Usina de Letras
Usina de Letras
150 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62214 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10450)

Cronicas (22535)

Discursos (3238)

Ensaios - (10356)

Erótico (13569)

Frases (50608)

Humor (20029)

Infantil (5429)

Infanto Juvenil (4764)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140799)

Redação (3303)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1960)

Textos Religiosos/Sermões (6187)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Gato -- 16/07/2001 - 12:53 (socorro lima) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Retratos espalhados na cama, dor de cabeça, gosto amargo na boca, o gato miando pedindo leite, tento levantar, o corpo não obedece e a cabeça doe, me encolho, cubro a cabeça para não ouvir o miado insistente do gato, ele persiste , como no dia em que chegou aqui não sei de onde veio, estava parado na porta me olhando como se estivesse me esperando, como se fosse eu o escolhido por ele, tenho superstições, tentei espanta-lo, ele virou a cabeça, lambeu o rabo, se pôs de lado para que eu abrisse a porta, me aproximei meio de lado, receoso, abri a porta, deixei uma fresta, tentei entrar nela, ele foi mais rápido entrou pela casa, cheirou os móveis, até hoje me pergunto porque não o joguei porta fora, bicho pequeno, peludo, arrisco, até feio, olhando bem, até hoje nunca o acariciei, ele é muito independente, rodou pela casa e se abancou na poltrona de tecido puído, que não jogo no lixo por sentimentalismo, rodou, rodou, se aninhando deitou e dormiu, ou fingiu dormir. Talvez por carência, ou crença que é bom ter bicho em casa, como dizia minha mãe, o deixei ficar. Me sentei no sofá, ainda tomado pela audácia do felino, acho que agora tenho um gato, eu que nunca tive nada vivo, nem samambaias, peixinhos, nem cactos que não precisam de muita água. Agora tenho um gato, e ele insiste que eu levante, que o sirva, eu seu empregado. Não tem jeito ele insiste, levanto, cabaleando me arrasto até a cozinha, ele o gato, para na porta, aguardando seu desjejum, abro a geladeira, o ar frio me faz acordar de vez, sirvo o bicho, volto para cama, reviro as fotos, lembranças? saudades? ressaca? Carência afetiva? Onde andarão as pessoas das fotos, algumas me lembro bem, sinto falta, outras nem sei quem são, olho para o teto, lembro de uma piada de loura, olho para o quarto, armário aberto, roupas espalhadas, cabideiro lotado, criado mudo, nunca entendi porque criado mudo, sobre ele o rádio, tento liga-lo e um desses grupos de música baiana me irrita os ouvidos, saudade de quando ouvia Elis sussurrando: Me deixas louca...., procuro em outras estações, mas não há mais Elis, me recuso a ouvir na boquinha da garrafa. Garrafas, lembranças da noite passada, passada a cerveja e cigarro, uns uíques, jogado na minha cadeira puída, depois de uma disputa com o gato, o proprietário, herdei de minha mãe, além da tendência para engordar, a predisposição para o câncer, a hipertensão, o timbre de voz, o gosto por comidas exóticas, caldo de mocotó , minha mãe adorava caldo de mocotó, adorava feiras livres, odiava Shoppings, herdei isso dela também, gosto de se perder entre barracas.
¾ Oia o tomate fregues,
¾ A galinha caipira,
¾ O peixe,
¾ Os temperos moídos na hora,
¾ Quer provar um pedaço do queijo? Feito na roça.
Barracas de comidas com tudo ali a vista, as moscas, homens encostados tomando aguardente, tirando gosto com lingüiças que parecem está ali a muito tempo, cuspindo no chão e coxando seus sacos, anos depois descobrir que isso faz parte de um ritual de masculinidade, contando casos. A feira cheia de odores, cores, barulhos, gente se esbarrando, pechinchando, outros pedindo, outros na xepa, crianças escanchadas nas ancas de suas mães, boas de trabalhar., crianças buchudas, nariz escorrendo, pés imundos, senhoras matinais puxando seus carrinhos, senhores com chapéus de feltro, calos nas mãos Ah! Mãe que saudade.....nunca mais fui a feiras.
O gato saciado entre pelo quarto rosna, tento pega-lo, ele se esquiva, nunca o acaricie, pula na cama, se lambe, me encara, ameaça pular para o meu lado, observo, então descubro não era para meu lado que ele queria pular, era sobre o monte de fotos, deixo, ela as remexe, ronda, ronda, se aninha e dorme ou finge dormi. Estaria só se não fosse o gato, e só depois que ele apareceu por aqui e que me dei conta disso: Sou só. Não fosse ele a me incomodar não teria porque levantar nos fins de semana, antes enterrado na cama, controle na mão, cerveja no criado mudo, comida de fast-food. Levanto pé-ante-pé para não incomoda-lo, ligo o chuveiro e peço a água que leve todo desanimo, ensaio cantar, a fumaça embaça o espelho, melhor não me vejo, não me encaro. Banho tomado, decentemente vestido, para onde ir? Desisto, me ponho de roupa de casa, pés descalços, arrumo a cozinha, pizza de semanas, lata e latas de cerveja vazia, penso em pôr algo para ouvir, mas vai incomodar o gato, desisto, arrumo a sala, jornais velhos, correspondências que nunca abro, até acho que devia, mas desisto logo na primeira, é alguma coisa sobre uma liquidação acontecendo em algum lugar, com certeza num Shopping que eu nem sei onde fica, e nem vou.
Me jogo na cadeira puída, cadeira minha e do gato, afinal dividimos tudo, fazem 2 anos que o gato entrou pela porta e nunca lhe dei um nome, me lembrei de um filme onde a protagonista, Audrey Hepburn, também tinha um gato e quando lhe perguntavam o nome dele, ela dizia: Gato, pobre criatura sem nome. Achei cult, um gato que se chama gato, que para mim era mais do que um bicho preguiçoso e boêmio, era companhia, sempre lhe pergunto coisas que ele responde com um ronronar grave, como se dizesse : “Por que quer saber”, quando volto do trabalho, cansado daqueles rostos pálidos de repartição pública, e conto estórias que ouvi nos corredores, ou confissões que me fazem durante o expediente, acho que pareço confiável, ele simplesmente pula da nossa cadeira puída, como se me mandasse sentar, obedeço, ele se dirige a cozinha, come o resto de ração, ele sempre deixa alguma coisa para o fim da tarde, volta para sala me encara, caminha até a porta, a arranha, levanto, abro a porta e ele se lança no mundo, vontade de ser gato, me lança no mundo, fico então a arrumar o que ele tirou do lugar, recolho seus brinquedos, que acabei comprado por acha que já que tenho um gato, tenho obrigações para com ele. Tudo feito, tomo banho, como alguma coisa, ligo a TV, cochilo, acordo, desligo a TV, vou ver se o gato voltou, nunca volta de madrugada, volto para cama , acendo um cigarro, penso onde ele pode está, imagino que ele tenha duas casas, duas vidas, a noite vai para casa de alguém falante, festeiro, alguém sem tantos fantasmas, nunca casa onde tem sempre gente entrando e saindo, gente contando estórias vibrantes, excitantes, estórias até eróticas, alguém vivo, quando o dia vem nascendo ele cansado, meio de pileque, volta para essa casa, onde a silêncio, solidão, cansaço e uma cadeira puída onde ele depois do desjejum ele se joga e dorme........
O gato, criatura sem nome, minha única companhia, que nunca acariciei

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui