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Contos-->A SOPA -- 01/04/2000 - 23:57 (Oswaldo Francisco Martins) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A SOPA
Oswaldo Francisco Martins

Era março de 1976 e acabávamos de iniciar o CENPEQ - Curso de Engenharia de Processamento Petroquímico. Acabávamos de ser matriculados como alunos regulares do curso de Engenharia Química da UFBA – Universidade Federal da Bahia, onde fomos aceitos após aprovação em concurso específico para o CENPEQ. Integrávamos a equipe de 8 (oito) alunos vindos da UFC – Universidade Federal do Ceará, dentre os 34 (trinta e quatro) que foram selecionados junto UFPA – Universidade Federal do Pará e a UFPE - Universidade Federal de Pernambuco para compor o alunado do convênio PETROBRÁS/PETROQUISA/UFBA, todos engenheirandos, excetuando-se dois funcionários da PETROBRÁS, já graduados, os quais não fizeram o concurso: o Aloísio e o Nery.

Nossa sala de aula ficava no sétimo andar do prédio da Escola Politécnica de Engenharia, no bairro da Federação. Ali, todos os alunos do CENPEQ eram admirados pelos professores e alunos daquela tradicional escola, o que naquela ocasião decorria de termos sido aprovados em concurso aberto para aquela pós-graduação muito badalada, a qual despertava o desejo de todos os engenheirandos e engenheiros químicos em função do Pólo Petroquímico da Bahia recém criado, o qual viria a absorver todos os egressos daquela especialização e, consequentemente, já termos garantidos nossos empregos - naturalmente após a conclusão do CENPEQ!

Fomos informados do RU - Restaurante Universitário pelo João Nery, aluno regular do curso de Engenharia Química da UFBA e aprovado para fazer o CENPEQ, recomendando-nos adquirir os “tickets” para sermos comensais dali:
 Fica lá no Corredor da Vitória e a comida é muito boa e barata! Vale a pena irmos comer lá, pois é bem mais barato que na cantina da Escola Politécnica! Fora uma simpática atitude daquele colega, que já era comensal do RU.
 Onde compraremos os “tickets”? Perguntou o José Gilson.
 Podemos ir todos juntos lá, vocês vão gostar! Frisou o João Nery.
 Quantos de vocês vão querer? Indagou o José Gilson aos egressos da UFC.
 Para o mês inteiro! Todos responderam a indagação ao mesmo tempo.

No dia seguinte, por volta das 12:00, lá estávamos na quilométrica fila para almoçar, quando alguém falou baixinho, o que escutamos perfeitamente:
 Há calouros na fila!
 Calouros não, quintanistas de Engenharia Química! Retrucou o José Afonso, de imediato, fazendo aquele engraçadinho calar-se, provavelmente porque era aluno ainda com poucos semestres em algum curso da UFBA.

Chegávamos cada vez mais perto do local onde teríamos enchidas nossas bandejas com alimentos do almoço daquele dia, quando o José Júlio deu uma rápida olhada nas bandejas já abastecidas de comensais à sua proximidade e disse:
 Vejam só, tem uma sopinha muito legal!
 Dou o maior valor! Soltei esta frase com minha boca cheia de saliva, quase emitindo-a sobre a superfície de minha própria bandeja.

Com a bandeja repleta de tudo que garantia o nosso direito de comensal naquele restaurante, passamos a procurar por um lugar desocupado para sentar e comer. De repente, começaram a bater os talheres contra os pratos, o que provocara uma intensa zoada naquele restaurante sem nenhum cuidado ergonômico, especialmente quanto ao conforto sonoro, muito neglicenciado em sua concepção arquitetônica:
 O que é isto? Perguntou o Fernando Parente.
 É o protesto dos comensais por ter acabado a sopa e por não mais estarem repondo o panelão! Responderam o José Gilson e o Augusto César, quase que simultaneamente.
 Fomos salvos por um triz! Falei, juntamente com o José Afonso e o José Ribamar.
 Bem, tem uma mesa lá no canto, vamos para lá! Apontou o José Júlio com ajuda de sua bandeja, fazendo um gesto meio tímido com o rosto.

