz da Silva) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Analisando a recente produção cultural em nosso país sou obrigado a concluir que alguns personagens com muito a dizer são atropelados pelas contigências que lhes impõem a mudez em troca de uma vida tranquila. Os poucos que dizem alguma coisa não têm coragem de dizer a verdade. E outros que se intitulam escritores e têm espaço em revistas de renome cometem erros ortográficos, sintáticos e semânticos, demonstrando sua incompetência lingüistica que os desqualifica porque não sabem dizer o que pretendiam dizer.



E aí, o que sobra é a indignação contra uma sociedade que não se indigna...Quando muito, temos o senhor Diogo Mainardi que solta impropérios contra tudo e todos, sem atingir consistentemente ponto algum em suas críticas juvenis. Dizem esses críticos desse porte que nossa música é rica, diversa, efusiva e contagiante. Mas o povo que gosta de Kelly Key não tem a mesma classe de quem curte Chico e Caetano, como se esses dois artistas dissessem algo de mais profundo que o pop açucarado das siliconadas. Como se o povo ligasse pro quem eles dizem. Alguém mais pensa assim?



Faz tempo que no Brasil a arte não se orienta essencialmente por conceitos políticos ou ideológicos, pois pra isso precisaria desprezar totalmente as exigências do mercado cultural. Desde o tempo em que o Benito Di Paula cantava que tudo estava no seu lugar, as coisas realmente permanecem onde sempre estiveram. E não é graças a Deus que nossa sociedade se mantém passiva diante dos fatos; é graças ao isolamento mental de grupelhos cada qual preocupado em preservar suas características, para sobreviverem materialmente.



As classes que fazem a dita cultura sofisticada nesse país não têm qualquer compromisso com aquelas que não podem consumir essa cultura produzida. Isso é fácil de provar. Em Belém, na mesma semana em que o presidente Lula esteve na cidade, viu-se pela TV uma família paupérrima. O pai sofreu um acidente que o está impedindo de trabalhar. Ele, a esposa e os quatro filhos sobrevivem com o salário mínimo do seguro desemprego. É preciso dizer que todos estão subnutridos? Pois bem, o drama dessa família não é caso isolado. Existem milhões na mesma situação nessa nossa Pátria que os pariu. E como esperar que essa gente tenha algum interesse por outra coisa senão por novelas e ratinhos da vida? A comida que lhes falta jamais poderá ser substituída pelos big brous da globo, mas, pelo menos, quando vêem os dominis e as sabrinas comendo aos montes carne de primeira e frutas tropicais, alimentam (trocadilho inevitável) suas mentes com a ilusão de estarem no lugar dessas celebridades, e isso pode anestesiar a fome real em seus estômagos.



Chego à terrível conclusão, portanto, que a indústria cultural do Brasil é formada por pessoas que não têm qualquer compromisso com as transformações sociais naquele sentido que supostamente havia nas manifestações rebeldes dos anos setenta, cujo ápice se deu com a famosa “Pra não dizer que não falei de flores”. Geraldo Vandré parece que pirou, sendo essa a única mudança que a sua música conseguiu objetivamente.



Muitos dirão que se trata de uma posição radical, que atenta contra a sensibilidade artística e a consciência política de homens como Gilberto Gil, Cacá Diegues, Paulo Coelho, dentre outros de nossa aclamada elite cultural.



Um ponto crucial nessa discussão é determinar se aquele que se propõe a produzir cultura e arte tem compromissos sociais, ou compromisso apenas consigo e, portanto, com sua arte. Ou as duas coisas. Afinal, deve-se cobrar de qualquer profissional que ele tenha uma consciência crítica e partir dela oriente sua profissão? Não seria impróprio exigir que o artista se nivele com os outros produtores se o produto de um é de natureza totalmente diversa do de outros? Como comparar a produção de um Chico Buarque com a do fabricante de sapatos, ou mesmo com as atividades de um advogado? Uma canção, um óleo sobre tela e uma cadeira não são feitos da mesma matéria prima, nem têm as mesmas finalidades, sendo mesmo distintos naquilo que chamamos de essência. Há algo, todavia, que torna exatamente iguais quaisquer produções humanas, que é a necessidade de sobrevivência do produtor, e a óbvia necessidade de que haja consumidores para o seu produto. Um marceneiro e um autor sentem fome, precisam de roupas e saúde. Um trabalha com as mãos essencialmente, o outro, com a mente. No caso do marceneiro, a mente orienta a mão que talha e esculpe a madeira, sendo um móvel o produto final; no caso do autor, a mão é usada pela mente para produzir uma música, um romance. Qual a necessidade de haver móveis em uma casa? E qual a de que, nessa mesma casa, haja uma tela na parede ou que haja livros?



