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Humor-->Histórias da velha pasta -- 26/08/2006 - 20:39 (Jader Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Histórias da Velha Pasta




Agradeço à minha sogra Maria,
que rezou por mim o tempo todo em que fui propagandista.
A meu pedido, ela sempre rezava dobrado quando eu tinha reunião...




A nota fiscal

O Dantas foi gerente de laboratório por muitos anos. Certa vez, chegou em Caxambu, Sul de Minas, com uma vontade doida de comer a deliciosa comida mineira. Comeu lombinho, couve e tutu de feijão. Tanto comeu que na farmácia do Mozart sentiu urgência de ir ao banheiro. A farmácia ficava num prédio antigo, comprido, dividido em vários cômodos que o senhor Mozart usava para descarregar e separar a mercadoria que chegava dos laboratórios. O banheiro ficava lá no fundo, quase separado da casa.
Apertado, o Dantas não observou que o papel higiênico acabara, ou melhor, nunca existira naquele banheiro. O farmacêutico, mineiro muito econômico, não gostava de gastar dinheiro com esses detalhes. Viajante, porém, não se aperta e o Dantas não se apertou. Abriu uma fresta de porta e viu, na sala ao lado, uma montanha de medicamentos recém-chegados. Os medicamentos estavam acompanhados pelas respectivas notas fiscais e não deu outra. Na urgência do momento, transformaram-se em papel higiênico!
Após o "serviço", o Dantas devolveu as notas fiscais, embora sujas, ao monte de onde as retirara. Mais tarde, na hora de conferir os remédios, o Mozart, com a voz fina e esganiçada, berrou lá do fundo da farmácia: “Laboratório miserável!... Dessa firma não compro mais... São porcos demais...” Mas o Dantas só contou esta história muitos anos mais tarde, quando já estava tranqüilamente aposentado.



A receita do Salvador

Salvador Pacetti, de Cunha, SP, era um farmacêutico carismático. Atendia como se fosse um médico a todo o povo da cidade e região. Os casos mais sérios, todavia, ele encaminhava para o Dr. Fued ou para o Dr. Pedro. Certo dia, chegou na sua farmácia uma freguesa velhinha, moradora e caipira da região. A velhinha apresentava sintomas de forte gripe e viera pedir um bom remédio ao amigo Salvador Pacetti.
O farmacêuticoi optou por indicar um medicamento novo, recém lançado no mercado por um laboratório de renome, específico no tratamento das gripes rebeldes. Pediu um tempo e foi lá dentro buscar. Voltou e depositou os comprimidos sobre o balcão, dizendo: “É disso que a senhora está precisando. A senhora vai tomar Apracur!...”
A velhinha levou um baita susto, estranhou a receita do Pacetti e esquivou-se dizendo:” Sartei de banda!...”



Ex-viúva

A dona Rieth vivia muito triste atrás do balcão. Desde que o seu marido, Geraldo, morrera de repente, ela andava metida num vestidão longo e preto, carregava um medalhão de ouro com a fotografia “melhorada” do falecido no pescoço e desfilava sua tristeza pelas ruas de Barra do Piraí.
Diziam que a dona Rieth visitava o cemitério altas horas, pranteando o finado marido. Ela mesma confirmava isto, insistia, repetia. Os propagandistas que a visitavam não agüentavam mais ouvir as suas queixas, eram horas de lamentos e recordações do "seu" Geraldo...
Na esperança de tirar um pedido, os vendedores perdiam manhãs inteiras na sua farmácia. Era uma agonia. As histórias da viúva eram tão longas e monótonas que o propagandista Gilson, do antigo Laboratório Steg desmaiou, de tanto esforço que fez para, gentil, ouvir a mulher. Mas, pedido que era bom, nada!
Diante deste problema, os propagandistas do setor resolveram armar uma trama para desencalhar a dona Rieth. Todos sabiam que a tarefa não seria fácil, pois a portuguesa era feia. Usava uma barba e um bigode imensos, ambos por fazer. Ela mesma, consciente da própria feiura, não acreditava que encontraria outro marido. Vivia dizendo a quantos quisessem ouvi-la: “Igual ao Geraldo, não encontro mais... Era um santo homem!”
Na verdade, era santo e cego. Decisão tomada, divulgaram através da "rádio pasta" que a viúva Rieth queria casar de novo. E tudo fizeram para que a notícia chegasse ao conhecimento do farmacêutico também chamado Geraldo, e também viúvo, estabelecido na cidade de Barra Mansa. Esse Geraldo era meio corcunda e tinha, por esta época, o apelido de Doutor Valcur, um personagem similar da novela “O Direito de Nascer” que rolava na TV.
Casando os dois, pensavam os propagandistas, livrar-se-iam de dois problemas de uma só vez, já que o homem também era chatíssimo. Quando a notícia chegou ao conhecimento de ambos, chegou cheia de malícia e eles ficaram furiosos. Porém, como já se conheciam e viviam dramas iguais (os dois eram viuvos), decidiram marcar um encontro para "esclarecer" o assunto. A fofoca realmente não ficava bem para dois profissionais de tão alta categoria...
Encontraram-se durante um jantar à luz de velas no restaurante do Belvedere, na entrada de Barra do Piraí e tudo se resolveu. Casaram-se. Juntaram as duas farmácias numa só e viveram felizes para sempre, para sorte nossa!



