O caso
Na semana em que lhe precedeu a morte, a mãe do deputado estadual Tendes Trame, Carolina Trame, desconfiou que o filho envolvera-se em negócios escusos, durante a administração de Jarbas o energúmeno, na prefeitura de Tupinambicas das Linhas.
A velhota por ser professora aposentada, apresentava há décadas, algumas características de quem era muito mal paga pelos serviços que prestara ao estado: magreza acentuada, subnutrição e um deterioramento mental cavalar progressivo.
No leito de morte a boa velhinha mandara chamar o filho e, reunindo as forças que lhe restavam, dissera-lhe com candura:
- Toninho, estão dizendo por aí que você e aquele seu colega, o Jarbas, andam passando a mão na bufunfa da prefeitura, é verdade?
Tendes percebeu o rosto avermelhar-se, fenómeno que não sentia desde a juventude, mas muito solícito respondeu:
- Mamãe: a senhora tem essa mania de acreditar em tudo o que dizem. Nem sempre o que comentam por ai é verdade. Isso só pode ser coisa da oposição, daqueles pobres pés-rapados incompetentes.
Os cabelos brancos e desgrenhados da professora foram assentados, num gesto de carinho, pela mão trêmula do poltrão, que se esforçava em dissipar, do entendimento da mãe, a noção pública e notória de que ele não passava de um pederasta enrustido, enriquecido por manejos bem sucedidos, das técnicas de esvaziamento dos cofres da prefeitura.
- Mas meu filho, até a nossa empregada, a Márcia que está conosco há quase quarenta anos, comenta o que ouve pelas ruas, principalmente quando vai ao mercado. Ela garante que falam ser você um ladrão. Eu não quero acreditar. Sei que você como deputado tem um salário e-nor-me e, além disso, tem direito à quela verba de representação, com a qual você pode pagar até artistas de teatro e televisão, se quiser, não é verdade?
- É isso mesmo, mamãe. Porque iria eu roubar, se tenho tudo o que quero e preciso? - Tendes aliviou-se, por considerar ter convencido a mãe.
A velhinha tossindo e ajeitando a coberta sobre o peito, com um gesto, pediu ao filho, que lhe passasse a máscara daquele tubo verde de oxigênio, jazido ao lado da cama. Depois de respirar por alguns minutos o gás, a mulher voltou a falar:
- Quero morrer em paz. Eu sei que você é inocente, mas o povo fala. As pessoas falam muito nessa história de ambulància. Que o Jarbas está dando os tufos para o JP - Jornal da Prefeitura - convencer a população de que não tem nada a ver com esse particular de chupa-sangue.
- É verdade mamãe! Estamos no governo há tantos anos e diante da nossa folha límpida de serviços prestados à sociedade, eles não tendo o que dizer, inventam essas inverdades, que enodoam a nossa honra. Vou processar todo mundo. Inclusive já sei quem está tecendo as maldades. Mandei informar aos vizinhos do cara, que não lhe dêem muito sossego até que tudo se resolva com mudanças.
Percebendo que as forças lhe faltavam a mamãe Carolina tossiu, e pediu para ficar só. Tendes então se despedindo deu-lhe um beijo na fronte. Na saída disse à Márcia, que lhe entregava a carteira com os cartões de crédito:
- Me liga, entendeu? Pode ser a qualquer hora. Não esquece me liga!
O deputado saiu e durante a madrugada, quando ainda não conseguira pegar no sono, ouviu o estridular do telefone. Mamãe Carolina acabara de falecer.
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