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cronicas-->XIBOQUINHA -- 10/04/2009 - 00:38 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

XIBOQUINHA

João Ferreira
09 de abril de 2009


Esta crónica vai centrar-se especificamente sobre um grupo de jovens gurias universitárias que ao meio da tarde gostam de sentar-se debaixo de um caramanchão de folhas, gavinhas e flores de maracujá, num bar bem conhecido de uma quadra comercial de Brasília. Apesar de haver também rapazes por ali, no bar, e mesas mistas, com rapazes e moças, conversando naturalmente, é a mesa das moças a que mais chama a atenção. É uma mesa de alguma maneira fechada, constituída por um grupo fechado. À volta dela apenas mulheres. Animadas. Ouvem-se a distància. Falam muito, fumam muito e bebem desalmadamente. Gostam de sentar em vistosas cadeiras amarelas, em volta de uma mesa igualmente amarela. É ali que preferem pousar nos vários dias da semana em que vêm tomar a xiboquinha.
Para os transeuntes não são as cadeiras nem as mesas amarelas nem as flores de maracujá que chamam a atenção. O que mais chama a atenção realmente são as lindas gurias que se sentam nas cadeiras amarelas. Pelo tom alegre e nervoso , pela agitação, pela tagaralice. É este perfil o que mais as distingue no meio ambiente e no bar onde vão beber a xiboquinha. Sua presença no bar torna-se notória. Primeiro pela maneira jovial e barulhenta com que se manifestam. Depois porque são mesmo apaixonadas pela Xiboquinha. Chamam o garçon, umas vezes. Outras vezes levantam-se e vão diretamente ao balcão buscar a própria dose. Por uma razão só: porque são inveteradas consumidoras de xiboquinha. A xiboquinha as alegra, as dinamiza, ficam mais impossíveis. Passam horas e horas na farra, fechadas em grupo, fumando muito, bebendo doses seguidas de xiboquinha. O grande barato delas é falar mal da vida alheia, fofocar. Cortam a casaca de tudo e de todos. E ficam por ali, horas e horas, preferindo curtir dessa maneira. Como universitárias poderiam até, noutras circunstàncias, formar grupos de estudo e pesquisa. Poderiam se inscrever como voluntárias de causas sociais. Mas não o fazem. Elas são livres evidentemente. Mas consomem a vida jovem neste exercício do nada. É nesse bar que o filósofo Armires exerce seu ofício de cachaceiro e de intelectual. Ele diz abertamente a quem quer ouvi-lo em pleno cenário dionisíaco do bar: se elas teimarem em curtir a xiboquinha como primeiro e único amor, há certamente duas coisas que podem esperar no futuro: a primeira coisa é nada. A segunda é nada. Ao dizer isto frontalmente, Armires evitou que eu o fitasse olhos nos olhos. Limitou-se a virar os olhos para o chão e sem disfarçar um certo comportamento de vidente bruxo, partiu e foi embora. Eu fiquei pensando nas meninas da mesa amarela. Sem forçar muito meus olhos foram ao encontro da visualidade da flor de paixão do maracujá do caramanchão que ficava bem perto da mesa amarela. Se quisessem, essas meninas teriam na flor um calmante natural e um símbolo de amor apaixonado. Nessa hora lembrei-me de Catulo da Paixão Cearense, que cantou na ingenuidade da linguagem sertaneja nordestina, toda a beleza e simplicidade dessa mística religiosa nestes versos narrativos:
A FLOR DO MARACUJÁ "Encontrando-me com um sertanejo perto de um pé de maracujá eu lhe perguntei: diga-me caro sertanejo porque razão nasce roxa a flor do maracujá?
O sertanejo respondeu: Ah, pois então eu lhi conto a estória que ouvi contá, a razão pro que nasci roxa a flor do maracujá
Maracujá já foi branco, eu posso inté lhe ajurá, mais branco qui caridadi, mais branco do que o luá Quando a flor brotava nele lá pros cunfim do sertão, maracujá parecia um ninho de argodão
Mais um dia, há muito tempo, num meis que inté num mi alembro, si foi maio, si foi junho, si foi janero ou dezembro
Nosso sinhó Jesus Cristo foi condenado a morrer, numa cruis crucificado, longe daqui como o quê
Pregaro cristo a martelo e ao vê tamanha crueza, a natureza inteirinha pois-se a chorá di tristeza
E havia junto da cruis um pé de maracujá carregadinho de flor aos pé de nosso sinhó
O sangui de Jesus Cristo sangui pisado de dó nus pé du maracujá tingia todas as flor
Eis aqui seu moço A razão proque nasce roxa a estoria que eu vi contá a flor do maracujá.
(Cf.www.jmeirelles.wordpress.com. Música de Ernesto Cortazar. Versos: Catulo da Paixão Cearense).
Acho que as meninas da mesa amarela que bebem xiboquinha não conhecem os versos de Catulo da Paixão Cearense nem nunca olharam com atenção a flor do pé de maracujá. Um dia lerão Catulo e olharão a flor roxinha do maracujá. Isso, quando voltarem a reconquistar o romantismo da sua juventude. Ainda espero um dia vê-las alegres e joviais se divertindo de outra maneira. Quem sabe utilizando algumas horas de lazer na preocupação com as crianças doentes e famintas brasileiras que não têm assistência ou então com os pobres, os excluídos e os desamparados. A vida rola. Às vezes poderá evoluir em tom natural de maturidade. Há milagres da vida que surgem de situações desinteressantes, e terminam numa atividade de solidariedade fraterna e social. As meninas da xiboquinha são universitárias, algumas são desesperançadas, outras indiferentes e alienadas. Mas qualquer uma delas, um dia poderá desenvolver e discutir numa mesa amarela,mesmo com uma taça de xiboquinha na mão, teses ou problemas interessantes. Podem discutir concretamente como vai o Brasil social e inserirem-se em campanhas solidárias para diminuir a pobreza e o sofrimento. Poderão falar de moda também, como mulheres. Mas isso não as impedirá de empalmar uma campanha em favor de um milhar de fraldinhas para bebés da favela. Nem de se interessarem por informações e formas de ação para criar bem-estar entre os trabalhadores contribuindo para um Brasil melhor através de suas futuras profissões. Agora, só fumam e bebem xiboquinha, a cachaça com mel e canela. Mas estão vivas. É verdade que o Brasil vive esquecido dentro delas, sem interesse e sem amor. Mas também elas vivem alienadas e esquecidas delas mesmas. De uma hora para a outra poderá acontecer um milagre de juventude. Com ele, o futuro poderá começar a ter voz nessas jovens. A maior parte das xiboquinhas são lindas moças. São mulheres. São esperança. E a esperança mora no coração da mulher. A esperança é a última que morre. Mesmo dentro do coração de uma xiboquinha.

Brasília, 09 de abril de 2009
João Ferreira
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