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Cronicas-->TAREFAS DIFíCEIS -- 21/12/2008 - 18:09 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Será que já concluímos qual é o serviço mais doloroso e penoso? Para alguns, deixo claro. Pois existem pessoas sem emoções para executá-las. Para mim, a tarefa mais difícil é remexer gavetas e pertences de um ente querido, há pouco falecido. Como a morte é a única certeza que temos na vida, temos de encarar tal atividade, aliás, nada fácil, e que aconteceu comigo após o passamento de meus pais - senhor José, em 1999, e dona Rosa, em 2001. Em dois anos fui obrigado a conviver com os fantasmas das saudades e das recordações.
Meu pai tinha gavetas repletas de fotografias antigas, recortes de jornais, revistas avulsas da sua mocidade, caixas de medalhas e de santinhos da igreja católica. Fora as prateleiras com uma infinidade de livros, alguns raros, inclusive brochuras dos séculos XVIII e XIX, herança de seu avó, Francesco Gullo.
Até os boletins escolares de sua mãe, datados do século XIX, estavam guardados.
Em uma caixa de sapatos, da antiga fábrica Scatamachia, encontrei aquelas tristes lembranças fúnebres, que eram entregues aos amigos e familiares do falecido, na missa de sétimo dia.
Dezenas daquelas memórias com epítetos e fotos jaziam em meio a outras recordações. Lá estavam as lembranças dos meus avós paternos e maternos, tios e outros conhecidos da família. A maioria falecida antes do meu nascimento.
Em outra caixa maior, para a minha surpresa, encontrei as notas fiscais e recibos dos móveis encomendados para mobiliar a casa quando eles se casaram, em 1939.
Ao vasculhar antigos documentos, como certidões de casamento, nascimento, óbito e títulos de eleitor, emitidos durante a Primeira República, encontrei uma raridade: um documento emitido pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo - Superintendência de Segurança Política e Social - Serviço de Salvo-Conduto - Série A - Nº 52192 , datado em São Paulo no dia 3 de Fevereiro de 1944, em nome de Rosa Yolanda Stavale - válido somente para fins de viagem. Em 1944, o Brasil já tinha declarado guerra aos países que formavam o Eixo durante a Segunda Guerra Mundial: Alemanha, Itália e Japão. Estávamos em guerra e, como a minha mãe não tinha carteira de identidade, precisou do salvo-conduto para viajar até Rio Claro, no interior do Estado. E lá está a sua foto, com 27 anos.
Outro documento interessante é um cartão da Cruz de Caridade Rio-clarense - Serviço de Passagens Gratuitas aos Refugiados - vale sete passagens, concedidas pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro de Rio Claro a São Paulo - Rio Claro, 7 de Agosto de 1924.
Durante a Revolução Tenentista, deflagrada no dia 5 de julho de 1924, em São Paulo, a maioria dos bairros da periferia da cidade ficou, até o início de agosto, dia e noite, à mercê de batalhas, tiroteios e tiros de canhão.
Milhares de pessoas fugiram para o interior ou bairros mais distantes.
A família de minha mãe, da Bela Vista, ou Bixiga, foi para a casa de parentes, na Lapa.
Alguns familiares de meu pai, também moradores do Bixiga, dirigiram-se à casa de familiares, em Rio Claro.
As sete passagens de volta foram concedidas ao meu pai, que na época tinha 18 anos; tia Antonieta e tio Ernesto, seu marido, com o filho Bertinho; tia Marieta; Eduardo, primo de meu pai; e meu tio Aníbal, que morava em Rio Claro e veio para ajudar a reorganizar a vida da família depois da Revolução.
Assim, pouco a pouco fui me envolvendo naquela sagrada privacidade do falecido senhor José, sempre encontrando nostálgicas recordações.
Em seguida, veio a dolorosa tarefa de penetrar nas intimidades de minha mãe.
Móveis, roupas e outros pertences domésticos ficaram por conta das minhas irmãs.
Separei seus documentos, livros, fotografias, recordações da infància, vida religiosa como Filha de Maria e professora de catecismo na Paróquia da Madona da Achiropita, no Bixiga, e guardei-os junto com os do meu pai.
Ainda hoje, com saudades, passo momentos mágicos no sótão das imaginações, abrindo caixa por caixa, revendo todas as fotografias, admirando documentos e outros pertences guardados com extremo carinho. Trêmulo, paro no tempo e fico a pensar - será que quando eu partir desse mundo, todas essas preciosidades irão parar num cesto de lixo?
Se o caixão tivesse gavetas, meu último desejo seria levar tudo comigo. Mas, como não tem, vamos esperar pelos acontecimentos.
Enfim, além do que está em meu poder, e que outrora pertenceu aos meus bisavós, avós e meus pais, tenho centenas de outras "preciosidades", que conservo comigo há muito tempo.
Espero que o encarregado da "difícil tarefa" de cuidar dos meus documentos e do resto das tralhas, perceba que tem um pequeno museu e uma rara biblioteca nas mãos.


Roberto Stavale
Dezembro de 2008,-
Direitos Autorais Reservados®

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