A Mecânica do Públio


“Mecânica” era um termo usado pelos vendedores de medicamentos que significava usar indevidamente o dinheiro da empresa por algum tempo e só entregá-lo nas reuniões mensais, ou quando o supervisor aparecesse no setor. Hoje em dia isso não ocorre mais porque a cobrança é feita via bancária. O Públio era vendedor-propagandista havia mais de quarenta anos. Sempre no mesmo setor do Sul de Minas e eterno morador de Varginha desde que nasceu. Tinha amigos por toda a cidade. Nos fins de semana, quando encontrava algum companheiro da velha guarda, rolava um longo e gostoso papo sobre os médicos e colegas de antigamente. Os seus colegas já estavam quase todos aposentados. O Públio era talvez a única exceção. Resistia ao tempo e continuava trabalhando como um jovem, ativa e freneticamente.
Todavia, era um fato inexplicável aquela gana do Públio pelo trabalho. Seus amigos supunham que ele estivesse rico, muito bem de vida, pois já trabalhara em vários laboratórios de renome como o Byk, Xavier, Procienx e muitos outros. Num certo fim de semana o Públio encontrou-se no clube com um ex-colega. O amigo lhe perguntou: “Então, Públio, quando é que vai se aposentar?” “Nunca!...” — respondeu, enfático, o Públio.
O colega estranhou a euforia e quis saber por quê. Afinal, era muito estranho um homem gostar tanto do trabalho, continuar trabalhando por toda a vida. Aí o Públio concluiu tranqüilamente, tirando a dúvida do colega: “Amigo, se eu parar de trabalhar, pegam a minha mecânica!...”

Turminha da Vila

Faziam parte daquela turma o Zé Barriga, o Moringueira, o Pipa e o Diniz. Êste último era o chefe, uma espécie de Mandachuva do grupo. Gostavam de trabalhar, mas não muito. O que gostavam mesmo era de tomar um “goró”, ou seja, uma cerveja. Andavam sempre juntos, mas quando chegavam numa cidade, espalhavam-se e se encontravam depois em um ponto certo e combinado para tomarem seu "querosene". Depois de muitos anos juntos, desentenderam-se por motivo óbvio. Ouça o Diniz e saiba por quê:
—Não deu mais para agüentar o Zé Barriga. A Gente combinava de parar às onze horas pra tomar uma Pitu mas ele não obedecia. Quando eu chegava no bar ele estava vermelho feito um peru e já tinha tomado umas cinco. Assim não dava para ganhar dele!... Não queremos um amigo desses no grupo. O nosso grupo sempre foi um grupo sério!...”
Foi assim e por esta justíssima razão que o Zé Barriga foi excluído da Turma do Querosene. A turma era famosa em Taubaté e no Vale do Paraíba, mas tdos eles já se foram. Deles não resta mais ninguém, exceto saudade.



Afasta de mim este cálice


O Conde Fazanaro foi propagandista durante muitos anos, e um dos melhores. Gostava de cantar ópera com uma voz própria, característica dele, que se ouvia à distância. Numa noite de folga da reunião ele resolveu passear, juntamente com o colega Renatinho, pelas ruas da cidade de São Paulo. Ao passarem pela esquina da Ipiranga com a São João, foram abordados por uma bicha louca e escandalosa, que caiu de amores pelo Conde: “Que carequinha mais lindo!... Ai, eu amor, eu quero beijar você, agora!”
O Conde tentava escapar, mas a bicha o seguia assediando ao longo da avenida. Dizia: “Fica comigo, carequinha, fica!”
Quando o Fazanaro percebeu que não escaparia do assédio, resolveu apelar para seus dons de artista e cantor. Ajoelhou-se bem defronte ao cine Metro, levantou escandalosamente os braços para o céu e, diante dos olhos assustados do povo, cantou em ritmo de ópera para que a avenida inteira o ouvisse: “Pai, afasta de mim este cálice!... Afasta de mim este cálice...!”
A estratégia desesperada deu certo. A bicha fugiu assustada e o povo que passava pela esquina famosa riu como nunca o fizera antes. Ainda hoje, quando passo pelo local famoso, escuto a voz poderosa do Conde alegrando a cidade e provocando risos no povo: “Pai, afasta de mim este cálice!...”


