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cronicas-->A aposentadoria chegou -- 14/10/2008 - 17:22 (AROLDO A MEDEIROS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A aposentadoria chegou

Aroldo Arão de Medeiros

Acabei de ler um dos Os Cem Melhores Contos Brasileiro Do Século e me empolguei em escrever uma crónica que tem alguns detalhes em comum.
Alguém poderá dizer:
- Que audácia da pilombeta, querer se comparar com Aníbal Machado, que disse com desenvoltura tudo o que sentiu José Maria, ao ter uma reviravolta em sua vida depois de trinta e seis anos trabalhados em uma única empresa!
Sei que não quero chegar a tanto, só preciso contar o que aconteceu a João Cláudio de Figueira Bispo, o Joca. O sujeito, ora em questão trabalhou, quer dizer, cumpriu horário numa companhia pelo mesmo tempo de José Maria. Essa empresa, por ter como acionista majoritário o governo, sempre contemplou seus funcionários com a famosa garantia de emprego. Após cinco anos de serviços prestados, Joca resolveu não fazer mais nada no emprego. O que o levou a tal decisão me foi confessado numa das poucas conversas que tivemos enquanto trabalhamos juntos.
Ele contou-me que estava viajando com uma equipe de seis montadores que o convenceram a ir para casa sem devolver as diárias do final de semana. Um deles, porém, apareceu no posto do Banco da empresa sexta-feira à tarde para retirar uma grana e encontrou o chefe de Departamento, que o inquiriu:
- O que está fazendo aqui? Não era para vocês estarem viajando?
O sacana respondeu:
- O Joca nos dispensou esse final de semana.
- Ele veio também?
- Sim senhor.
E o Joca completou o relato contando que, na segunda-feira, quando o tal maledicente encontrou os colegas, comunicou o ocorrido e, na prestação de contas, resolveram que devolveriam as diárias daquele final de semana. O detalhe mais importante é que não lhe falaram nada. Na prestação de contas, o Joca teria registrado que ficara trabalhando durante o final de semana e ainda teria inserido algumas horas-extras. Levara uma tremenda bronca da chefia e, daquele dia em diante, somente cumpria o horário, o mais fielmente possível.
Essa atitude do Joca fazia com que muitos o considerassem louco, outros, preguiçoso. Ou um pouco de cada. Quando lhe pediam algum serviço, ele tirava de letra: ou não o fazia, ou o realizava de forma tão lenta que não seria possível cumprir eventuais prazos. A chefia ficava fula da vida, mas sem ação para demiti-lo, face ao já explicado.
Certa vez Joca viajou para São Paulo a fim de visitar uma fábrica onde seriam inspecionados certos materiais a serem comprados por sua empresa. Três dias depois, a fábrica telefonou para o seu chefe sobre a visita do inspetor de qualidade. Do outro lado da linha seu superior enrolou dizendo que ele chegaria no outro dia. Com quatro dias de atraso Joca chegou e rapidamente liberou todo material sem sequer saber o que estava fazendo. Para seu chefe disse que a cidade era muito grande e custou a encontrar a empresa e sequer telefonou uma vez para receber melhores esclarecimentos. Isso demonstra a cara de pau em passear na cidade, divertir-se e pouco ligar para o serviço.
Noutra oportunidade um chefe pediu para que ele atualizasse especificações técnicas que estavam desatualizadas. Foi um prato cheio. Mexeu-se no máximo três vezes em uma semana de sua cadeira para ir até o armário, fazendo de conta que estava interessado em trabalhar. Ao ser cobrado sobre o andamento do serviço, ele, com a cara mais desavergonhada, disse que não havia nada a ser feito porque não havia necessidade de qualquer mudança. O chefe só não o mandou para aquele lugar por medo de perder o cargo, acusado de assédio moral.
Outras tentativas de fazê-lo trabalhar resultaram infrutíferas, como no caso da multiplicação de quantidades por preços unitários de uma grande licitação. Ele, muito esperto, sabendo que se sua produtividade fosse baixa tirariam dele todo aquele fardo, pegou uma folha grande, um lápis e uma borracha e pós-se ao árduo trabalho. Qualquer um sabe que nesse caso é fundamental uma calculadora e, vendo alguém fazer multiplicações munido apenas de lápis e papel tem a certeza de que trata-se de um artifício utilizados por quem não quer trabalhar. Depois de uma semana, foram recolhidos da mesa do Joca os papéis relativos ao processo, inacabados. No mesmo prazo, outra colega havia analisado e conferido dois enormes processos, assinalando todas as alterações a serem feitas.
Deixemos um pouco de lado as suas habilidades em fugir do trabalho e vamos mostrar o que ele produziu para si mesmo nos últimos trinta anos de carreira. Comprou um dicionário de inglês e passou a usá-lo na tradução da Seleções do Reader´s Digest. Depois de certo tempo, considerando que estava craque, passou a comprar revistas técnicas inglesas e, com o dicionário ao lado, traduzia palavra por palavra. Levava mais de mês para folhear uma revista e parecia que se sentia o máximo. Quando alguém comprava um aparelho eletrónico em que as especificações vinham em inglês corriam para Joca para que traduzisse. Depois de uma semana era aquela decepção, ele tinha traduzido ao pé da letra, o que resultava em um conjunto de palavras e frases sem qualquer nexo. Com o tempo foram descobrindo que era uma perda de tempo pedir ajuda para ele. Joca, então, vendo que mais ninguém o procurava, passou para a língua alemã. Com outro dicionário e um livro em alemão, passava o dia rabiscando suas traduções malucas, até que, certa vez, um dos colegas, sem que o Joca percebesse, virou mais de vinte páginas do livro que Joca traduzia e ficou na espreita para ver sua reação. Nada. Joca continuou sua leitura sem se dar conta do ocorrido. Dá para ver que o seu inglês e alemão não são melhores do que o português de uma criança do segundo ano primário.
A parecença que existe entre Joca e José Maria é que ambos não tinham amigos, não tinham mulher, nem amante. José Maria vivia com sua empregada e Joca com seu pai e sua irmã mais velha.
Quando Joca parou de trabalhar, aliás, se aposentou, acordou tarde pela primeira vez num dia de semana e disse para consigo:
- Minha vida, de hoje em diante, vai ser um domingão sem fim...
Mas na verdade ele não sabia por onde começar. Perguntava-se, sem encontrar resposta:
- Que fazer agora?
Dizia para si mesmo:
- Estou livre agora, livre!... Mas livre para quê?
Foi a um bar, conversou com um desconhecido e contou que recém havia se aposentado. O pseudo-psicólogo deu a receita:
- Felizardo! Aproveita e começa a gozar a vida!
Uma semana depois ele encontrou novamente aquele senhor que o aconselhara, e ouviu outra recomendação:
- Faça como eu, nunca se convença de que é aposentado. Adquira algum vício, se já não o tem. Evite os velhos. Um pouco de exercício pela manhã. Quanto a conviver, só com gente moça.
Joca, porém, foi percebendo que não sabia namorar, não conseguia ter vício nenhum, não sabia jogar futebol e muito menos achava alguém que lhe dispusesse a ensinar jogos de cartas. Era um desastre sua vida.
Para Joca o tempo não passava. Foi definhando, comendo pouco, seu pai tentava lhe dar alguma alegria contando alguma piada, mas nem isso o tirava daquela tristeza sem fim.
Depois de seis meses fora da empresa, sua irmã o encontrou morto, com uma corda amarrada no pescoço, presa numa árvore no fundo do terreno.

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