Houve um tempo em que Natal era feito de brinquedos, cheiros e sabores.
A casa se travestia de pólo norte com algodão esparramado pelos galhos do pinheiro artificial.
Não sei ao certo como surgia o clima natalino na casa. Acho que tudo começava com aquela misteriosa saída dos pais para compras no centro da cidade. Era um dia inteirinho de ansiedade e espera.
Mas como era bom saber que na volta muitas surpresas viriam junto com eles.
Nunca foi percebido, pelos pequenos, de que forma os brinquedos eram guardados até o dia do natal, sem que ninguém os encontrasse. O objetivo sempre foi alcançado e Papai Noel era salvaguardado até a noite de Natal! Tudo era tão bem feito que ao ser descoberto o segredo ,a farsa continuou, só que dessa vez do lado oposto. E o enredo foi mantido durante alguns anos a mais, com os dois lados enganando-se mutuamente. Esperteza dos pequenos...
Dias antes da noite de Natal a cozinha já funcionava envolta em temperos e receitas que eram preparadas somente para a ocasião. Aliás nunca entendi porque determinados pratos são feitos somente no natal. Deve ser para manter a magia da data.
O significado da ceia, para os menores ,era o preàmbulo da chegada de Papai Noel.
Rabanada, arroz de forno, peru e frutas cristalizadas, eram consumidos com a pressa de quem sabe que as delícias maiores estariam no chão da sala ,logo pela manhã, sob a forma de brinquedos.
Nada poderia ser mais delicioso do que o prazer de abrir os presentes...
Todas essas lembranças são muito nítidas na memória, porém nenhuma delas é tão forte , em sensações e tão representativa do natal quanto a chegada da CESTA DE NATAL .Para nós, os pequenos, esse era o grande evento que marcava a data .
Ela sempre me pareceu enorme, colorida em tons de palha ,vermelho e azul. De onde ela vinha? Não lembro? Só sei que ao chegar ela era colocada no centro da sala a espera do pai.Afinal, ele deveria dar início ao solene ritual de abertura da cesta. A platéia familiar esperava ansiosa por esse momento.
A tal cesta sempre vinha muito bem embalada e amarrada com grossos cordões que eram vigorosamente cortados a faca pelo pai. Porém ao ser liberta de seus grilhões, tal qual uma caixa de pandora, um mundo de cores, cheiros, sabores e sensações explodiam de dentro dela , diante de olhares olhudos e curiosos. Um festival de exclamações tomava conta da sala.
A palha que envolvia os produtos era seca e perfumada. Perfume de Natal. Ao serem retirados ,os produtos ,eram analisados e recebiam uma graduação de acordo com as preferências de cada um.
Era tudo delicioso! Não falo dos sabores mas do acontecimento em si.
Definir com detalhes essa lembrança sensória e afetiva é difícil. Na infància tudo tem uma dimensão maior. Porém, definir essa experiência como uma das lembranças mais felizes de minha vida é uma verdade simples e absoluta.
Sei também que hoje, por causa dessas inúmeras cestas patrocinadas por meu pai, o Natal para mim é palpável, tem cheiro , sabor e forma e bem definidos.
Natal ,meus amigos, é uma grande cesta que assim como a vida tem boas surpresas que são ansiosamente aguardadas e que só são possíveis onde existe amor...
Nota :
Querido pai, dedico-lhe essa crónica de Natal pois não fossem seus esforços eu não teria lembranças tão felizes e marcantes dos melhores natais que passei em minha vida.
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