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Artigos-->Folia e Fuxicaria -- 28/03/2000 - 15:46 (Fernando Antônio Gonçalves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Costumo dividir a espécie humana, diante dos seus múltiplos relacionamentos convivenciais, em duas grandes categorias. De um lado, os que gostam da folia, da prosa inteligentemente alegre, das pegadilhas prá inglês ver, da fofoca do bem, das presepadas que apenas realçam situações engraçadas sem qualquer conseqüência daninha. Do outro se situam os latrineiros, aqueles que praticam as mais diferenciadas fuxicarias, as piores se tornando quando explicitadas muito cinicamente pelos que se revestem de feições descaradamente cândidas.

O João Gaspar Simões, biógrafo maior do poetíssimo Fernando Pessoa, orgulho do mundo português, costumava dizer que as pessoas se deparam, a cada instante, com uns tipos reservados porque não dizem tudo, e de outras feitas com algumas figuras que fantasiam quando dizem demais, existindo ainda aquelas que ostentam saber o que mais ninguém sabe, cinicamente travestidas de bem informados. Na última categoria declinada pelo Simões se enquandra os fofoqueiros, os mentalmente ananicados.

Tenho um medo danado dos fuxicosos. E dos boateiros idem. Como profissional que também lida com Comunicação, conheço alguma coisa sobre o assunto, a partir da interessante leitura de um livro de Jean-Noël Kapferer denominado Boatos O Meio de Comunicação Mais Velho do Mundo, editado pela Publicações Europa-América, em 1987. Nele se pode verificar como os boatos obedecem a uma lógica cujas engrenagenes é possível desmontar, identificando-se como nascem, de onde partem, por que aparecem num determinado instante, num grupo ou em determinada localidade, mesmo internética.

Segundo Kapferer, “o boato é a primeira etapa do recalcamento, um escoamento da agressividade recalcada”. A vida vazia, a convivialidade rotineira, a ausência de uma afetividade comprometida com um amanhã mais venturoso, a nostalgia de passados vivenciados no bem-bom, os rebaixamentos de níveis sociais, os desconfortos provocados pela ausência de refrigerações cognitivas eficazes e a vontade de ficar sempre na faixa adolescente, além da debilidade do caráter, são excelentes condimentos na formação de um fuxicoso. Kapferer, no seu tratado, elucida com maestria: “Para o boateiro, é preciso dizer qualquer coisa quando se fala com amigos, parentes ou vizinhos. Existe um vazio a preencher. Falar exclusivamente de si tornar-se-ia rapidamente cansativo. A conversa ficaria ameaçada pelo pior dos perigos: o não ter nada a dizer, a confissão de vacuidade. O boato insere-se maravilhosamente nesse vazio: permite prosseguir a conversa”.

O boateiro se revela mais eficaz quando encontra pela frente pessoas frágeis, que dele necessitam para ampliar a pretensa qualidade dos seus círculos de amizade. E todo boateiro conhece bem o seu rebanho, canalizando suas futriquices sempre travestido de cordeirinho estuprado por gente malvada.

Tenho muita comiseração pelos mexeriqueiros, os que alimentam os débeis com algum “vocês sabem da última? “. De muito poucas leituras, não percebem a lucidez da constatação feita por Gabriel Garcia Marquez: “as lembranças verdadeiras pareciam fantasmas, enquanto as lembranças falsas eram tão convincentes que substituiam a realidade”.

O boateiro desconhece, porque nanico todo, que “há só um caminho para a vida, que é a vida”, como apregoava Álvaro de Campos, um dos heterônimos do sempre notável Fernando Pessoa. O boateiro não tem vida própria, pois sobrevive da vida dos outros.

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