Em 31 de janeiro de 1946, depois de quinze anos de ditadura Vargas e do curto período de José Linhares como presidente da República, após a Assembléia Constituinte de 1945, assumiu o poder, no Palácio Tiradentes, Rio de Janeiro, o Marechal Eurico Gaspar Dutra. Este novo presidente, eleito pelo voto direto, durante a Segunda Guerra Mundial, no governo Vargas, exerceu o cargo de Ministro da Guerra. Nunca tivemos ministros da paz!
O pouco lembrado Dutra, escolhido pelo sorriso, apoio e recomendações do "velhinho", mudou o hábito e os costumes de milhões de brasileiros, instalando de vez a corrupção no país. O marechal foi responsável pelo fechamento dos cassinos, jogos de azar em clubes e locais públicos. E, de quebra, colocou no rol das contravenções penais o popular jogo do bicho, inventado em 1892 pelo barão João Batista Viana Drummond, fundador e proprietário do Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, em Vila Isabel.
O único Estado da Federação onde o jogo do bicho não é considerado contravenção é a Paraíba.
Dizem as boas e as más línguas que o jogo do bicho é o mais honesto que existe.
Lembro-me - era pequeno, morava na Bela Vista, "Bixiga" - quando, certa manhã, minha mãe, ao contar para a vizinha que havia sonhado com um parente já falecido, de pronto foi instigada a jogar no elefante. - Dona Rosa, disse ela, sonhar com defuntos é elefante na cabeça.
Minha mãe não entendia patavina do jogo, mas, orientada pela amiga, fomos ao chalé mais próximo, na rua São Domingos, onde jogamos alguns tostões no grupo 12, o do elefante, de primeiro ao quinto. À tarde, dona Maria, a vizinha, veio alegre nos avisar que tinha dado elefante em um dos prêmios. Lá fomos nós, todos contentes, receber o pequeno lucro!
O jogo do bicho, até hoje, está atrelado aos costumes populares. Aos bons e maus sonhos. E até aos pesadelos.
Das crendices, citaremos algumas: encontrar uma borboleta, voando dentro de casa. Borboleta na cabeça. Nas ruas, cruzar com algum gato, principalmente preto. Jogar no gato. Nas estiagens, quando não chove, com certeza é jacaré. Época de Natal, sem dúvidas, o peru. Na Páscoa, coelho. No dia 23 de abril celebra-se o dia de São Jorge. Neste dia, as cotações para o cavalo são cortadas pela metade, pois milhões de pessoas descarregam o jogo na montaria do Santo Guerreiro.
Nos sonhos, já sabemos o caso do elefante. São milhares, as interpretações, como sonhar que está sendo abraçado por diversas pessoas - galo. Acidentes e más notícias - leão. Sonhar com armas brancas e traições - macaco. Água, limpeza e purificações - águia. Sorte no amor e no jogo - cobra. Sonhar com riquezas e ouro - urso. Sonhar com ovos, crus, fritos ou cozidos - carneiro. Para os interessados, há dezenas de livros com as interpretações e os bichos nos quais deve-se jogar.
Assim, são inúmeras as combinações para montar e tentar a sorte.
Em São Paulo, já com os jogos proibidos, o governador Lucas Nogueira Garcez, (1951-1955), fechou a "zona do baixo meretrício", instalada no Bom Retiro, nas ruas Aimorés, Itaboca, Carmo Cintra e adjacências.
Com isso, a maioria das flores do mal teve de ir para outros canteiros.
Devido a essas medidas, milhares de frequentadores da zona do Bom Retiro, e outros milhares de inveterados jogadores, precisaram arrumar locais escondidos para procurar a "meninas" e jogatinas. Sempre fugindo da polícia.
Mas em relação aos bordéis, houve um interessante divisor geográfico na cidade de São Paulo, funcionando à luz do dia e da noite, sob a vista grossa das autoridades.
A avenida São João foi referência da divisão.
Do lado direito de quem vai para os bairros, floresceu o novo "baixo meretrício".
A partir da avenida Ipiranga, até a Duque de Caxias, as ruas Timbiras, Aurora, Vitória, Gusmões, Gal. Osório, Andradas, Triunfo, Protestantes, parte da Santa Ifigênia e Mauá, na Estação da Luz, até o final dos anos de 1960, a noite virava dia. Segundo estatísticas, viviam nesse quadrilátero cerca de quinze mil prostitutas que trabalhavam nas ruas, em casas, apartamentos, bares e botequins.
