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cronicas-->O MEC veio, viu e não nos convenceu -- 19/02/2001 - 21:50 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No ano passado, para encerrar talvez o século e o milênio com uma iniciativa de peso, mais uma entre tantas outras, o MEC veio visitar a Faculdade Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara. Para a ocasião, preparamos, os professores, todo um calhamaço de comprovantes das nossas como sempre "incomparáveis" realizações, prova de que fazemos jus ao estatudo de professores universitários contratados para trabalhar em tempo integral. Resumindo: querem saber se trabalhamos "mesmo". É quase uma obsessão que eles cultivam. Digo "eles", quando poderia dizer "nós". Afinal, somos uma coisa muito curiosa, um mix de patrão e empregado, para o bem e para o mal.
O preenchimento das coisas da burocracia toma semanas do nosso "ócio" precioso e indispensável. Há que interromper todo o resto, o de somenos, digamos assim. Como a tese de doutorado, as traduções, as preparações de aulas e cursos, as preocupações filosóficas, as divagações metafísicas, as veleidades literárias, enfim, há que interromper a vida, quando uma visita dessas se anuncia. Há que varrer para debaixo do tapete os insucessos em todas as frentes, as precárias possibilidades de um trabalho intelectual realmente relevante. Há que esconder no porão, os sótãos de há muito caíram já em desuso, os louquinhos de plantão, os boquirrotos, os resmungões que se encontram por toda parte.
Aqui, porão é o que não falta. Há todo uma Veneza subterrànea de corredores. O prédio da faculdade foi projetado para ser o que é, um monumento estruturalista. É assim que ele cresce e aparece pelo mundo afora em revistas de arquitetura. Privacidade? Isso nunca. De todos os lados as pessoas são vistas. Quando o prédio foi construído, idos tempos de ditaduras que assim se declaravam, a frase anterior mudaria para: "De todos os lados as pessoas são vigiadas". Há corredores que já nasceram com o adjetivo "vazios", ou então "desertos", colados ao conceito.
Nas nossas "partes baixas", sob o imenso pátio que, com seus dois olhos d água pintados de azul, contemplam o firmamento (oh!), há um como que relembrar de catacumbas, labirintos, submundos indevassáveis. Uilcon Pereira, que aqui trabalhou e produziu a última parte da sua obra ainda desconhecida, que acabou virando nome de um desse tantos corredores, o "corredor das artes", a eles se referia como "os porões da ditadura", nos lançando de volta à inspiração estruturalista do monumento. O "corredor das artes Uilcon Pereira" é na verdade o resultado de uma negociação entre os alunos e a direção. Havia que conter a fúria pichatória dos meninos. Não podia ser que o monumento ficasse assim emporcalhado com obras de grafitagem (vandalismo?). Para quem quer se expressar, esse sagrado direito que a democracia nos garante, criaram-se lousas. Tudo o que fór feito fora delas, precisa ser ferozmente combatido, arrancado, rasgado, lavado, esfregado, recoberto de tinta branca. A gente é pobre, mas é limpinho. Não é fácil, creiam-me, habitar um monumento.

Mas não era este o assunto desta crónica. Eu falava da visita que o MEC anunciou para março de 2000. E ele veio, viu e não se convenceu. Não sei o que terão feito com as pastas que preparamos, recheadas de comprovantes e certamente infectadas pelo ódio furibundo com que as preparamos. E pensar que esse ódio vai ficando retido ao longo de toda uma carreira, de toda uma vida. Melhor não concluir nada sobre isso. A verdade é que ninguém aguenta mais esta sucessão de exigências absurdas provenientes das nossas tantas - elas se multiplicam a uma velocidade espantosa - burocracias. Cada uma das instàncias vem com as suas, sempre de última hora, sempre muito urgentes e extremamente necessárias.

Parece aquela coisa das chapas que se elegem para os diretórios e centrinhos acadêmicos. Primeiro ato: uma pesquisa entre os alunos para saber quais são as necessidades, as carências, o que precisa ser feito. E tome papelada. Hoje, parece que o Brasil inteiro virou esse grande colégio interno, essa ordem unida, todo mundo fazendo, sem poder perguntar pelo porquê, aquilo que seu mestre mandou. E somos mestres, doutores, livre-docentes, titulares, enfim, todo um pelotão de alto coturno numa universidade onde impera o quase semi-analfabetismo, num país em que o analfabetismo sempre foi o melhor parceiro dos governos. Talvez não seja por acaso que o nosso presidente, hoje, é um egresso das fileiras acadêmicas. Ao redor dele, todo um time de philosophy-doctors de primeiríssima grandeza, pedindo pelo amor de Deus que a gente esqueça o que escreveram.

E este meu texto é mais uma das minhas leviandades. Escrevo-o num momento em que deveria estar terminando o meu relatório trienal. O último. Daqui por diante, ele será anual. Profetizo: ainda vamos chamá-lo de "meu querido diário". Escrevo-o num momento em que deveria estar preenchendo o meu Curriculum LATTES, essa novidade inquietante (para quê?), com ares de modernização. Enfim, a burocracia continua, agora na internet. Somos "mudernos". E ainda teria de redigir uma justificativa sobre o motivo que me levou a não concluir "ainda" o meu trabalho de pesquisa a cada três anos de novo projetado quase como num ato de fé. Escrevo-o num momento em que deveria estar dando os últimos retoques na minha tese de doutorado, para marcar a data da defesa. Escrevo-o num momento em que os alunos solicitam a minha participação na Comissão de Recepção aos Calouros. Afinal, o ano está para começar. E os "bixos" precisam ser muito bem recebidos. Só não acredito que aceitariam os meus palpites na íntegra (cf. o meu texto "BIXURISMO: é todo um mundo que se descortina", neste site). Escrevo-o num momento em que a direção da faculdade pretendia indicar o meu nome para "conselheiro" junto à Secretaria de Cultura do Município de Araraquara. Mas, pergunto, como resistir à idéia de uma crónica? Como fugir aos compromissos sagrados, tacitamente assumidos, para com os leitores do usinadeletras ?

À guisa de conclusão: o MEC veio, viu e não nos convenceu.
Sobre a conclusão que eles tiraram da visita em março de 2000, acho que ela dispensa qualquer comentário: "as instalações da faculdade não são adequadas".

Agora vou conferir o que há de novo no meu escaninho. Quem sabe o que a burocracia não nos reserva, para hoje, como uma grata surpresa?
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