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Contos-->Cacau -- 02/04/2000 - 15:40 (Malva Barros Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Cacau

Malva Barros Oliveira

Cacau era o apelido de Carlos Alberto, um rapazinho magricela metido em seus quinze anos, fazia bico na bodega de seu Juventino. Era o leva e trás do armazém. Não parava um instante. Qualquer freguesa que não pudesse com as compras, tinha em Cacau a ajuda certa. Tudo por alguns trocados, que de graça ele não levava nem as compras da mãe. Assim ia seguindo sua vida, quando voltava de alguma entrega, normalmente já trazia uma encomenda de outra freguesa. Era só chegar e entregar a seu Juventino o papel e esperar que ele arrumasse a sacola. Cacau fazia como as freguesas pediam, ia num pé e voltava noutro. Era rápido, com ele não tinha enrola.
Certo dia, Cacau foi entregar as compras de uma freguesa nova, ainda não a conhecia, mas a fama da Belezura já havia feito a volta nos quatro cantos do bairro. Ele não estava muito interessado na beleza de ninguém, somente nos trocados. Do valor deles é que saia a referência do menino sobre as pessoas. Uma pessoa mais ou menos, era a que só lhe pagava com moeda, as boas lhe davam uma nota de um e as excelentes mais de uma nota. E as miseráveis, ele já havia riscado de sua lista. Não entregava encomendas a elas, mesmo que chovesse canivetes abertos no lombo dele. E foi com estas regras bem definidas, que Cacau saiu para entregar a encomenda da Belezura. Assim que chegou, suas narinas foram invadidas pelo perfume suave, que saia pela porta entreaberta. Chamou, um tanto meio apressado, pois queria voltar logo para seu posto.
- Ei dona. Olha aqui suas compras !
- Você é o Cacau não é? Entre, a porta está aberta.
Ele foi entrando e olhando a desarrumação da sala, do corredor, da copa. E a cada passo, o perfume parecia ir se ligando em suas carnes, em seus ossos, em seus sentidos. Foi no canto esquerdo da cozinha que seu coração se rendeu de vez. Ficou meio abobalhado com o que via. Aonde é que estava Deus, quando permitiu que aquele anjo descesse dos céus? Era o que o garoto pensava, enquanto sua cabeça virava de um lado para outro seguindo a Belezura, que lhe pedia que estendesse isso, aquilo, e mais aquele outro e assim ele passou a manhã inteira ouvindo a Belezura mandar e seu corpo obedecer como se fosse um cãozinho de circo.
Nem se lembrava da bodega, das freguesas, do trocado. Nada, estava embevecido por aquela mulher, que parecia exalar um amontoado de cheiros narcotizantes. Ele não tinha outra vontade a não ser ficar ali, rendido aos pés da Belezura. E assim foi que se viu de repente descascando batatas, cortando cebolas, chorando como um bezerro desmamado! Entre uma fungadela e outra a Belezura lhe passava a mão nos cabelos revoltos e ele queria mais era chorar para que o carinho continuasse.
Comida pronta e ele perdido em devaneios frente a ela, o garfo encostado no prato, mastigando pela centésima vez o mesmo bocado. Não lhe chegava ao entendimento que tinha que engolir para continuar a refeição. A Belezura nota o alheamento dele e pergunta dengosa:
- Cacau, a comida está ruim é? Você não está comendo!
- Está tão boa, que eu quero que dure muito! – Respondeu um Cacau esperto, com elogio certo na hora exata. E assim a tarde entrou na vida de um Cacau suado, semimorto de cansaço. Mas feliz da vida, enquanto abria caixas, arrumava prateleiras, e a casa da Belezura ia ficando uma lindeza. Cheia de enfeites, de móveis bonitos. Tudo que havia de bom e de novo no mercado a Belezura tinha. As cortinas deram um trabalhão, mas conseguiu deixar tudo nos trinques. Nunca tinha visto tanto pano numa só cortina, era um mundo velho de cetim, que se enrolava em seu corpo, fazendo carinhos. Fantasiava, sentindo nas dobras do tecido as mãos da Belezura.