As Mãos do Mão de Onça


O “Mão de Onça” morava em Poços de Caldas e seu setor ía até ao Vale do Paraíba, SP. Ele era um propagandista diferente dos outros, destacava-se devido ao seu porte físico avantajado, alto e forte como um guerreiro Vicking. Suas mãos eram enormes, o que lhe valeu o apelido. Por esse tempo, havia em Lorena o doutor Sílvio Pélico, médico antigo, já em final de carreira, mas que ainda atendia seus três ou quatro pacientes por dia. O doutor Pélico era pálido como um nobre austríaco, miúdo como um aborígene da Polinésia. O doutor Pélico era educadíssimo, gentil com todos os propagandistas, mas receitava tudo para o “Mão de Onça”. Das receitas que passava, noventa por cento delas iam para o "Mão de onça".
Grande mistério era aquele. Os propagandistas se esforçavam para descobrir que recônditos motivos teria o doutor Pélico para receitar tanto os produtos do “Mão de Onça”. Afinal, tirante o seu porte gigantesco, nada justificava um receituário tão fiel. O melhor jeito de descobrir seria perguntando ao médico, pois o “Mão” jamais revelaria o seu segredo, isso era certo. Quem, todavia, entre os propagandistas teria a "cara de pau" de perguntar ao médico? Mas sempre aparece um voluntário para botar os guizos no pescoço do gato.
De repente, no Vale do Paraíba, apareceu o o Ellon, um tremendo “cara de pau”. Ainda assim, os colegas mais antigos tiveram que se esforçar para convencê-lo a perguntar ao médico, argumentando que todos sairiam ganhando com a descoberta. Convencido de que poderia descobrir um novo e infalível método de angariar receitas, o Ellon chegou até ao doutor Pélico e foi direto ao assunto:
— Doutor Pélico, por que é que o senhor receita tanto para o Mão de Onça?
A resposta veio rápida e inimaginável:
— Ah, meu filho, é porque tenho medo dele, muito medo!..”



Burro de cigano


O Amaral era representante do Puríssimus, que depois virou Labofarma e atualmente se chama Asta Médica. O baiano tinha umas narinas enormes e vestia-se elegantemente, as calças de linho sempre combinando com camisas de seda coloridas. Ostentava enormes cordões de ouro no pulso e pescoço. Enfim, andava tão enfeitado que parecia um “burro de cigano”. Sempre apressado, não gostava de enfrentar filas. Nos consultórios médicos e nas farmácias, fazia de tudo para passar na frente dos colegas. Na farmácia do Billa, em Taubaté, havia um problema. O estoquista, Luizinho, seguia a ordem de chegada dos representantes e, com muita calma passava o levantamento para o Carlinhos, outro folgado que fazia os pedidos. Mas os vendedores andavam desconfiados porque o Amaral chegava por último e era sempre atendido primeiro. Resolveram ficar espertos para descobrir o mistério e acabaram descobrindo.
O Rubão Elias, da Berlimed, ficou encarregado de vigiar e anotar todos os passos do baiano. Escondido, observou que quando o Amaral chegou, chamou o Luizinho para perto de um enorme espelho que havia na farmácia e, para impressionar o menino, ficou fazendo "poses" de galã, falando:
— Luizinho, um dia você será um propagandista de laboratório, assim bonito como eu... É só você olhar com carinho o meu estoque... O resto, pode deixar comigo....
Então era isso! O sonho do Luizinho era ser propagandista, e o esperto “Burro de Cigano” descobrira e estava chantageando o menino... Depois da descoberta ficou fácil. Todo mundo passou a prometer a mesma coisa para o Luizinho e o Amaral voltou para a fila como um representante comum.



Carmozine

Ele morava em Franca, e creio que ainda está por lá. Trabalhamos juntos vários anos, ocasião em que me contou coisas da sua juventude. Anotei e conto aqui algumas das suas histórias.
Quando menino, aos doze anos, Carmozine estava indo mal na escola e resolveu subornar seu professor. Levou-lhe um frango vivo, subtraído da criação que sua mãe mantinha na chácara. Aqueles frangos eram uma reserva de alimento da família. Mas o professor não aceitou o presente e ainda lhe aplicou uma "frangada" na cabeça e falou da tentativa de suborno para a sua mãe. Para o Carmozine aquela foi a sua primeira tentativa de vender algo. Não teve sucesso, claro, mas teria outras mais favoráveis.
No ginásio, já mocinho, perdeu a hora e chegou atrasado para a primeira aula da manhã. Sua professora era jovem, muito bonita, porém severa. Quando ela percebeu o Carmozine chegando atrasado, esgueirando-se de fininho para dentro da sala, interrompeu a aula e disse: “O que é isso Carmozine?... Não diz bom dia?... Por acaso dormiu comigo?”
O Carmozine, com sua voz indefinida de adolescente, deixou-se trair por um desejo oculto: “Quem sou eu, "fessora", pra beber água desse coco?!...”
Por causa do atrevimento foi suspenso por duas semanas e quase perdeu o ano. Mas é assim mesmo que se forjam os grandes vendedores. O Carmozine foi um dos melhores vendedores-propagandistas que conheci. Só não foi melhor porque não quis, e por que não gosta de si mesmo. Hoje sou líder de uma equipe de sonhos, conto histórias e vivo de saudade. Digo ao Carmozine: “não se ganha muito por aqui, mas o dia que você quiser, sua vaga está garantida”.




