Deus é um morcego
cego e sonolento
que vê o mundo de pernas para o ar
Na cova em que me deito
como se pronuncia o seu nome
assim reclinado?
(Mario, meus poemas, melhor não lê-los. Ninguém faz half rhymes tão bem como você. A cesura na quarta sílaba foi impossível, pois algo distraiu minha atenção. Talvez a lembrança de um jogral, correndo assustado para os porões do castelo antes de dar vazão a sua forma bestial. Mario, não sei mais o que faço para livrar-me da idéia fixa de que esperança de serpente é poder caminhar sobre os próprios pés. "Suas dificuldades particulares são certamente problemas de ótica." Fiquei onze dias sufocado sob o peso desta frase, dita por um amigo incomum e, pasme, pelo telefone sem fio. Que descaramento. Impublicável. De resto, continuo com meus pequenos prazeres - viagens rápidas, orgias estomacais, inclinações para diatribes e opiniões sem conhecimento de causa - e o prazer mais universal de todos: desfrutar a existência do vácuo e da pressão atmosférica. Continuamente me valho de hipóteses híbridas em situações críticas. Faço uso da proverbialidade para explicar aos outros tudo que eu mesmo não entendo. Aconteça que eu me engane. Sem dúvida total falta de precaução. Mas em geral perco meu tempo poupando palavras. Passo em silêncio os dias inalcoolizados. Sonhei outra noite que o pó das minhas estantes conversava comigo. Precisava ver com que erudição ele me descrevia por que os livros lhe eram irrespiráveis. O certo, Mario, é que até hoje fui totalmente incapaz de governar meus pensamentos. Quando decidi dividir-me entre o céu, a terra, luz e calor, não tinha a mínima idéia de onde provinham. Aconteça que eu me engane.
