Parei meu fusca azul num ponto estratégico da avenida de canteiro central. E fiquei admirando a linda mansão. Digna de figurar num cartão postal. Ocupando meio quarteirão, destaca-se, neste bairro chic de gente arredia, pela sua suntuosidade e bom gosto. Dois cedros altos na frente, e um emaranhado de espinhos (ou Coroa-de-Cristo) de florzinhas vermelhas como contorno, a diferenciam das residências vizinhas, de muros altos. Dois pavimentos. No superior, a marca inconfundível da mulher que me ama. Jardineiras repletas de flores amarelas e vermelhas, que um assíduo beija-flor visita matinalmente, portando meus recados apaixonados.
Permaneço no carro, mas a imaginação escapa e invade a mansão, que afinal de contas está inserida na nossa história de amor. Não sei explicar como sucede tal fato. Nunca estive ali antes, mas conheço bem os segredos do casarão e garanto que minha voz já ecoou pelo seu interior. Com certeza, só Shirley Maclaine entenderá esse mistério. Não estou sonhando. A mansão é real. Vejo-a bem, ali na frente... As pessoas que a habitam me tratam cordialmente. Porém, se eu acionar a campainha, salvo a minha paixão, não me reconhecerão. Pudera, jamais me viram pessoalmente... Digamos que é um sortilégio de amor.
No ar, por magia, Elba diz na voz da minha querida:
- "Eu gosto mesmo é de ocê!".
E Nalva Aguiar, da mesma forma pede:
- "Vem pra mim!".
Por fim, ela mesma canta:
- "Se todos fossem iguais a você...!"
Num passe de mágica, a mansão fica engalanada e até a netinha se mostra contente comigo. Também recebo o carinho das jovens que coalham as piscinas, sem necessidade de apresentações. São suas amigas leais. Sem dúvida, essa mulher é extraordinária. Encantou-se com o simples buquê de rosas encarnadas que lhe ofereci, descrevendo-o detalhadamente. Sabe que tais coisas não têm preço. Ela adora animais. Aliás, costumam abandonar gatinhos no espinhal, que ela recolhe. Contou-me:
- "Já tenho 12!".
Deu-lhes polenta e fígado, e nomes delicados. Fazendo o mesmo com o canário Dinho e o pastor alemão Joãozinho. Ela é muito querida nesta cidade que me ignora. Numa festa folclórica, compareceu trajada de cigana. Um encanto! Blusa branca, saia vermelha, faixa com motivo floral e barra branca. Um pandeiro decorado na mão e flores brancas, vermelhas e amarelas na cabeça.
Não esconde sua paixão por mim:
- "Quero se possível, algum dia, em algum lugar, você... Queria ter uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela pra ver o sol nascer... com você!".
Ponderei. Aí, então, só disporia do fusquinha, ao invés desses carrões.
- "Mas seria feliz!" - completou.
A mansão me impressionava muito e eu queria conhecê-la ao vivo. Meu amor citou um trecho de "O Pequeno Príncipe":
- "Importa apenas o seu significado, não o valor da construção!".
Vim de longe, mas valeu a pena, porque finalmente compreendi a dura realidade. Pertencemos agora a mundos diferentes. Não vou sair do meu, onde sou feliz, nem ela deve abandonar o seu, pois não se atira uma vida regalada pela janela.
Ligo o motor. O velho fusca estremece. Lanço um derradeiro olhar para a mansão. Acho que aqui não tornarei mais. Estranho, tive a impressão que ela acenou para mim, agitando os dois cedros altos...
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