Como se Livrar de Uma Amante

A Drogaria Leão era uma das maiores de Campinas. O senhor Leão, seu proprietário, conduzia a empresa como se fosse uma família. Muito diferente de hoje, quando as empresas familiares são poucas e impera o profissionalismo. Essa maneira familiar do Leão acabou por metê-lo numa enrascada brava. Devido à proximidade no trabalho, acabou se envolvendo com uma sua empregada, muito bonita e estava tendo muita dificuldade para se livrar dela. A mulher pegava no seu pé e não largava fazia anos. O Leão já tinha usado todos os argumentos possíveis e impossíveis, mas não conseguia sucesso na separação. A mulher se mantinha grudada como sarna. Já inventara que estava falido, que a sua esposa desconfiava do seu "caso", que não ficava bem, que era bem mais velho que ela, mas a mulher continuava no seu pé. Mas certo dia criou coragem e confidenciou o seu problema ao amigo Mafuz, dono de uma importante distribuidora de medicamentos na cidade. Mafuz ouviu o amigo Leão e foi direto:
—Quer mesmo se livrar da mulher?”
—Claro, Mafuz, vim lhe contar o meu segredo porque sei que você me ajudará a sair dessa encrenca! — retrucou o Leão.
O Mafuz, preocupado com a situação do amigo, aconselhou:
—Então vou lhe passar uma receita infalível. Você deverá fazer tudo direitinho. Anote aí...
E passou a receita para o Leão, que estava mesmo decidido a se livrar da amante. Os ingredientes eram fáceis: uma suculenta feijoada; uma garrafa de cerveja preta; dois comprimidos do poderoso laxante "lacto-purga”, e muita, muita cara-de-pau.
No primeiro encontro com a namorada, o Leão providenciou tudo, ou melhor, engoliu tudo e foi para o encontro no mesmo motel de sempre, no mesmo dia e horário de sempre. Das entranhas do Leão o novelo das tripas já enviava sinais sonoros, com perfume desagradável, avisando que o "bolo" já estava pronto. Na cama, ao primeiro carinho, o Leão "arriou" no lençol branco todo o produto daquela mistura infernal. A jovem moça levou um susto e pulou da cama.
Apavorada, mas gentil e atenciosa, providenciou novos lençóis, trocou e perfumou o ambiente e foi conversar com seu "Leãozinho". O incidente seria certamente um problema passageiro. Nada além de uma breve indisposição.
—Que foi, meu bem? O que aconteceu com você? — quis saber a moça, preocupada.
—Nada, não foi nada... esquece! — Disse o Leão, fingindo grave preocupação.
A cena terrível e desconfortável se repetiu por mais duas vezes. De propósito, sempre que ia ao encontro da "amada", o Leão se enchia de feijoada, cerveja preta e "lacto-purga". No motel, ao primeiro beijo, de propósito, despejava tudo nos lençóis limpos. Era uma seqüência diabólica: beijar e cagar. Até que um dia a moça não suportou mais e decidiu passar a situação a limpo:
—Não, Leão, você tem de contar para mim, precisa confiar em mim, afinal estamos juntos a tantos anos! Conte-me tudo! Peço pelo amor de Deus!
Era tudo o que o esperto farmacêutico queria. Tinha armado aquela situação exatamente para chegar a essa hora decisiva. E contou tudo:
—Está certo, é justo que eu lhe conte. É um segredo meu, mas, como vamos enfrentar esta situação juntos pelo resto da vida, preciso lhe contar a verdade. Estou doente. Na verdade doente de uma doença rara e sem cura...Prepare-se.
—Está bem, meu amor, pode falar, confie em mim, que doença é essa? Nesse momento o Leão segurou o riso, fez cara de triste e, seja o que Deus quiser, soltou a bomba:
—É uma doença que não tem cura... É a chamada doença do “cu sôrto”!
A amante mal podia acreditar no que ouvira. Atônita, despediu-se chorando e nunca mais quis saber do Leão, seu amante que agora sofria de uma doença terrível, insuportável: a doença do "cu sôrto"... Crendospadre!




Conversando Com a Velha Pasta


Minha primeira pasta
A mais velha e mais antiga
Guardei-a, essa boa amiga!
Quando tenho saudade
Converso com ela e relembro
As nossas histórias de vida
Naquele canto esquecida,
Revive com a sua presença
Cada aventura vivida.
Hoje, com a pintura riscada,
A alça já meio "caída",
Pertinho da chegada
Me faz lembrar da partida
É um trajeto que não esqueço:
Maratona chegando ao fim,
E parece tão perto do começo...



