Dentro do que me recordo, tudo faz parte da vida. Tudo é natural, pois tudo existe. Me desagrada, então, essa tendência em considerar a literatura, sobretudo a poesia, como uma ferramenta de exaltação ao “belo”. Ferramenta? Pode-se considerar que sim. De exaltação? Uma aplicação tão interessante quanto qualquer outra, desde que não se esqueça que existem outras possibilidades de utilização. Meu questionamento reside, na verdade, quanto à definição daquilo que é belo. E no monopólio do “belo” dentro das cabeças dos artistas. Em virtude disto é que me proponho a procurar, no enorme e riquíssimo oceano dos temas excluídos ou pouco abordados, formas unusuais de perceber a realidade cotidiana, seja ela “feia” ou “bela” de acordo com os padrões empregados rotineiramente.
Mais do que escolhida, nossa percepção em relação àquilo que é bonito nos é impingida com base em valores sociais amplos que por vezes extrapolam a barreira do meramente estético. Confrontar esses valores de modo a perceber o que contém de verdadeiro é mais do que um exercício, é uma obrigação do artista. Perceber as qualidades daquilo que é considerado inadequado é essencial, embora possa ser percebido como um incômodo por aqueles que apenas se contentam em adaptar-se ao que lhes é imposto, sem refletir sobre isso. Assim, minha proposta básica é desdizer, deseducar, para que o observador encontre em si mesmo os valores que o agradam, independente de externá-los ou não. Isso poderia gerar a noção, para os que não a tem, de que não são tão incomuns os desejos não expressos nos programas de televisão, de que o bizarro é muito mais bizarro do que o que é mostrado nos sites da internet, e nem por isso deixa de ter o seu valor lírico. O estranhamento, o não reconhecimento de si mesmo no outro é a grande causa dos conflitos da humanidade, sejam eles em pequena ou grande escala. Então é isso. Detesto ver os mesmos poeminhas medíocres sobre o amor rico e gordo e bem nutrido, enquanto uma odisséia ocorre diariamente no beco da esquina entre restos e ratos, enquanto um menino autista descobre o segredo do universo trancado num quarto escuro, enquanto casais se torturam por anos a fio na esperança de encontrar um sentido para o enorme vazio nunca mostrado explicitamente, mas sentido no íntimo por cada ser vivo. E se eu estiver errado? Azar.
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