EM NOME DE MINHA MÃE, DE MEU PAI E DE MIM, AMÉM Sobre o delicado e problemático assunto que vou considerar, interrogo-me: já alguma vez li ou ouvi algo de idêntico ou de muito parecido? Não, embora as análises, tomadas de opinião e de posição sejam diversificadíssimas ao redor da mesma vertente sociológica.
Na circunstância, que já não tenho filhos em idade de lhes patrocinar o encaminhamento educacional e também não participo de qualquer organização debruçada sobre o complexo juvenil donde me advenha proveito material, tão-só me move a intenção de prestar e doar um precioso serviço aos jovens, baseado na minha experiência pessoal, como filho que fui e como pai cumprido que sou.
Talvez, na minha juventude, se tivesse tido alguém, ou algo lido algures, que abordasse a questão que objectivamente vou equacionar, não teria agora um dado peso íntimo, em relação a meus falecidos pais, que me faz saltar as lágrimas nos olhos sempre que repasso a memória pela vida que tive com eles, espécie de remorso irreparável que faz doer o pensamento e acinzenta a recordação.
Desde há muito sei que não houve ninguém, quem quer que fosse, que superasse o amor que meus pais tinham por mim, nem há amor algum tão sublime como aquele que os pais devotam e entregam, até irracionalmente, aos seus filhos, elos fundamentais e alavanca essencial da sua própria existência. Só à distância temporal, como estou agora, é que se avalia sem dúvida ou equívoco os pormenores factuais que deveras constituiam o enlace de corpo e alma que eu tinha, sem o saber durante tanto tempo, com meus saudosos progenitores.
Eu fui um motivo de preocupação permanente, em sentimento de fazer estalar a alma, no período, cerca de 19 anos, em que estive a expensas do seu exclusivo esforço. Mais, sem sequer me aperceber, eu fui de facto uma contínua decepção mil vezes reacendida na chama de esperança que os meus Queridos Velhos tinham e viam em mim.
Por consequência, caros jovens, mulheres e homens do futuro que irão ser de facto responsáveis pelo advir, é um tremendo erro, erro que o próprio ego, cedo ou tarde, jamais a si perdoa, contrariar as directivas paternais, ainda que a razão, no momento que for, pareça estar integralmente do vosso impulsivo lado, ávidos de sonhar e de consumar os sonhos em perspectiva. Diz-se que, mesmo errando, os pais têm sempre razão. E sabem porquê? Porque o amor fidedigno até errado acaba por estar sempre-sempre certo, sendo, no caso, o único sentimento capaz de reparar sem mácula todos os erros, não carecendo de qualquer espécie de religiosidade para estabelecer-se. É genuinamente natural, tal e qual imprescindível raiz que estoicamente ainda sustenta o que de bom resta à humanidade hodierna.
Leiam jovens, leiam e releiam este texto até o entenderem e relacionarem em todos os sentidos. Por favor, a sorrir sob fiozinho astucioso e matreiro, permitam-me que exclame: deixem-se de tretas e sub reptícias mirabolâncias urgentes em face dos vossos preciosos mestres da vida. Vocês têm todo o tempo do mundo para ser felizes, desde que respeitem estreitamente a gerência que emana do inequívoco amor de vossos pais. Proporcionem-lhes sem reserva a felicidade de estarem convosco em plena harmonia, na mesma medida em que se entreabre o sonho avante de também, como eles, almejardes ser progenitores.
E a condição, meus caros, boa ou má, rica ou pobre, nada tem a ver com o enfraquecimento do mais nobre e leal dos sentimentos, o amor dos pais pelos filhos. O que tem a ver e fomenta cada vez mais a degradação familiar, está mesmo à frente do nariz na maior parte das horas de cada dia: a televisão, irresponsável e inadvertidamente, persiste em destruir a mais importante célula em que se alicerça a humanidade: a família. Dá ideia que os mentores do idiotismo sem norte, cegos por ambição desmedida e exuberante, não prezam acima de todas as coisas o seu próprio seio familiar.
No ensejo, como escrevo sob a ambiência da benquista quadra natalícia, ocorre-me sugerir-vos um interessante raciocínio para colocardes em prática quanto possível: se conceberdes com inteligente relação o presépio de Belém com o vosso lar e souberdes aquilatar o cerimonial singelo e simples que ele fundamentalmente representa, transplantando-o simplesmente para a vossa vida, garanto-vos, tereis permanente Natal todos os dias, sabereis como dominar sóbria e gostosamente os devaneios do Carnaval e, sobretudo, como perpassar os inevitáveis momentos de padecimento espiritual e físico que a Páscoa simboliza.
Se assim procederdes, podem vossos olhos e ouvidos absorver com a mesma tranquilidade o esplendor das belas imagens e sons, bem como o horror e o ruído escrabosos da mais extrema devassidão, que estareis sempre imunes ao desencanto e à desilusão.
Em nome de minha Mãe, de meu Pai e de mim, amém.
António Torre da Guia
Som = Fausto Papetti em rapsódia de composições célebres |