Dormindo Com o João Macaco


A república Durango Kid era repouso dos propagandistas guerreiros e funcionava também como abatedouro de mulheres vadias. Não passava um sábado ou domingo sem que um dos aposentos estivesse ocupado por uma ou mais visitas. Normalmente ficavam lá algumas horas e depois iam embora. Voltavam para suas casas e seus maridos. Raramente pernoitavam, era uma questão de segurança, de ambas as partes.
O grande sonho do João Macaco, porém, era levar uma mulher para dormir com ele. Um dia levou, mas não deu certo. A coisa não foi bem como ele pensava. A mulher não sei se estava cansada, ou não gostou do estilo do Macaco, simplesmente virou-se para o canto e dormiu. Dormiu o sono dos justos e roncou a noite toda. No dia seguinte encontramos o João Macaco furioso: “O diabo da mulher dormiu como uma pedra!... Nunca mais trago mulher para dormir aqui... Se quiser dormir, que procure um hotel!...” E despachou a infeliz para a rua. O Carneiro, que assistia a tudo, ficou curioso e perguntou: “Mas, por que você não acordou a mulher, João?”
Ao que o Macaco respondeu, cheio de razão, tentando se explicar: “Ela dormia tão tranqüila e quietinha, que acabei dormindo também...” E até hoje ninguém sabe quem foi o culpado, mas, que o João Macaco era bom de cama, isso a gente já sabia.


Doutor Além


Nunca, e nunquinha mesmo, um propagandista esperou mais do que uma consulta para ser atendido por ele. Era um gentleman, o doutor João Pedro Além. Nenhum outro médico, seja um pneumologista, clínico ou cirurgião, terá sido melhor do que ele por esses lados da Mantiqueira. Lembro de um dia em que o Duarte, inteligente propagandista do Sandoz, foi visitá-lo no Sanatório São Paulo e lá encontrou, na ante-sala do consultório, uma cliente velhinha e furiosa que foi logo dizendo: “Vou entrar primeiro!”
O Duarte sorriu e ficou aguardando. Logo em seguida a porta se abriu. Antes que o Dr. Além mandasse entrar o propagandista, a velhinha apontou para o Duarte e se antecipou: “Doutor, vou entrar primeiro... Ele pode esperar!”
O Dr. Além piscou para o Duarte e disse: “Claro, claro, ele tem tempo e pode esperar!...”
O doutor Além pegou a velhinh pelo braço, levou-a até à sua sala de consultas, deixou-a lá dentro esperando e retornou para atender tranqüilamente ao seu amigo propagandista, sem nenhuma pressa, na sala ao lado. Obrigado, Dr. Além! Um beijo na sua mão!




A bola foi pequena


O Carlos Ney, vendedor/propagandista do De Angeli, gostava de mandar suas bolinhas. Não perdia uma cota sequer. O produto escolhido para as bolas era sempre o Anador. No final do ano, quando a cota era maior, as bolas também cresciam.Num mês de Outubro, ou Novembro de l968, não se sabe com precisão, ele se viu apertado para cobrir sua cota e mandou uma gigantesca bola para a irmã Celina, compradora da Santa Casa de Pouso Alegre. Foi bola grande até mesmo para os padrões do Carlos, que passou a temer pela reação da irmã. A irmã não costumava devolver mercadoria sua, mas era bom botar as barbas de molho. Por via das dúvidas, era melhor ir lá e avisar. E lá foi o Carlos, enfrentar a irmã, que deveria estar brava. Chegou manso, com muito jeito:
— Irmã, minha “querida irmãnzinha”, tive que lhe mandar um pouquinho de Anador a mais...
— E quantos o senhor mandou? Indagou a irmã Celina.
— Cinco mil "caixinhas"... respondeu o Carlos.
Quando o vendedor mandava uma bola, caixa virava “caixinha” e irmã virava “irmãnzinha”. A irmã Celina não se abalou, concordou com a bola mas cobrou:
—Está tudo bem, meu filho, mas não se esqueça das amostrinhas dos meus pobres...
O Carlos Ney, agora tranqüilo, foi buscar no carro um monte de amostras, mas furioso se xingava:
— Como fui burro!... Por quê não mandei logo dez mil caixas, por quê?...

Obs do autor: Bola ou Bola de Cristal – Pedido espontâneo, mercadoria enviada ao cliente sem que o pedido tenha sido feito pelo comprador.






Eu fico com essa


Mais uma do Carlos Ney. Durante vários anos ele foi propagandista no Sul de Minas. Por esse tempo trabalhava no Laboratório Procienx, empresa que não existe mais, absorvida por uma multinacional. Já se sabe que o Carlos era chegado em mandar uma bola, especialmente quando tinha produtos bonificados. Se o cliente devolvesse, tanto melhor, ele recolhia e vendia noutra farmácia e ainda faturava um troco.
O Xantinon estava bonificado em vinte por cento e ele mandou uma bola de 100 caixas para um conhecido farmacêutico de Santa Rita do Sapucaí. A farmácia era pequena e o farmacêutico certamente devolveria. Era exatamente o que o Carlos desejava, pois assim ganharia um troco extra...
A farmácia, porém, tinha sido vendida para uns “caboclos” desconhecidos que vieram de São Paulo, e o Carlos não sabia. Quando passou para recolher a mercadoria, teve uma surpresa. O cliente disse:
— Não me lembro deste pedido. Não estava no balanço quando comprei a farmácia...
— Tudo bem, não tem problema, levo a mercadoria de volta... Disse o esperto Carlos, pensando no lucro que teria revendendo a mercadoria noutras farmácias.
O novo cliente, paulista esperto e desconfiado, que também gostava de dinheiro, disse:
— O senhor está pensando que eu não tenho dinheiro para pagar essa porcaria?... Dá aqui a duplicata! E pagou o valor antecipadamente, para grande tristeza do Carlos Ney...