Sentados e famintos, passamos a atacar nossas bandejas. Muitos comentários sobre os alimentos foram postos por todos:
 A comida está fria! Retrucou o José Afonso.
 A carne está muito dura! Fora o comentário do José Ribamar.
 O arroz está quase cru! Falou o Fernando Parente.
 O feijão está com cheiro e gosto de alimento queimado! O autor ressaltou tais propriedades organolépticas.

Naquela ocasião, a sopa parecia ser a nossa única salvação. Logo, tomei a palavra:
 O que estão achando da sopa? Dirigi-me aos vizinhos, acomodados à minha mesa.
 Puxa, de que é mesmo esta sopa? Perguntou o Fernando Parente.
 Acho que é de galinha! O José Afonso e o José Ribamar responderam, mas não demonstraram muita convicção na afirmativa.
 Não é de carne? O José Júlio e o José Gilson intercederam, mostrando fragmentos de carne bovina em suas colheres, a qual mais parecia ser formada de pelancas ou aparas de carne, certamente.
 Tem cheiro de peixe! Falou o Raimundo Amorim, alheio àquela sopa em nossos bandejas, por não tê-la em sua refeição, arregalando os olhos vibrantes e muito espantado ao colocar sua própria observação com notória crueza.

Naquela ocasião e sem nenhuma conversa, esquecemos daquela comida temperada e passamos a comer a sobremesa de queijo e doce de goiaba: Romeu e Julieta. No momento seguinte, deixávamos o restaurante para retornar à Escola Politécnica, quando o Augusto César falou:
 Não volto mais ao RU! Todos concordaram com aquela posição, através de um silêncio que teve a conotação de completa reprovação da qualidade da comida ali servida.
 E os “tickets”, o que vamos fazer com eles? Perguntou o José Afonso.
 Jogar fora! Respondeu o José Júlio, objetivamente.

Aquela fatídica sopa de galinha - com aparas de carne bovina e com cheiro de peixe - matara o nosso exagerado e costumeiro apetite temporariamente, deixando-nos hipoglicêmicos e obrigando-nos a fazer um lanche antes do início das aulas do horário vespertino na cantina instalada em nossa escola, explorada pela simpática Dona Hilda, no mesmo andar onde funcionava o CENPEQ, logo ao adentrarmos à Escola Politécnica de Engenharia.

Nossas memórias registraram tudo aquilo para sempre, tendo também nos afastado definitivamente do RU, aonde nunca mais voltamos; e, mesmo ele tendo sido desativado pela UFBA somente muitos anos depois, ainda hoje persiste em nossas mentes aquela histórica e folclórica aventura de tentarmos ser comensais do RU da UFBA quando nos deparamos com uma sopa. Daquele lugar saímos completamente frustados, fato que marcou definitivamente nossas vidas, transformando-se em hilariante motivo quando de comentários sobre o assunto ‘comida’ em nossas raras reuniões e/ou esporádicos encontros, geralmente quando procedemos abordagens sobre nossos primeiros momentos na maravilhosa cidade de todos os santos.

Apesar de termos reprovado a qualidade da comida do RU, a qual se mostrou incompatível com nossas particulares exigências, reconhecemos que sua existência garantiu as necessárias refeições a muitos dos alunos formados pela UFBA, sem as quais não teriam tido condições de estudar e morar em Salvador, particularmente para os nativos de municípios outros ou distantes da capital baiana ou se cidadãos originalmente humildes – mesmo que originários de Salvador. Por termos sido bolsistas bem remunerados da PETROBRÁS/PETROQUISA nos idos de 1976, fomos alunos extremamente privilegiados e tivemos dinheiro para pagar nossas refeições na cantina da Dona Hilda, em restaurantes espalhados pela cidade ou mesmo em nossos apartamentos alugados, onde consumíamos regularmente feiras de alimentos e produtos do uso normal pelas famílias soteropolitanas, onde também mantínhamos empregadas domésticas para nos ajudar nas tarefas do nosso quasi lar. Enfim e particularmente, a desativação do RU matou a esperança de muitos e muitos candidatos terem a chance de dar continuidade aos seus ingressos na UFBA e de garantir suas formaturas pela mesma universidade, o que se constituiu num crime desmedido, perverso e inaceitável contra muitos dos filhos desta esplendorosa Bahia e, provavelmente, deste nosso gigantesco país, sendo esta última conseqüência uma extensão maior da malvadeza que representou a falta do RU para esta enorme Terra Brasilis.

E-mail: omartins@cpunet.com.br
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