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Cronicas-->LANCHES & PETISCOS -- 27/01/2009 - 20:03 (Roberto Stavale) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No meu tempo de criança, felizmente, o consumismo trazido pelos comerciais das telas de televisão, chegada em São Paulo em 1950, não existia. Bares e restaurantes, nem pensar! Vez ou outra, aos sábados, na hora do jantar, meu pai saía e trazia uma pizza, para a nossa grande alegria. As pizzarias não entregavam em domicílio. Nesta época, até 1953, eu morava no Bixiga e cursava o quarto ano do grupo escolar, preparando-me para a admissão ao ginásio.
No começo de 1956, com catorze anos, comecei a trabalhar como office-boy, andando pelas ruas da cidade, das oito da manhã às sete da noite. Depois, ia para os estudos.
A primeira vez em que me sentei à mesa de um restaurante com meu pai foi inusitada.
No carnaval de 1957, fomos para Rio Claro, na casa da minha tia Maria.
Na madrugada da quarta-feira de cinzas, no primeiro trem que vinha para São Paulo - os chamados "trem leiteiro", pois paravam em todas as estações - eu e meu pai embarcamos, pois tínhamos de estar no trabalho à uma hora da tarde.
Minha mãe e minhas irmãs continuaram na cidade, a fim de aproveitar o feriado prolongado.
A chegada na Estação da Luz estava prevista para o meio-dia.
Com certeza chegaria, pois a Companhia Paulista de Estradas de Ferro cumpria religiosamente o horário.
Lá pelas onze horas, meu pai convidou-me para almoçar no vagão-restaurante, já que não teríamos tempo para comer antes do trabalho.
Lembro-me como se fosse hoje. Meu pai pediu um filé à Chateaubriand, e eu, pela primeira vez com um cardápio nas mãos, e atendendo a minha própria vontade, pedi um espetinho misto com farofa e arroz. Para arrematar, refrigerantes quentes, pois não havia nada gelado.
Desembarcamos e seguimos a pé para os nossos empregos, que ficavam próximos - ele na rua 15 de Novembro e eu, na São Bento.
Assim que cheguei, recebi um amontoado de cartas para ser entregue nas ruas.
A rua, aliás, foi a melhor escola que eu tive na vida.
Aprendi os atalhos e seus meandros. As malandragens dos que paravam os incautos para passar os contos do vigário. Como me proteger das chuvas. Onde encontrar banheiros limpos. Aprendi a evitar as enormes filas. Para tudo havia filas. Bancos, repartições públicas, telégrafos e correios, e nos cartórios, para reconhecimento de firmas e outros registros.
Por fim, aprendi o essencial. Como não passar fome, principalmente nos dias em que não tinha tempo de ir almoçar em casa, e à noite, antes de ir para a escola.
O centro da cidade era um verdadeiro reino de petiscos e outras guloseimas.
Nas portas dos bares e restaurantes havia aquelas estufas recheadas de esfihas, quibes, pastéis, croquetes de carne e queijo, e outros quitutes.
Outros bares expunham, em suas portas, o seboso, mas delicioso, churrasquinho grego.
Se há um prato que caracteriza a confusão gastronómica de São Paulo é o churrasco grego. A confusão começa pelo nome. O tal churrasco não tem nada de grego. Aquela carne, que é assada em um espeto giratório, normalmente em condições duvidosas de higiene, tem origem secular - remonta ao Império Otomano, que controlou o Oriente Médio e a Europa Oriental durante séculos.
Nas pastelarias, quase todas controladas por japoneses, havia apenas pastéis de carne, queijo, palmito e banana, além da garapa gelada, feita na hora.
Esses salgadinhos ricos em colesterol, triglicerídeos e outras gorduras eram apelidados, carinhosamente, de "Jesus me chama" ou "extrema-unção".
Nas ruas e avenidas, era comum encontrar carrocinhas puxadas à mão, com frutas cortadas e colocadas sobre barras de gelo. Abacaxis, melancias, laranjas e outras frutas da época.
Os tabuleiros de doces também eram fartos.