Jardim de Cactos

Antes de ser propagandista, a Tânia foi secretária da filial de Ribeirão Preto, SP, e suportou por muito tempo o mau humor do gerente Justo, que dizia saber de tudo. No seu cantinho sagrado do escritório ela cultivava, sobre a pia da copa e na sua mesa de trabalho, um belo jardim de cactos. Eram vários e pequenos vasos coloridos que davam vida ao ambiente e mereciam dela todo o carinho.
Nos dias em que a filial estava reunida nos hotéis, bem longe, o silêncio se instalava no ambiente, Tânia aproveitava para conversar com as suas flores queridas. As bolinhas de espinho pareciam entender tudo. Aqueles meninos verdes, com bracinhos imaginários levantados do berço, careciam de afeto.
Um dia, por merecidas férias, ela viajou e entregou seu mini jardim para o gerente que sabia de tudo cuidar. Uma semana depois, ainda que regasse todos com muito cuidado, o gerente Justo ficou intrigado: os cactos, um a um, foram morrendo. Estufavam e morriam, morreram todos.
Quando a Tânia voltou das férias, ficou muito triste e quase chorou. Os vasos estavam sem vida e os seus meninos verdes estavam mortos. É que o gerente, que sabia de tudo, não sabia de uma coisa: cactos não pedem água —só carinho!






Minhas Férias de Tirano



Nas férias de fim de ano
Eu voltava pra Taubaté.
Ficava na casa da sogra
Na casa velha da rua São José...
Dormia em colchões macios
Cheios de baratas da cor de nescafé.
Antigas almas penadas,
De pessoas queridas mortas,
Me espreitavam atrás das portas...
Mas isso não importava,
Eu queria ser rei.
Reizinho me proclamei!
No hotel, aos estranhos eu pedia
Na casa velha eu mandava!
Minha mulher, feliz, virava súdita
Minha sogra, feliz, era escrava
Ah, como eu gostava!




Ninguém ama um supervisor


O supervisor de vendas exerce uma profissão antipática. Ele é, na verdade, um fiscal de ônibus que espera na curva da estrada. Vive a procurar o erro do propagandista, surpreendê-lo no mau momento. Isso não é bom para ninguém. Estes profissionais, também conhecidos como gerentes distritais, têm recebido apelidos os mais terríveis. São chamados de "perdigueiros" e outros com maior carga de injúria.
Muitos médicos não gostam deles, proíbem sua entrada no consultório ou solicitam que façam a propaganda no lugar do representante, só de maldade. E poucos sabem que ele foi, quase sempre, um propagandista competente, promovido pelo seu bom desempenho no campo. Isso ninguém explica, mas alguma coisa acontece no seu coração e ele muda de repente. Fui supervisor por mais de vinte anos e acredito ter alguns feito amigos. No desempenho do cargo, todavia, fui criando algumas manias, alguns rigorismos, exigências e perfeccionismos que me deixaram chato e até mesmo indesejado. Foram muitos anos viajando Segunda e voltando Sexta. Eu era supervisor, na rua, com os propagandistas e supervisor em casa, com a mulher e com o filho.
Um dia tive uma surpresa desagradável. Saí para o trabalho, ficaria uma semana fora, mas precisei retornar de repente. Encontrei meu filho pequeno de seis anos, pulando de alegria e cantando:
— Que bom! Meu pai foi viajar, meu pai foi viajar...
Meu filho ainda era pequeno, tudo bem, mas a minha mulher cantava junto e a empregada acompanhava na caixa de fósforo...



No tempo do Passo Doble

Comecei a trabalhar como propagandista no distante ano de 1965. Muita coisa que existia na vida de um propagandista, hoje não existe mais. Hoje eles vivem uma vida bem mais confortável que os do meu tempo. Os laboratórios raramente ofereciam veículos aos seus colaboradores, que tinham de trabalhar de ônibus ou trem. Os pouquíssimos colegas que tinham carro rodavam em seus próprios veículos. Com muita pena els os jogavam em estradas de terra, pois apenas algumas eram asfaltadas. Para se ter uma idéia, a rodovia Presidente Dutra esta sendo duplicada nesta época. O Litoral Norte, Campos do Jordão e Parati não conheciam asfalto. Era lama no tempo de chuva e poeira no resto do ano. Algumas poucas firmas já “davam” carro, mas isso era raríssimo, ainda assim era um Jipe, Gordini ou Fusca Pé de Boi.
Os propagandistas motorizados eram olhados com respeito e invejado pelos outros, pertenciam a uma casta de outro nível. O Faro andava de Gordini, o Décio, do Lafi, tinha um Fusca. O Hélio, da Fontoura, já estava melhor e seu carro era um Fusca normal, com o nome da empresa escrito na porta.
As viagens eram longas e todo propagandista dormia pelo menos uns dez dias em hotéis. Isso exigia que levassem suas camisas “Volta ao Mundo”, que secavam rápido e não precisavam ser passadas. Os sapatos eram o “Passo Doble 752” e duravam dois anos no mínimo. Eu levava sempre duas calças de Nycron (aquelas que não amassam nem perdiam o vinco), por que precisava chegar bonito junto aos médicos. Foi um tempo romântico e difícil.
Busquei reminiscências para contar aqui, mas confesso que se tivesse que escolher, escolheria os dias de hoje. Aproveitaria melhor o tempo, observaria melhor as paisagens, não pensaria só no trabalho. Olharia melhor nos olhos dos amigos e digo que, se tivesse que voltar a Ubatuba para trabalhar, pararia primeiro na serra e tomava um banho de cachoeira. Depois do trabalho, com os médicos todos visitados e ali tão perto da praia, juro que dava um mergulho antes de voltar...