O guarda-roupa era imenso, abarrotado. Parecia que a moça tinha em casa uma boutique. E os trastes de embelezar os cabelos que ela possuía? Eram centenas e segundo o rapazinho, todos desnecessários, pois os cabelos dela, encantando o rapazinho, brilhavam e mudavam de cor conforme a luz. A cama era imensa, cheia de almofadas, ele daria um braço para deitar-se ali, bem aconchegado a Belezura. Na sala, os sofás de veludo cheirando a novos, faziam o rapazinho sonhar com o final do dia de trabalho, quando poderia sentar-se e ficar vendo-a passar para lá e para cá com seus pezinhos mimosos.
Quintal lavado, lixo levado para longe com carrinho de mão emprestado e lá voltou Cacau para perto de sua Belezura. Imaginava poder enfim tomar um banho, colocar-se cheiroso para ela. Foi quando notou o carro em frente à casa e foi correndo para ver de que se tratava. Viu a Belezura atracada com um cara estranho, atarracado, velhusco, feio como o diabo! O coração do rapazinho deu um tranco e ele pensava:
- Como é que pode? Um cara medonho daquele colocar as mãos na “minha” Belezura, e ainda por cima ela parece que está gostando?
Abaixou as vistas e ouviu a risada dela, que pedia para o sujeito dar um bom dinheiro ao “menino”, pois havia ajudado a arrumar tudo com muito jeito. O homem trouxe do bolso uma carteira recheada de notas, e escolhendo uma lhe entregou e piscando levemente, pediu que ficasse de olho em “sua” garota, que ali, era coisa dele. Qualquer novidade, assim que o visse passar, viesse contar. Ficaria tudo em segredo e lembrasse bem, que de onde saiu aquela nota, tinha mais. Cacau apertando o dinheiro na mão, saiu com lágrimas nos olhos. Uma vadia! Sua Belezura não passava disso, uma vadia! Uma rameira, igual a muitas que via por ali.
À medida que se afastava, a mágoa crescia mais. Investiu um dia inteiro de trabalho pesado, só para poder sentar no sofá com sua amada, e agora quem ficou lá foi aquele baixote dos infernos! Seguia a rua chutando tudo que aparecia. Mãos enfiadas no bolso, agora estava em guerra contra o mundo. Chegou na bodega e seu Juventino perguntou quanto é que ganhou para ficar com a Belezura o dia inteiro e ele se espantou de não saber. Nem viu de quanto era a nota que o belzebu lhe havia dado. Trouxe do bolso a nota amassada e abriu. Espantou-se ao ver escrito CEM. Nunca imaginou que um dia receberia uma notinha esverdeada daquelas. Veja só uma de CEM!
Seu Juventino ficou admirado, e perguntou o que foi que ele fez para a Belezura lhe dar um dinheirão daqueles. E ele todo inchado, respondeu que não foi a Belezura não, que foi o “marido” dela, um cara legal demais, que lhe pagou pelo serviço. Sim senhor, que freguês porreta, alinhado, simpático! Um sujeito fino, sem nenhum senão! Bom a toda prova e além de tudo, ainda queria que ele, Cacau, ajudasse sempre a Belezura. O cara tinha-o agora na conta de amigo, sabia o que ele valia!
- E veja só seu Juventino - concluiu o garoto cheio de conversa mole - de amanhã em diante, antes de vir para a bodega, passo lá, para ver de que ela precisa. Pois afinal de contas, agora estou meio empregado, sou um secretário! Tenho que ver primeiro as ordens do patrão, só depois, é que tendo folga, atendo aos pedidos da bodega. Pois afinal de contas, dinheiro a mais não faz mal a ninguém! É ou não é?
E lá se foi um Cacau todo prosa, com sua nota de CEM no bolso e um enorme carinho pelo maridão da Belezura, seu chapa, seu mais novo amigo do peito!


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