Posso estar ficando louco, mas tenho a impressão de que, quando criança, o tempo demorava mais a passar...
Meus amigos me gritavam da rua - eu morava no quarto andar - logo pela manhã e eu saía para brincar. Isso umas oito horas. Eu saía, jogava bola, corria, subia em árvores, brincava de pique-esconde, jogava dominó, banco imobiliário, xadrez, soltava pipa, dava uma volta ao mundo, enfim, e, para meu espanto (espanto hoje, quando me lembro disso) ainda era meio dia.
Hora do almoço.
Aí eu saía de novo e brincava, brincava, brincava, brincava... Andava de bicicleta Calói (ainda existe essa marca?) por mil lugares: Salvador, Flórida, Orlando, tomava banho no rio Amazonas, só para dar uma refrescada, voltava pedalando, pedalando, pedalando, ia apreciar as Sete Quedas e a Foz do Iguaçu para só então voltar, exausto, para casa.
E ainda eram cinco horas da tarde. Do mesmo dia.
Às vezes combinava com algum amigo uma nova brincadeira para o dia seguinte, ou marcava um joguinho de bola-de-gude no qual eu iria à s forras, e ficava esperando o dia seguinte chegar, ansioso. E vinha a noite, passava o Jornal Nacional no canal 4, depois a novela das oito, depois um filme e só então eu ia dormir com o filme na cabeça, pensando que eu poderia ser inteligente como aquele ator, capaz de sair de enrascadas consideradas impossíveis só porque tive uma brilhante idéia. Mas não esquecia do que estava marcado para o dia seguinte. E a madrugada chegava, impiedosa, e não terminava nunca. Dois, três, quatro sonhos por noite, várias idas ao banheiro. Acordava e pensava se o amanhã não ia chegar logo e, na minha impaciência, ia conferir as horas.
Duas horas da manhã.
Quando eu, por acaso, ia comprar um gibi e o jornaleiro me dizia: "só amanhã", era um sofrimento. Esperar um dia inteirinho, mais a noite e a madrugada? Sobreviveria a isso? Era demais para mim.
Hoje isso é completamente diferente. Ontem, por exemplo, fui até a farmácia e não tinha o remédio que eu desejava. O balconista informou, então, que "amanhã JÁ terá chegado". E eu não estranhei o já . Achei, inclusive, de uma tremenda rapidez que ele encomendasse o remédio à tarde de um dia e que o mesmo estivesse disponível JÁ no outro dia.
Onde foram parar meus dias imensos? Quem os roubou? Quero-os de volta, e JÁ!
O pior é que estão me roubando aos poucos, Ã medida que vou envelhecendo. Há pouco tempo eu achava que prever algo para um ano era quase impossível. Ora, como saberei o que estarei fazendo no ano que vem? É muito tempo...
Era.
Agora vejo passar um ano como eu via a semana. Segunda, terça, quarta... Quase igual: primavera, verão, outono e inverno. Ou pelos feriados: Férias de janeiro, Carnaval, Semana Santa, Páscoa, Dia das Mães, aniversário, Sete de Setembro, Dia das Crianças, Finados, Proclamação da República, Natal e o Ano Novo já começou.
Para você ter uma idéia de como a coisa é grave, ontem mesmo eu vi, pela televisão, pessoas do mundo inteiro munidas com martelinhos a quebrar um pedaço do muro de Berlim para levar embora de lembrança. Uma representação do fim de uma época, da falência do Socialismo. Pois hoje, quando fui contar o episódio para minha mulher ela disse, para meu espanto, que isso já aconteceu há mais de dez anos!
Parece que foi ontem.
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