O Médico de Vassouras


A cidade de Passos, MG, era uma praça pequena, e dava para se "fazer" em três dias e meio. Os propagandistas procuravam cadastrar o maior número de médicos que pudessem para completar os quatro dias. Qualquer “bolha” ia para o cadastro. Assim poderiam permanecer mais um dia longe de casa, no conforto do hotel Vila Real. À noite, a cidade era animada, sempre rolava uma cervejinha na piscina e uma ou outra "paquera" mais que eventual.
Quando chegava um médico novo na cidade, lá ia o bando de propagandistas (uns vinte, toda semana), para fazer sua ficha. Numa certa tarde, a turma estava no prédio do Banco do Brasil aguardando pelo atendimento do doutor Marcelo, quando alguém falou que havia um médico novo na cidade. Correram todos para o terceiro andar e lotaram a sala do recém-chegado. Como ainda não tinha clientes, o médico foi solícito e mandou entrar todos. O consultório ficou lotado de propagandistas até à tampa. O primeiro a falar seria o Fonseca, da Bristol. Ele assumiu a frente do grupo e se encarregou de anotar os dados do doutor e passar para os demais. Iniciou-se o interrogatório e o médico foi respondendo:
— Nome?
— Juan...
— Natural de onde?
— Santa Cruz de La Sierra, Bolívia...
Prepare-se, o melhor vem agora:
— O senhor se formou por qual faculdade, doutor Juan?
— Vassouras...
Um engraçadinho, lá de trás, não se conteve e exclamou alto:
— Viche!!
A faculdade não é bem conceituada. Até o médico riu.



O Paranormal


O Dr. Jackie Maroni, importante médico ginecologista de São José dos Campos, era folclórico pelo seu jeito de receber os propagandistas. Era temido porque gostava demais de amostras (e como gostava!). Os propagandistas saíam do seu consultório com a pasta vazia. O homem era um terror!
Quando o João Macaco estava fazendo o lançamento de Ampisan ( uma nova ampicilina injetável), foi visitar o doutor Jackie, acompanhado pelos propagandistas Valadão e Irineu. Mas, para evitar o assalto do médico, deixou todas as outras amostras escondidas no relógio de luz do consultório e reservou para o Dr. Jackie apenas o plano previsto pelo seu laboratório. O Valadão, grande gozador, deu um jeito de fazer chegar, discretamente, até ao médico um bilhete revelando a esperteza do Macaco.
Após um tempo, entraram e foram normalmente atendidos. O Dr. Jackie estava estranhamente comportado e não solicitou nenhuma amostra extra. O João Macaco achou tudo muito estranho. Quando saíram, o esperto propagandista foi ao relógio retirar suas amostras, mas levou um susto: as amostras tinham desaparecido. Evaporaram-se, como num passe de mágica!
O Macaco desceu do prédio injuriado. Aliviado de suas amostras tão queridas, comentou com o Irineu no elevador:
— Esse Dr. Jackie é tão tarado por amostras que até parece um paranormal...
Valadão, o arteiro que descia junto, sorriu feito um menino...


