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Contos-->DISSIDÊNCIA -- 02/04/2000 - 19:08 (MARIA DA CONCEIÇÃO MATOS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Fico a cismar comigo mesma, porque há pessoas com tanta sorte e, outras tão desprotegidas!...
Em virtude de um episódio ocorrido num hospital público, cheguei à conclusão de que todos nós, temos o nosso dia determinado pelo Superior da "arquibancada lá de cima". Da sua posição de espectador, Ele deve se divertir muito com as nossas trapalhadas de cada dia.
- Doutor Gilson, o fulano ali, mexeu com o dedão do pé.
O doutorzinho, se ouviu, fez "ouvidos de mercador".
Continuei na minha observação, um tanto quanto desconfiada.
Eu permanecia naquela sala, uma mini UTI, fazia algum tempo. Recuperava-me de uma pneumonia. Sentia-me uma verdadeira múmia. Aquela sonda nariz a dentro me importunava. O mesmo incômodo pela agulha enfiada na veia do braço esquerdo. O aparelho de oxigênio, estático ali do meu lado, metia-me um certo medo. Vinte e quatro horas na mesmíssima posição. A primeira coisa que me vinha à cabeça ao fixá-lo, era a imagem de um carrasco, sempre de prontidão, aguardando a hora fatal de sacrificar a sua vítima indefesa. Eu fechava os olhos por alguns segundos e, ao abrí-los, me deparava de novo, com aquele acompanhante frio e calado. Estava assustada. Sempre enfrentei problemas bem piores... Naquele dia, alguma coisa não estava bem.
À minha frente, um pouco á direita, estava outro paciente, coberto com um lençol alvíssimo. Ao que parecia, já era tido como defunto mesmo. Só que esqueceram de recolhê-lo à geladeira.
- Eu disse doutor, o senhor é que não ouviu: o morto ali mexeu de novo.
Mas o doutor parecia não querer ouvir de verdade. Permanecia sentado à mesa, fazendo algumas anotações importantíssimas. Quem sabe até o atestado de óbito do falecido "vivo"?
No que acabei de falar, entrou um enfermeiro alto, mulato, que para mim sorriu. Portava uma seringa de injeção. Retribui o sorriso a contragosto. Estendi o braço direito e lhe cochichei: o morto ali, tá vivo. Ele mexeu o dedão do pé que eu vi.
Sem resposta.
Na certa ele pensou:
- Coitada! Ela está delirando. É a febre.
Serviço executado, ele desapereceu porta afora. A injeção devia ser um leve sedativo, porque adormeci não sei bem por quanto tempo.
Despertei-me e, novamente me deparei com aquela visão camuflada: o doutorzinho lá, de cabeça baixa, atento à sua papelada. Me exagerei no tom de voz e insisti:
- Mas doutor, o morto, não está morto! O que o senhor não sabe, é que ele está mexendo o dedão do pé, faz horas!...
Meio desconfiado, o médico levantou a cabeça, ergueu as sobrancelhas por sobre os óculos e deu uma sutil espiada. A seguir aprumou o corpo, espreguiçou como um gato sonolente e levantou-se cauteloso.
Aproximou-se do suposto moribundo e, de imediato acionou os aparelhos.

Se ele sobreviveu, não chegou até hoje ao meu conhecimento.
Fato notório é que, verdadeiramente, aquele não era o seu dia.
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