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Cartas-->"amo você" -- 19/11/2001 - 19:35 (ANTONIO ELSON RODRIGUES SIQUEIRA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
São Paulo, 13 de agosto de 1999.


Querida Italiana,

(Não sei como se escreve uma carta. Esta é a primeira que escrevo para alguém. Acho que é assim que começa.)

A primeira vez... sabe como é, né?: nervosismo, insegurança, preocupações outras...

Considerando isso é que resolvi digitar as palavras que se seguem, a fim de poupá-la de ter que tentar decifrá-las, caso fossem manuscritas. Ora, se nem eu consigo entender mais o que escrevo, de tão feia que é a minha caligrafia...

Mas é uma carta. Algo antiquado, é verdade, tendo em vista a crescente internetomania (com o perdão do vocábulo horroroso), da qual não faço parte.

Deixando de lado a falácia, quero dizer que esta é uma carta especial. É especial porque se ocupa de um quê de saudade, recordação e até nostalgia. É especial porque fala um pouco de você, que foi, é e continuará sendo especial para mim, à exaustão, como ninguém jamais poderia.

Era uma vez, na Faculdade de Direito... onde tudo era novidade... no ano...

Resumindo a história, foi lá que tudo começou – Tudo o quê, moleque? – Isso: Quanto mais eu a conhecia, tanto mais me apaixonava.

Não sei se foi por causa dos seus olhos ou, quem sabe, sorriso, voz, pele, gesto, expressão, trejeitos. O fato é que me apaixonei, perdidamente, e em silêncio... Em função desse silêncio é que comecei a fazer poesia, como forma de externar o meu momento. Você era a razão de ser de cada palavra vertida ao papel, a inspiração ideal.

Eu ia pra Faculdade só para vê-la.

Nunca meu índice de presença foi tão grande.

Afora os muitos outros, há três momentos dos quais não me esqueço:

O primeiro foi quando deu na sua telha de revirar meu fichário, assim, de repente (como você própria maravilhosamente se definiu), a fim de desvendar algum segredinho. Sim, ele estava lá, mas você não o encontrou: Um poema chamado “Amor adolescente... indeléveis impressões”. A história do poema é: alguém que considera ter ainda um coração adolescente conhece outra pessoa por quem se apaixona perdidamente; não há revelação; eis que no momento angustiante da morte que se avizinha, aquela paixão não declarada vem à tona, juntamente com o badalar dos impiedosos sinos que anunciam sua chegada... tarde demais porque a morte já se faz presente. Todavia, o infeliz, lutando contra a própria natureza, liberta sua voz, seu amor há muito reprimido e, aos brados, diz que não é tarde, não é tarde, não, não é, ainda há esperança, que siga a morte outro rumo; e, já tomado pelo desespero, deseja pactuar com quem quer que seja para que, em troca de sua tempestuosa vida, seja-lhe concedido um único e breve instante ao lado da pessoa amada... um breve instante... só para falar do seu amor... do quanto a amou... do quanto a ama...

Um pouco dramático. Adivinhe quem é essa alma em presença de morte. Foi só uma forma de dizer o quanto estava gostando de você. Mas você nunca soube. Talvez fique sabendo quando eu realizar o sonho – que ainda parece distante – de editar o livro com as poesias que começaram com você.

Outro momento foi aquele em que você veio me falar do Mundo de Sofia. Foi uma prosa deveras proveitosa. Parecia que só havia eu e você no mundo. Eu era mais contemplação, em relação aos seus olhos, do que atenção. Foi lindo. Resultado. Escrevi outro poema (olhos azuis azuis), aproveitando um silogismo seu, e li o livro, posteriormente. É um poema estranho: é criação minha, mas é como se fosse você que o escrevesse, dizendo coisas para mim, ou seja, o que eu gostaria de ouvir de você...

Veja só:

‘O céu é azul
Meus olhos são azuis
Então meus olhos são o céu.’
Ou meus olhos são o céu
Porque meus olhos são azuis
Porque azul também é o céu...

