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Cronicas-->A mula-sem-cabeça -- 02/03/2001 - 22:00 (Anizio Canola) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Oh! Que saudades que tenho da aurora da minha vida, da minha infància querida, que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores, naquelas tardes fagueiras, à sombra das bananeiras, debaixo dos laranjais!..." (Casimiro de Abreu, Meus oito anos).
Cerqueira César (SP), onde vivi minha infància, no começo da década de 50, era um bucólico recanto paulista. De um povo ordeiro, mas que tinha idéias retrógradas, arraigadas nas lendas e crendices. Paulatinamente tudo mudou, a gente cerqueirense evoluiu demais. Agora aquele torrão dá gosto. Mas naquele tempo, nossa mentalidade era barra... Sucedeu que, ao brotar o aprendizado no Grupo Escolar, minha novel geração começou a desvincular-se desse arcaico modo de pensar. Ainda que as novidades dos mestres provocassem atritos com os mais velhos, contrafeitos com as mudanças radicais. As fervorosas festas religiosas do lugar evidenciavam a devoção do povo. Que contudo, carecia de mais amor ao próximo. Para erradicar o preconceito que havia contra os negros, naquela região de pessoas de pele alva. Só que na escola gostávamos muito dos seis negrinhos. E ao dizer em casa que eram gente como a gente, causávamos espanto. Felizmente isso mudou. Sem rádio nem televisão, ou jornal da cidade, imperava o sistema de alto-falantes instalado no Cine Rosário, ouvido em todo canto. A professora Lourdes nos aconselhava:- "Olhem bem antes de atravessar a rua, porque os automóveis estão cada vez mais velozes. Alguns já alcançam 50 quilómetros por hora, na estrada!".
Ao cair da noite, os vizinhos costumavam papear nos portões. Nem havia calçadas. Sentavam-se em cadeiras de palhinha. Pitavam e desfiavam casos pitorescos. As mulheres na varanda conferiam boatos e faziam tricó ou crochê. Os rapazes conversavam na esquina, sem ousar fumar na frente dos pais. As moças ficavam no portão. E alguém era escalado para "segurar vela" para o parzinho noivo na sala. Os moleques reinavam sob a luz do poste (à vista dos adultos), brincando de pega-pega ou salva. Raramente se misturavam às meninas, para brincar de rei e rainha e barra-manteiga. As garotas se agrupavam entoando lindíssimas cantigas de roda.
Em Cerqueira existia a coleção completa dos personagens medonhos, que ganhavam vida nas insinuações maldosas dos adultos. Que vira-e-mexe apontavam determinadas pessoas na rua:- "Aquele sujeito pálido se transforma em lobisomem nas noites de lua cheia". Ou, "Esse senhor suga sangue e vira morcego". E ainda "Aquele preto de pito na boca não me engana". Mas a criançada temia especialmente a mula-sem-cabeça, animal lendário que tinha uma tocha no lugar da cabeça
Certa noite, após o jantar, fui me encontrar com os amiguinhos no poste perto de casa. Como sempre naquele cenário típico. Eu ignorava que eles haviam combinado me assustar. Foram logo me dizendo:- "Olhe lá no fim da rua, parece a mula-sem-cabeça!". Fixei a vista na direção apontada. De onde estávamos havia só mais dois postes de luz mortiça. Depois começava a estrada de terra para Avaré (asfalto não existia naquele tempo), tragada pela escuridão. Não vi coisa nenhuma. Mas para não parecer medroso, resolvi dizer: Gente, é mesmo! Eles se entreolharam surpresos, perguntando aflitos:- "Você está vendo a mula de verdade?". Confirmei: Sim! É a mula-sem-cabeça. E vem vindo para cá!.
Foi um Deus nos acuda. Os medroso garotos fugiram para suas casas, atropelando a todos. Os adultos, desconfiados, resolveram ir "puxar a palha", alegando:- "Seguro morreu de velho. Já está na hora mesmo". (Era costume deitar-se por volta das 21 horas). Achei divertido o receio do pessoal. Compreendi uma verdade: temíamos algo que jamais havíamos visto de fato. Lenda só servia mesmo para assombrar a gente. Felizmente foi a última vez que se falou dessa naquelas bandas...
As crianças de hoje têm brinquedos sofisticados que fazem tudo sozinhos. Elas também imitam a Xuxa, Angélica e outras em canções e fazem coreografias indecentes. Todavia, será que se encantam como nós, nos bons tempos de caipiras, quando o bom era o carrinho de carretel e a boneca de pano, feita em casa? Quando se temia, não esses bichos feiosos das telas que não assustam ninguém, mas a mula-sem-cabeça?.

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