Com algumas de suas formulações poéticas coligidas ao acaso, quero sugerir dois vivas ao poeta e trabalhador da terra Manoel de Barros. Hoje é dia do escritor e, numa coincidência feliz, também dia do agricultor.
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As coisas tinham para nós uma desutilidade poética.
Só o obscuro nos cintila.
A voz de um cantador tem de chegar a traste para ter grandezas...
Com pedaços de mim eu monto um ser atônito.
Prefiro as linhas tortas, como Deus.
(Para limpar das palavras alguma solenidade - uso bosta.)
Os delírios verbais me terapeutam.
Posso dar alegria ao esgoto (palavra aceita tudo).
A ciência pode classificar e nomear os órgãos de um sabiá, mas não pode medir seus encantos.
Aliás, o cu de uma formiga é também muito mais
importante do que uma Usina Nuclear.
Prefiro as máquinas que servem para não funcionar:
quando cheias de areia de formiga e musgo - elas
podem um dia milagrar de flores.
Senhor, eu tenho orgulho do imprestável!
Hei de monumentar as pobres coisas do chão mijadas
de orvalho.
O que não sei fazer desmancho em frases.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.