Novamente ela caiu... Três vezes escorregara bem em sua frente, de forma tal a expor-lhe o máximo possível dos fundilhos. Tudo bem que a grama estava molhada e os demais brincantes também escorregavam e caíam, mas não na freqüência dela, que parecia atirar-se ao chão. E repito: “sempre em sua frente e de forma a expor-lhe o máximo dos fundilhos generosos...”.
O pomposo presente dividiu seus olhos: um grudou-se no tecido que o embrulhava e o outro no texto em que tentava tecê-lo. Tanta outras vezes vira aqueles fundilhos na vida (na verdade, bem mais que os fundilhos), mas nunca com olhares que, de tão impetuosos, pareciam querer arrancar seus olhos das órbitas. Algo estranho estava acontecendo e, como sempre fazia diante de tais situações, achegou-se às letras, buscando tecer no papel, linha a linha, a emoção instigada pelos fios daquele tecido íntimo. Sua inabilidade literária, porém, contrastava com a habilidade das tecelãs da calcinha tão bem tecida e seus textos, ignorantes em relação aos mistérios ocultos pelo embrulhinho, nada diziam que o levasse ao menor discernimento. Também, pudera! Como escrever sobre o que não conhecia: tecer sobre mistérios guardados por tecidos invioláveis? Nos tempos em que dividiam a mesma bacia-de-banho [na casa da mãe dela (que era sua madrinha)], havia bem menos volume entre aquelas pernas: também menos complexidade em sua vida: naquele tempo ele ainda não sabia ler. O que mais lhe chamava a atenção eram as diferenças das partes que ainda não lhes eram íntimas. Trocavam, curiosos, manuseios freqüentes nas respectivas partes diferenciadas, mas por uma questão lúdico-anatômica, ela brincava mais com seu brinquedo do que ele com o dela: havia mais volume para ela brincar. Também é preciso mencionar que estavam na casa dela e que sua mãe era um inexplicável fator limitante às suas ações. Tanto era que foi por interferência dela que a periodicidade dos banhos foi diminuindo até serem, praticamente, proibidos. O que teria acontecido com aquelas carnes durante o tempo em que cresceram escondidas dos seus olhos, não fazia idéia, mas presumia (pela proteção da mãe que gerou a proibição) que aquelas calcinhas [que cada vez que lhe eram exibidas estavam mais diminutas (em contraposição ao conteúdo que crescia)] estariam guardando algo muito valioso ou, quem sabe (?) perigoso, ou quem sabe, ainda, ambas as coisas.
Sua dificuldade de transformar em palavras a estranha excitação que o tomava, devia-se ao equívoco que cometera ao buscar todo o conhecimento na feitura dos textos sem antes tê-los buscado na desfiadura dos tecidos. Como escrever sobre tesão sem conhecer certas carnes.; sem nunca ter cedido ao instinto que leva todo macho a xeretar os mistérios que rondam as ancas das fêmeas? Nem mil livros o deixariam apto... Seria como lidar com o jardim, sem conhecer as flores.; com a mãe, sem conhecer os filhos.; com Deus, sem conhecer os homens... Impossível! Tornara-se imprescindível que conhecesse o conteúdo daquele embrulhinho, mas para isso teria de abri-lo: desembrulhar o lindo presente, mas como se nem sabia desatar os nós que garantem a inviolabilidade de todo presente?
Trecho do conto Calcinha da brincante, do livro EMBRULHOS, de Mozzambani/Lumonê