Pés-de-moleque, cocadas, paçocas, marias-moles e outras iguarias adoçavam a nossas bocas.
Sorveteiros e sorveterias eram a melhor opção para os dias de intenso calor.
No inverno, uma xícara de chocolate quente e um pão com manteiga ajudavam a enfrentar a garoa paulistana.
Pipoqueiros e vendedores de amendoins com casca ficavam nas portas dos cinemas.
As sessões dos cines Santa Helena, na praça da Sé, D. Pedro II e Oásis, no Vale do Anhangabaú, e São Bento, na rua São Bento, começavam às dez horas da manhã. Eram bons esconderijos para cabular aulas e "matar" o trabalho.
Os lugares mais apreciados para refeições rápidas nos balcões, entre outras dezenas, eram três: a Padaria Santa Tereza, na praça João Mendes, a Salada Paulista, na avenida Ipiranga, e a Casa do Sanduíche, no largo do Café.
Na Santa Tereza, além dos sanduíches de primeira qualidade, era comum a presença de pessoas que vinham de todos os cantos da cidade para saborear as imbatíveis pizzas vendidas aos pedaços - mussarela, aliche e calabresa.
Nada de pratos e talheres. Aqueles bocados eram entregue aos comilões em um pedaço de papel, para ser degustados em rara magia do paladar.
Na Salada Paulista não havia bancos diante do balcão. Todos comiam aquela trinca de sabores em pé - até hoje dá água na boca! Salada de batatas com maionese, uma salsicha ou linguiça e um croquete de carne.
A Casa do Sanduíche era tão minúscula que o balcão não comportava dez pessoas. O resto ficava na calçada, comendo os dois tipos que a casa oferecia: salsicha e linguiça. Como era bom conseguir entrar lá e gritar:
- Salta um duplo de salsicha e uma Caçulinha, a garrafinha de guaraná da Antarctica.
Todos os lanches, em qualquer bar ou padaria, eram preparados com pão francês, o famoso pãozinho.
O sanduíche duplo constituía-se de duas salsichas ou linguiça, com bastante molho de tomate e cebola, ou mostarda. Os mais pedidos eram os simples, com uma salsicha ou linguiça.
Certa ocasião, perguntei ao balconista quantos pães eram entregues por dia.
- Depende! respondeu. Às vezes, até dois mil pãezinhos!
Lá perto, na Benjamin Constant, ao lado do largo São Francisco, havia o boteco das sardinhas, onde o "português", como era conhecido o dono do boteco, assava sardinhas na brasa. Era outro local que estava sempre lotado.
Nos fundos da Leiteria Pereira, na rua São Bento, em frente ao prédio onde eu trabalhava, havia um ótimo restaurante e, no balcão, o melhor sanduíche de pernil de São Paulo e lanches "inventados" lá mesmo.
Para comer um desses lanches, o freguês não precisava de imaginação. Os funcionários já deixavam fatiados, à disposição, frios e queijos das mais variáveis espécies. Bastava o cliente pedir no pãozinho, ou no pão preto de centeio, frio ou quente, e em poucos minutos saboreava um verdadeiro almoço, regado com diversos molhos. O meu predileto era de azeitonas pretas.
E, para acompanhar a lauta refeição, uma vitamina de várias frutas batidas no liquidificador.
Eram verdadeiros manjares dos deuses - da rua!
Às vezes, ficou pensando no bauru do Ponto Chique, no largo do Paissandu. Além de saboreá-lo nos tempos de office-boy, aquele bar, que permanecia aberto as 24 horas do dia, fez parte, mais tarde, das minhas longas noites de boemia, na minha paulicéia ainda desvairada.
No final da rua Boa Vista, quase no largo São Bento, em um dos prédios demolidos para as obras do metró, ficava o restaurante Guanabara, frequentado por empresários e banqueiros.
No hall de entrada, a estufa mais tradicional e cara da cidade, onde eram expostas as coxinhas tradicionais e as com partes inteiras de frango. Empadas, cuscuz, croquetes e rissoles de camarão - verdadeiras tentações!
