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Teses_Monologos-->Duas Cartas, duas vidas -- 29/09/2001 - 20:08 (L. O.) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Duas cartas, duas vidas

Caso você não me conheça, meu nome é Eduardo. Na minha vida, nunca aconteceu algo extraordinário. Desde os 5 anos estudo numa escola perto de casa. Estou no 3º colegial agora. Acordo de manhã e vou para o colégio. Passo metade de meu dia numa sala de aula. Quando chego em casa, corro para meu quarto. Tranco-me e fico estudando até a hora de dormir.
Esse é meu cotidiano. Na escola, todos parecem ser... não sei. Acho que são diferentes. Ou, eu sou o estranho? Melhor nem pensar nisso. Minha auto-estima não é muito alta. Enfim, eles saem à noite e vão à boates. A vida da maior parte das pessoas que vejo todos os dias é resumida em algumas palavras: festa, bebedeira, drogas e alegria. Os pais bancam tudo. Pagam para os filhos se auto destruírem. Se bem que... eles parecem mais felizes que eu. Não, não... minha vida não é só alegria mas ao menos não magoou meus pais. Acho até que sou a alegria deles.
Papai e mamãe. Estão sempre tentando me agradar. Encorajam-me a sair mais, ver o mundo!! Isso parece uma aventura e tanto para quem viveu nos anos de 1970. Eles eram rippies. São liberais até demais. Não perguntam aonde estive, o que eu fiz se estou namorando. Enfim, caso eu queira contar eles estão ouvindo. Respeitam-se muito e sabem me respeitar também. Quando era pequeno achava isso um máximo. Duas pessoas que se amam com um filho. Parece até um velho sonho de qualquer adolescente, um dia poder ter sua própria família. Mas, devo lembrar que nada é perfeito.
Não sou nada comunicativo. Isso todos já notaram. Meus pais não entendem o porquê da minha falta de reivindicação ou ironia comum em qualquer jovem. Voltando a visão do mundo para meus olhos, a ironia provoca discussões. Se eu quiser sempre expor minha opinião, as brigas não terminariam nunca. Prefiro não expor as idéias. O dia certo irá chegar. Tenho tudo anotado em diários. Uma grande paixão minha é escrever tudo o que penso, o que acontece, as observações, meu ponto de vista e mais algumas milhares de pequenas coisas que no geral ninguém percebe.
Nunca tive amigos de verdade. Os colegas de classe me pagam para fazer as tarefas escolares. Às vezes nem cobro, faço por gosto mesmo. Eles não me entendem, eu não os entendo. Acho que gostam de mim, meu estilo meio “quieto no seu canto” sem perturbar ninguém. Penso ser meio entremetido na vida das pessoas. Escuto uma conversa aqui, outra ali. Ninguém pára para conversar comigo mas eu sei tudo sobre eles. Sinto-me mal por isso, não tenho o direito de bisbilhotar a vida alheia. Vejo isso como uma forma de aprender com os erros alheio para nunca cometê-los. A vida é curta e não teremos tempo para cometer os possíveis erros.