O céu, o mar e a poesia são azuis
Porque meus olhos são azuis.
A Terra, o tango e o azul são azuis
Porque meus olhos são azuis.
O bolero, o beijo e todas as bossas são azuis
Porque meus olhos são azuis.

São azuis azuis
O verde, o vermelho e o amarelo
A lágrima, a paixão e a amizade
Porque meus olhos são azuis.
O abraço é azul
O adeus é azul
A tristeza é azul
O coração é azul
A canção é azul
Porque de azul é feito meu olhar.

Ah, meus olhos!...
Espelhos d’água que refletem
A cor azul do amor
Através da qual
Vivo a te olhar...

O outro momento foi o do início da minha partida, quando eu me afastei do seu lado.

Você disse que ia embora. Você disse que ia para outra universidade no semestre seguinte, o segundo, do ano... Era praticamente certo.

São tantos os perigos desta vida para quem tem paixão, dizia Vinícius de Moraes. Seria um perigo ficar longe de você. A saudade é um perigo. A gente fica desolado, triste, desanimado, sem motivação. Eu já estava assim... antecipando meu sofrimento. Como seria ficar longe de você? Eu não poderia continuar ali. Seria penoso para mim. A saudade me mataria. Eis que vieram as férias. Quais férias, qual nada!

Estudei como um alucinado. Dezoito, vinte horas por dia. Já não enxergava nada à minha frente. Tamanho esforço deu resultado. Passei noutro vestibular. Fui embora...

O resto da história você já sabe. As noites paulistanas nunca mais foram as mesmas longe de você. Se estou aqui, respirando outros ares, é por sua causa; se vou até aí, também é por sua causa; se meu coração dispara, vez ou outra, é porque o destino apronta, colocando-me frente a frente com você...

Ah! eu quase ia esquecendo: e aquela vez, hein, quando eu estava na fila, aguardando o elevador do Fórum João Mendes e você chegou, sorrateiramente, dando uma baita cadernada na minha bunda!... todo mundo olhou porque o barulho foi ensurdecedor e ecoou e eu fiquei vermelho... e você rindo! Lembra? – Você é louca, sabia?

Eu vou ficando por aqui. Esta carta era só pra dizer feliz aniversário. Era só pra dizer que eu fiquei muito contente naquele 13 de agosto, sexta-feira de lua cheia, quando mais uma vez a encontrei, linda, como sempre, cada vez mais. Já escrevi demais, acho. Mas há espaço para um último poema, escrito ainda naquela mesma noite. É um espelho desta carta. É minha vida acartonada. É uma síntese da minha trajetória, onde você tem um papel muito especial. É o presente de aniversário que lhe ofereço, singelamente. Só não sei mais o que vou falar ou como vou olhar para você da próxima vez que nos encontrarmos...

São Paulo, 13 de agosto de 1999.

“Ai, seguir o caminho que se afasta de tudo
onde não estejam vagando a angústia, a morte, o inverno
com seus olhos abertos entre o orvalho.” (Neruda)


Corpus

Jeito de menina que não me esqueço...
Uma frase: “Eu sou assim, de repente”.
Luas de encanto invejam seu sorriso,
Invejam também os seus lindos “olhos
Azuis azuis”, que um dia ousei cantar,
Naqueles tempos em que a paixão
Era só minha... e você nunca soube.


Medo. Você disse que ia embora...
Oh! Tive tanto medo de perdê-la!
Então lutei e alcei grandes vôos,
Logrando já suplantar o vazio
E a triste saudade em mim crescentes.
Refiz meu destino e parti... em prantos.

Lembranças suas me fazem regressar
À estação onde eu me apaixonei.
Não, você não foi embora. Às ve-
Zes tento... não consigo... não a esqueço...
Impossível!... mesmo as casualidades
Levam-me a encontrá-la vez ou outra.
Olho sempre os portais do “Paraíso”
Tentando vê-la, almejando tê-la,
Trazendo comigo a flor da esperança,
Indo plantá-la no seu coração.

Amo você!
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