Nós, meninos de serviço de rua, quase sempre íamos comprar, para algum dos diretores, tais iguarias.
O preço de um rissole de camarão equivalia à passagem de bonde, ida e volta, para casa durante três dias.
Certa vez, a telefonista da empresa onde eu trabalhava, ao receber o salário, pediu-me para comprar uma coxinha no Guanabara.
Em tom simples, comentou:
- Vou matar um desejo de anos! Mais vale um gosto do que dinheiro no bolso.
Quando voltei, ela pegou o embrulho e revelou, baixinho:
- Vou levar para a minha casa. Cada um vai experimentar um pedaço.
E, assim, aquela vida boa, mas difícil dos anos 50, ia seguindo.
Todos os restaurantes, bares, botequins tinham o cardápio tradicional para a semana:
Segunda feira: virado à paulista; terça: dobradinha ou bife à rolê; quarta: feijoada completa; quinta: lasanha e outros tipos de massa; sexta: pescados e bacalhau; e sábado: novamente feijoada.
Além desses pratos, os restaurantes ofereciam um variado cardápio à la carte, sempre à disposição dos fregueses.
Nos balcões desses lugares, os famosos "frege-moscas" que serviam refeições, os pratos mais pedidos resumiam-se aos filés ou contra-filés.
Filé ou contra com fritas, a cavalo, acebolado ou com farofa e arroz eram os mais escolhidos.
O prato mais barato de todos os lugares, e mais pedido, era o "comercial" - arroz, feijão, batatas fritas e bife.
Havia gírias para simplificar os pedidos, como: "manda um americano viajando na França", isto é, um sanduíche feito na chapa com presunto, queijo, ovo frito, alface e tomate no pão francês.
Quando o freguês pedia para tirar o miolo do pão, o balconista gritava para o "chapa":
- Manda um misto quente na canoa
Em março de 1959, comecei a trabalhar na avenida Mercúrio, em frente ao Mercado Municipal.
A sede da empresa ficava dentro do mercado, onde havia diversos bares, mas não as pastelarias de hoje.
Em vez de comer um misto quente ou frio, por ser mais barato, o pessoal pedia sanduíche de mortadela.
- Manda uma mortadela na chapa! E lá vinha o delicioso e quente sanduíche.
O tempo passou. No centro velho da cidade, onde um dia eu reinei, tudo isso não existe mais.
Hoje, todos os restaurantes, bares e botecos, só vendem comida por quilo.
Ainda existem algumas estufas com petiscos, e outras com o churrasquinho grego.
Para os saudosistas, em alguns bairros, como o Bar do Justo, em Santana, o cardápio continua como há cinquenta anos.
É bom ir ao Bar do Justo almoçar às terças-feiras, saborear um picadinho, iscas de carne e batatas cozidas, arroz, feijão, milho e farofa. Para quem quiser, um ovo estrelado por cima.
Atualmente, os lanches e petiscos ficaram por conta das lanchonetes com seus hambúrgueres, hot-dogs, chickens e outros nomes absurdos para o nosso paladar.
Pizzarias e pastelarias oferecem mais de cem tipos de sabores, que vão do salgado ao doce, uma heresia, se comparados às antigas e simples tradições alimentares.
Até pizzas de sorvete com cobertura quente são exibidas nos cardápios.
Esse sacrilégio deveria estar no rol dos pecados mortais, condenados pela Santa Madre Igreja.
O tempo passou. Hoje, temos de ficar nas longas filas para pesar o almoço, sentar e depois pagar. Mais um novo drama da cidade.
Se o caro leitor quiser aguentar uma dessas filas, é só ir ao Mercado Municipal e escolher: a fila do sanduíche de mortadela ou a do pastel de bacalhau.
Vou terminando aqui estas gratas e deliciosas recordações, pois, de tanto escrever sobre comida, estou morrendo de fome. Preciso comer um lanche ou alguns petiscos!
Estão servidos?
Forte abraço e bom apetite a todos!


Roberto Stavale
Janeiro de 2009.-
Direitos Autorais Reservados®

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