Chegaríamos à conclusão simplista de que o produto essencialmente material, tangível, objetivo é mais importante à existência humana do que o produto essencialmente intelectual, subjetivo, ainda que se expresse por suportes materiais, como no caso dos livros e das telas? Entre comprar uma camisa ou um CD quem, com parcos recursos, optaria pelo segundo produto? Quem, entre um quilo de feijão e um livro de Carlos Drummond, optaria pela “Rosa do Povo”?



Outra questão é saber se a arte deve ser engajada. Sim, porque o artista pode ser engajado politicamente sem que use sua arte como instrumento político. Nesse caso ele estaria usando o seu prestígio artístico, sem que imprimisse em sua produção qualquer conotação política ou ideológica. Nesse caso, a resposta para a primeira questão, ou seja, se o artista tem compromissos sociais, seria sim, apenas com a ressalva de que ele pode muito bem se comprometer socialmente sem usar sua produção artística como instrumento desse compromisso; ele teria um compromisso social que se daria, digamos, por participações em atos públicos, em declarações em conjunto com outros artistas na defesa de determinados valores como o direito à educação ou à moradia. E deixaria, desse modo, sua arte incólume a ideologias ou tendências políticas sobre as quais não é possível se exigir uma atuação homogênea.



Gilberto Gil, nosso ministro da Cultura, elegeu-se vereador em Salvador, porém sua mais eloqüente atuação política nesses últimos anos fugiu para a vertente ecológica, pela criação da ONG Onda Azul, que pretende conscientizar a população para a necessidade de manter limpas as águas e as praias. Talvez esquecido dos constrangimentos que passou por conta da repressão nos anos da ditadura, Gilberto Gil mudou seu comportamento nesses tempos de liberdade de expressão, defendendo agora a limpeza dos locais onde muitos têm o seu lazer; eu considero bem mais confortável usar a imagem famosa para pregar a profilaxia de mares e praias do que para denunciar a prostituição infantil e o narcotráfico. Pior fez Chico Anísio, um imbecil político que, num programa do Jô Soares, afirmou não ser necessário que as baleias sejam preservadas!



O ideal seria que o artista engajasse politicamente tanto sua imagem quanto sua arte. É evidente, pelos exemplos que temos, que nem todos são tão corajosos assim. Citei no começo o Benito di Paula, que cantava a normalidade das coisas, que tudo estava em seu lugar e ainda dizia ser graças a Deus que tudo permanecia como sempre. Por que esse autor, hoje esquecido pela mídia, não usou seu talento para questionar a ordem estabelecida pela ditadura militar? Por que, conforme ele mesmo canta, as coisas estavam tão em ordem que ele sentia vontade de agradecer a Deus? Claro que foi pela necessidade de sobrevivência. Nem todos são valorosos a ponto de sacrificar seu bem estar em nome da consciência; a maioria prefere trair a consciência a lutar contra a ordem estabelecida, ainda que seja essa ordem a exaltação do arbítrio e a negação da liberdade. Quanto artistas brasileiros não se enquadram nesse perfil?



Quero aqui deixar dois exemplos de artistas que podem ser referência nos dois extremos, o da alienação e o do engajamento político. Sei que desagradarei a muitos, todavia não poderia deixar de citar o poeta Mário Quintana como exemplo de um artista que não se imiscuiu em assuntos políticos, seja usando sua figura de poeta seja utilizando sua poesia como instrumento de contestação; talvez por considerar a poesia mais adequada para tratar de assuntos do espírito do que de temas menos nobres como a política. No polo oposto, por escassez de exemplo em nossos, cito um artista do séc. XIX, o poeta Castro Alves, que tanto lutou contra a escravidão que, no séc. XX, outro poeta, o chileno Pablo Neruda, igualmente contestador, reconheceu a luta do poeta dos escravos, afirmando: “Castro Alves do Brasil, hoje que o teu livro puro torna a nascer para a terra livre, deixam-me a mim, poeta da nossa América, coroar a tua cabeça com os louros do povo. Tua voz uniu-se à eterna e alta voz dos homens. Cantaste bem. Cantaste como se deve cantar.”

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