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Cronicas-->Caipirinha chapa-branca -- 08/11/2008 - 14:06 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Revista Veja - 12/11/2008

Lya Luft

Caipirinha chapa-branca

"O Ministério da Agricultura resolveu ensinar
o povo a preparar a verdadeira caipirinha"

Muito já falei do drama dos desencontros humanos, um deles sendo aquela hora em que a gente pronuncia a palavra que vai causar um tumulto, ou um pequeno arranhão, nos sentimentos de quem a gente não queria ferir. Anos depois, esse alguém nos interpela: "Lembra aquela vez em que você me disse isso? Pois até hoje me dói".
A gente reage: "Mas como? Quando? Eu nem uso essa palavra, e jamais te diria uma coisa dessas!".

Tem também a hora em que devíamos nos abrir e falar, o outro precisando de colo, mas, tímidos ou desatentos, engolimos o que poderia ter feito um bem, evitado um dano - mas houve apenas silêncio. Nas duas ocasiões não foi por maldade. Foi porque a gente não sabia. Faz parte das dificuldades de se relacionar, seja entre amantes, pais e filhos, amigos, colegas, chefes e funcionários.

o o o

Leio num jornal que por estes dias saiu no Diário Oficial da União um decreto referente à verdadeira receita da caipirinha. Isso mesmo. É possível que em breve a tornem um património nacional, e tudo bem, a gente vai se habituando a quase tudo. Dei-me ao trabalho de botar os óculos, acender outra luz, ver melhor, ver para crer. Aí está: "Diário Oficial da União publica receita de caipirinha". De acordo com a reportagem do jornal, foi o Ministério da Agricultura que resolveu ensinar o povo a preparar a verdadeira caipirinha, "com critérios", segundo está escrito no Artigo 4º da Instrução Normativa 55, publicada no próprio Diário Oficial da União, pouco antes do fim do mês de outubro (também segundo leio no jornal).

As instruções são detalhadas: não vale qualquer açúcar, só "a sacarose, açúcar cristal ou refinado, que poderá ser substituída parcial ou totalmente por açúcar invertido e glicose, em quantidade não superior a cento e cinquenta gramas por litro e não inferior a dez gramas". Em termos técnicos, aprendemos que o limão também não é qualquer limãozinho de fundo de quintal apanhado no pé. Ele deve ter "no mínimo cinco por cento de acidez titulável em ácido cítrico, expressa em gramas por cem gramas".
Para sermos honestos, há um adendo dizendo que a área técnica do Ministério da Agricultura informou que o texto fora erroneamente publicado no Diário Oficial, e que "não é um texto definitivo. A idéia era colocá-lo em consulta pública, mas, por um erro, a Instrução Normativa foi publicada como estava".

Fiquei olhando a chuva cair sobre as árvores, pensando nos caóticos dias passados com a loucura financeira, nos efeitos reais que ela começa a provocar, nas férias coletivas de grandes empresas, na tragédia da falta de crédito que apenas começa a mostrar seus males, nas obras paradas, nas dívidas impagáveis, nas vidas sopradas por vendavais que nem sonhávamos, em tanta coisa que vai descair, parar, emperrar, fazer sofrer quem não tem culpa.

Quando por toda parte se fazem campanhas contra excesso de bebida, contra direção irresponsável, quando com tanta dor se enterram jovens, crianças e adultos vítimas de bebedeira e insensatez no trànsito, nas casas, nas ruas, arrumam-se tempo e dedicação para mexer com receitas oficiais de caipirinha. Talvez seja esse um belo exemplo de como teria sido muito melhor calar do que falar. E jamais colocar tal bobagem nessa linguagem oficial.

É verdade que quase nada entendo da vida oficial, e admito isso sem problemas, assim como outro dia admiti de saída que de economia pouco entendo - entendo pouco além de trabalhar e pagar as minhas contas. E que, escrevendo na outra coluna, eu estava apenas dando minha opinião e a impressão de uma pessoa comum.
Foi assim que me senti, literalmente boquiaberta, lendo e relendo (era para rir ou chorar?) a notícia, que, depois vi, não devia ter sido divulgada, sobre uma Instrução Normativa que jamais deveria ter sido arquitetada. Mas foi. Estou, sim, fora de esquadro. Antiquada. Desinformada. Que seja: de algumas coisas, é melhor mesmo não ter a menor informação.

Lya Luft é escritora


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