Se não tive amigos, namorada muito menos. As meninas não são mais como antes. Saem tomando a iniciativa e escolhem com quem querem sair. Meu pai sempre diz “no meu tempo não era assim, as garotas eram mais românticas...” e assim vai o discurso até chegar na revolução feminista. Até hoje algumas mulheres lutam por seus direitos. Voltando ao fato de namorar, teve uma época que fiquei perdidamente apaixonado pela Vanessa. Uma garota linda, olhos verdes, cabelo castanho escuro e voz suave. Uma menina inteligente que era sempre a primeira a falar em algum debate. Expunha suas opiniões em todas as aulas e falava em voz alta para que todos pudessem ouvi-la. Tenho muitas anotações sobre ela num caderno. É uma terrível mania “montar” cadernos. Na época de minha paixão levava-o todos os dias até a escola e escrevia tudo o que ela dizia. Ao lado colocava minha opinião e ressaltava a figura grandiosa que Vanessa representava para mim. Nunca livrei-me totalmente da paixão. Também nunca tive coragem de demonstra-la para ela que hoje está namorando um tal de Alex.
Milhares de vezes parei para pensar sobre minha vida. Acho que ela tem valor sim. Todas as vidas tem valores. Um presente divino concedido à todas as pessoas para que elas possam usa-la e fazer o bem. Conservar a criação da grande e vasta Mãe Natureza. O que será que acontece com as pessoas que morrem? Vão para o céu ou inferno como dizem algumas pessoas ou decompõe-se para gerar novos seres vivos? Prefiro a segunda opção. Meu corpo estaria sendo usado para o benefício de outros. Não gosto do egoísmo de pensar que eu irei para o céu ou eu irei para o inferno. Acho que esses lugares nem existem. Imaginaram quantas pessoas desde que o ser humano surgiu sob a terra estariam lá. Teria lugar para todo mundo?
Penso que o melhor jeito de aproveitar minha vida é fazendo o bem para as outras pessoas. Ajudar o próximo a ser feliz e criar uma felicidade interior. Acho que já tive tempo demais para realizar esses méritos. Não consegui aproveitar minha vida para nada de útil. Não faço bem aos meus conhecidos, não falo com os estranhos e muito menos mantenho um diálogo constante com meus pais.
Conhecer o mundo como meus pais mesmo me dizem; para que? Não teria com quem compartilhar isso além de eu mesmo. Além do mais, já aprendi tudo sobre os lugares mais exóticos na Internet e não vejo novidade nenhuma. Fazer faculdade? Nem quem tem um diploma quilométrico consegue arrumar um emprego. Não consigo dar continuidade à minha vida. Acho que não mereço o dom de viver mais.
Mãe, pai, sei que vocês vão ficar chateados e se perguntar o porquê mas, vocês não tem culpa. Foram bons pais e tentaram ser meus melhores amigos. Foi eu quem não abri espaço para outro eu em minha vida. Acho que agora é tarde demais para tentar. A culpa é minha e pela primeira vez em muito tempo, estou fugindo da minha responsabilidade como um ser humano. Alguém digno o suficiente para honrar sua vida.
Volto a pedir desculpas a todos que esperavam mais de mim, mas não conseguiria ficar mais tempo vivendo nessa infelicidade interior que eu criei.
Digo adeus a todos, não gosto da palavra mas a solução mais razoável que encontrei foi o suicídio.
Ainda não sei qual será o dia. Deixo meu relato adiantado. Não se preocupem com minhas coisas. Vocês podem ler meus cadernos se quiserem. Apenas não mostrem a mais ninguém. Quero que apenas meu pai e minha mãe leiam os relatos. Direi na escola que farei uma longa viagem, não se preocupem com os papéis porque está tudo acertado.