Do outro lado, com seus famosos bordéis de luxos, como os da avenida São Luiz, bairros de Higienópolis e da Consolação, nasceu o "alto meretrício", formado principalmente na região entre o início da avenida Duque de Caxias com o Largo do Arouche, abrangendo algumas ruas, como Gal. Jardim, Major Sertório, Rego Freitas, Bento Freitas, Epitácio Pessoa, Marquês de Itu, Santa Isabel e Amaral Gurgel.
Nesta região, além do "alto meretrício" funcionavam as boates e inferninhos, ainda nostálgicos e lendários para os saudosistas da minha idade. Em maio de 2009, completarei 68 anos.
Scaramouche, Michel, Boate Azul, La Licorne, Oásis, Hollywood e Canto do Galo formavam, entre outras dezenas de casas noturnas, a continuação da noite na paulicéia ainda desvairada.
Antes, a vida, apesar das revoluções, ditadura e guerras, e do pouco dinheiro, transcorria em clima de puro romantismo sob serões, serestas e jogatinas. Como era bom ir aos cassinos e bordéis e ouvir discos de Vicente Celestino, Francisco Alves, Carmem Miranda, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Noel, Aracy de Almeida, Carlos Pinho!
A vida ia passando, calma e bucólica, entre as noites de sorte ou azar nos cassinos, nas breves ou longas visitas à s raparigas, nas zonas de meretrício.
Mas depois dessas modificações, a vida mudou. E muito.
O povo, acostumado a idas diárias aos chalés de jogo do bicho, de uma hora para outra teve de se contentar em jogar à s escondidas com cambistas, deixando milionários os banqueiros do jogo de bicho. Os policiais, então, é de bom alvitre nem mencionar!
Atualmente camuflado atrás da Caixa Económica Federal, o governo é sócio majoritário de um dos maiores caça-níqueis e cassinos do mundo - as famosas casas lotéricas.
Lá, em longas filas de iludidos pela fortuna fácil, aposta-se em dezenas de jogos com combinações numéricas, como a mega, loto fácil e outros. De sonhos também se vive!
Só está faltando o governo instalar, nesses lugares, mesas com roletas, bacarás e black jack, o famoso "vinte e um", no carteado.
Os bingos, supostamente amparados em alguma lei, do dia para a noite foram abertos aos milhares no Brasil. Dos mais modestos aos de alto luxo, esses cassinos eletrónicos funcionaram 24 horas por dia. Mas veio uma outra lei, (ora, a lei, dizia Getúlio), e os bingos pararam de funcionar. Alguns continuam abertos, ilegalmente. Por isso, é uma temeridade frequentá-los.
Os únicos lugares de jogatina particular, abertos ao público, onde se perde até as calças, são os jockeys clubes. Ainda não entendi por que não estão nas mãos do governo.
Cassinos clandestinos existem aos milhares, por esse Brasil afora.
Quanto aos prostíbulos, com a invenção das pílulas anticoncepcionais, somada à filosofia do amor livre e à instalação de milhares de motéis em volta das cidades, a mais antiga das profissões, a prostituição, mudou os seus segmentos.
No início dos anos 70, surgiram as clínicas de massagens. As especialistas no relax for men.
A mais famosa era o Brut Relax For Men, do dr. Newton de Castro Ribeiro, do qual fui padrinho do segundo casamento. A casa dos mil prazeres ficava no Itaim Bibi.
O Brut funcionava das onze da manhã até o outro dia amanhecer. Além de contar com equipes das mais famosas massagistas e recepcionistas da época, tinha, em suas instalações, além de sauna a vapor e seca, salas de repouso, piscina aquecida coberta, bar, pista de dança e boate. Sem falar nas salas de massagens, moderníssimas, todas com hidromassagem.
Hoje, além das centenas de clínicas de massagens que a cidade oferece, temos casas noturnas como o Café Photo, impedindo que os lupanares terminem!
Jànio Quadros, governador de São Paulo, antes da bombástica renúncia à presidência da República, em 1961, decretou o fim das rinhas de galo no Estado. Como presidente, proibiu o uso de biquínis nas lindas e ensolaradas praias brasileiras. E seguiu, proibindo banalidades durante o seu curto governo. Mas vamos deixar o Jànio para outras publicações.
Os vícios são os melhores pecados venais no rol da Santa Madre Igreja. Com cinco padre-nossos e três ave-marias, nosso lugar no céu está garantido. Assim, com as benevolências do Estado e da Igreja, os costumes e vícios mudam, na esperança de dias melhores, neste mundo tão castigado por Deus e pelo diabo!
Roberto Stavale
São Paulo, Janeiro de 2009.-
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