Desculpem-me e adeus.

Eduardo.



Já passaram alguns dias que escrevi esta carta. Realmente é difícil acabar com a vida de alguém. Ainda mais tratando-se da sua própria vida. Bom, não posso deixar que alguém leia o drama acima sem saber o que aconteceu depois.
Logo depois de escrever, deixei a carta no meio de um livro na minha escrivaninha e fui à biblioteca como de costume. Minha mãe estava na cozinha preparando uma deliciosa macarronada e meu pai no trabalho. Senti pena deles, olhava pela janela da biblioteca e refletia sobre meu futuro gesto. Tirar minha própria vida. Eles me amavam. Mas só consigo ver isso agora. Depois de algum tempo.
Teria sido morto naquela noite. A droga já estava arrumada. Quando cheguei em casa, minha mãe me deu um beliscão. Assustei. Isso não era algo que ela fizesse todos os dias.
_ Tem visita! _ disse ela com um tom cínico olhando nos meus olhos.
_ Manhê! Pára de brincar, não tenho nenhum amigo que saiba onde eu moro.
_ Não é bem um amigo... É seu tio Marco.
_ O quê? Não sabia que tinha um tio. Muito menos um tio chamado Marco.
_ Ele está tomando banho. Mas sente-se aqui ao meu lado que eu contarei toda a história.
Mamãe me contou que o Tio Marco tinha ido para a guerra. Voltou muito abalado e decidiu tornar-se padre. Ela pensava que seu irmão tinha morrido mas recebera uma ligação à algum tempo. A verdade é que esse tal tio não dava notícias à muito tempo.
Não estava com a mínima vontade de conhecer tio algum. Queria ficar trancado em meu quarto lendo um pouco. Preparando-me para a longa noite que estava vindo.
Papai chegou em casa e mamãe foi correndo contar a notícia. Ele foi pego de surpresa também. Confesso que fiquei muito curioso para conhecer meu tio. Nunca tive familiares próximos. Estranhei o fato dele ter matado pessoas e em seguida tornar-se padre. Mas ninguém é perfeito.
A hora do jantar foi muito agitada. Mamãe perguntava milhões de coisas e Tio Marco respondia todas cautelosamente. Ele quis saber mais sobre mim. Nada disse. Não teria o tempo suficiente de contar a minha vida.
Despedi-me de todos e fui até o meu quarto. E agora? Manteria o meu desejo suicida. Assim fiz. Antes de deitar peguei o comprimido que havia reservado e tomei. Essa seria a última vez a olhar meu reflexo no espelho.
No dia seguinte, de repente acordo na minha casa. E, o mais estranho era que meu Tio Marco estava do meu lado. Não entendi nada. Era para eu estar morto vendo anjos no céu ou sendo devorado por germes. Mas eu estava vivo.
_ Que menino preguiçoso. Não deixei sua mãe te acordar. Tinha muito coisa para conversar com você. – meu tio padre falou isso com a maior calma do mundo.
_ Desculpe, não podemos conversar depois? Estou meio confuso...
_ Eu sei. É efeito do acalmante.
Levantei como se tivesse tomado um choque isso era a última coisa que um morto ouviria.
_ Quê acalmante – perguntei já elétrico.
_ Desculpe se lhe fiz mal. Ontem entrei no seu quarto por engano. Vi um livro que me chamou a atenção. Um envelope caiu e por um impulso comecei a lê-lo. Você escreve muito bem. Está de parabéns.
_ Então você descobriu e trocou os comprimidos? _ senti-me horrível. Um estranho entrava na minha vida e de repente sabe tudo que não deve saber.
_ Certo. Falando desse jeito parece meio fantástico mas foi isso que aconteceu. Posso conversar com você?
_ Melhor não. Não quero um sermão de padre muito menos de ex-soldado. Arranjo outros comprimidos e escrevo outra carta.
_ Não ia dar sermão nenhum. Apenas gostaria de conversar...
_ Se você me der licença ainda posso pegar a segunda aula. E não conte nada a meus pais.
Acho que o magoei. Mas não faz mal. Ele atrapalhou o percurso natural das coisas. Troquei de roupa e saí de casa quase correndo para não precisar dar nenhuma explicação. Ainda na porta escutei ele dizer para mamãe que eu tinha prova.
Pela primeira vez não fui à escola. Fiquei vagando pelas ruas tentando achar uma resposta para o que houve. Deus existiria mesmo e estaria me enviando um sinal. Nunca acreditei nessas coisas. Fechei os olhos e... trombo com uma garota.
Não. Não me apaixonei por ela. A vida das pessoas não muda tão rápido assim. A minha demorou muito para se transformar. A menina começou a falar sem parar. Eu quase não a escutava. Era uma fofoqueira do colégio. Contava tudo que tinha ouvido sobre mim.
Resolvi convida-la para tomar sorvete. Ela não tinha ido a escola também. Marcou um encontro com o namorado que não tinha aparecido. Comecei a prestar atenção no que ela dizia e, descobri todas as coisas boas que as pessoas pensavam sobre mim. Disse que eu era um cara muito inteligente e certamente teria mais chances na vida que qualquer outro. Lembro-me perfeitamente de suas palavras: “Bonito desse jeito, com uma orelha disposta a escutar e inteligente, qualquer garota gamaria na hora. Se eu não gostasse tanto do Manoel...”
Despedi-me dela. Minhas idéias mudaram totalmente. Fui convidado para uma festa na casa dela na mesma noite. Todos iam.
Passei em frente à escola. Vi Vanessa chorando e sem pensar duas vezes perguntei o que havia acontecido. Sendo muito rápida, ela desabafou totalmente comigo. Convidei-a para almoçar num restaurante e depois de insistir muito ela topou. Já tínhamos trocado algumas idéias antes mas nada muito sério.
Acho que naquele momento ela precisava de um amigo. Tinha discutido com o namorado.
Voltei para casa quando já era noite. Reuni todos na sala e contei meu dia. Meus pais se assustaram. Mas ficaram felizes por eu ter contado as novidades do dia. Não mencionei em meu suposto suicídio, acho que jamais falarei sobre isso de novo. Meu tio entendeu tudo e quis ir junto na festa.
Talvez daqui algum tempo eu peça Vanessa em namoro. Mas ainda não tenho coragem. Espero nunca mais sentir-me melancólico a tal ponto de acabar com a vida por iniciativa própria. Essas coisas acontecem com o tempo.

Quero dizer que sou eternamente grato ao meu Tio Marco. De certo modo ele sabia. Acho que tem a ver com suas conversas com a parede. Mas, entrego esses dois lados de minha vida para o meu tio Padre Marco.
Obrigado.
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