O Senhor dos Passos Resolve Correr

O Pénacova era propagandista e morava na Vila Passos, um distrito de Taubaté, onde ajudava na missa aos Domingos. Alguma coisa de errado deveria estar fazendo, pois ninguém sabia da sua súbita religiosidade. O que se sabia do Pé era coisa totalmente diversa. Tido como mulherengo e grande conquistador, fama que já lhe tinha causado grandes problemas. Houve um, na estrada velha de Tremembé... Mas isto é outra estória. Contarei só o que pode ser contado.
A igreja da Vila tinha como padroeiro o Senhor dos Passos e a imagem dele é em tamanho natural, aparece carregando uma grande cruz e suas vestes roxas arrastam no chão. A imagem era bonita, tinha lindos olhos azuis, parecia estar vivo, era de impressionar... Muitas donzelas, e mulheres casadas também, juravam já ter visto aquela imagem piscar o olho. Seria uma improvável cantada celeste? As beatas alimentavam a lenda que já crescia.
Um dia, a mulher do farmacêutico Zé Araujo chegou assustada em casa e confidenciou para uma sua criada que o Senhor dos Passos não só lhe piscara os olhos como também fizera outros gestos, convidando-a para atividades outras que não entendera.
Da criada, a notícia vazou e chegou aos ouvidos do farmacêutico, que tinha fama de valente. O farmacêutico Zé Araujo desconfiou que aquela história de santo piscar o olho só podia ser coisa do Pénacova. Na verdade, o Pénacova andava "piscando" o olho fazia tempo. A história era velha, só o farmacêutico não sabia...
Enquanto a história de o santo piscar fosse lenda, tudo bem, o farmacêutico Zé Araujo não se importava. Esse assunto era lá com os seus chefes, problema do seu laboratório, do seu supervisor. Mas agora que o assunto chegara até a sua casa, e ameaçava a reputação da esposa, era demais. Tinha que agir e agiu. O Pénacova que se cuidasse.
No domingo seguinte, dia de missa, Zé mandou a mulher na frente e sumiu. Ninguém viu o farmacêutico, nem sabia o que estava tramando. A esposa não devia contar para ninguém, e ela não contou. Na igreja, a missa estava para começar. O Zé Araujo (absolutamente convicto de que aquilo era obra do Pénacova) escondeu-se atrás da cortina da sacristia. Dali viu quando o conquistador, vestindo um longo roupão roxo, subiu as escadas que levavam ao altar e assumiu o lugar da imagem do Senhor dos Passos. Do alto, protegido por vários santos e seguríssimo de que ninguém o pegaria dentro do seu disfarce, o Pénacova, fazendo-se passar pelo belo santo, distribuía beijos para as beatas.
Dizem que as beatas gostavam mais que desgostavam... Todavia, não imaginava o "santo Pé" que ali bem perto, atrás da cortina, estivesse o farmacêutico Zé, trazendo nas mãos um chicote previamente preparado e com um só destino: as costas brancas do desavergonhado Pénacova...
A missa ia ao meio e foi como se um raio caísse, aconteceu de repente: o farmacêutico, habituado no manejo do chicote, caiu em cima do "Santo Pé" e houve o tumulto. No princípio, ouviu-se uma chibatada e um gemido vindo do altar. Ninguém entendeu nada. O "santo Pé" resistiu por uma, duas, três vezes. Na quarta chibatada, porém, preferiu passar vergonha a levar outra. Abandonou a cruz e pulou para o meio dos religiosos, atônitos. O farmacêutico, num assomo de fúria nunca visto, ainda desferiu uma última lambada vigorosa nos costados do “Senhor dos Passos”, que a esta altura, e por justa razão, resolvera correr!
Algumas beatas mal informadas, apontavam o altar e diziam: “Senhor, a sua cruz... o Senhor esqueceu a sua cruz!...
As velhinhas exigiam perfeição no traje:
— Senhor! Senhor!... O Senhor esqueceu a cruz!
Dizem que o “Santo Pé” perdeu a compostura e respondeu:
— Mandem São Pedro levar... E fugiu na direção de Tremembé...


O coma do jumento

— Então, Bonfim, você cobre a cota?
— Claro, meu chefe!
— Cobre mesmo?
— Olha, chefe, quando eu lhe disser que o jumento morreu, pode providenciar a cova!
Era sempre assim que o supervisor Bonfim dizia ao seu gerente Bueno, toda vez que este lhe passava um objetivo difícil de alcançar. Ele respondia, passando um otimismo invejável. A visitação médica estava baixa e o gerente apertava os supervisores:
— Para ganharmos o prêmio, só com noventa por cento,certo? Não se esqueçam disso! Certo, Bonfim?
— Certo, meu chefe!... e pode escrever: quando eu digo que o jumento morreu, prepare a cova!...
Aquele foi um ano difícil para todos. A indústria farmacêutica também penava. No início do último trimestre, na reunião dos gerentes, em Campinas, o Bueno distribuiu as cotas, altíssimas por sinal. Tentava compensar o ano fraco que se findava. O Bonfim querendo agradar, antecipou-se e, com seu otimismo exagerado foi dizendo:
— A minha cota está garantida!
— Está mesmo?
— Claro, chefe, o senhor já sabe: quando eu digo que o jumento morreu, pode enterrar o bicho!...
Saímos para o campo em busca dos objetivos. No final do ano, ninguém cobriu a cota, nem mesmo o Bonfim, que só conseguiu oitenta por cento da sua. O Bueno, naturalmente, não perderia aquela chance por nada. Mandou um telegrama ao Bonfim. O telegrama dizia o seguinte: "Seu jumento está em coma. Respira ainda. Responda se enterro o bicho, ou não?..."










O Doutor morreu.


A secretária do médico estava triste e pediu para avisar a todos os propagandistas que o doutor tinha morrido. Não atenderia mais... Propagandista, vá visitar o seu amigo! Os outros médicos também estarão lá se despedindo do colega. É provável que estejam calados e tristes, porque a morte, especialmente a de um médico, é uma lição de vida. Os médicos convivem com ela, estão habituados com ela, mas diante do colega que dorme profundamente, em eterna apnéia, estarão com os olhos molhados...
Vá despedir-se do amigo que não receita mais. Esta sua última visita será um carinho, uma gratidão. Dê esse seu tempo a ele, e quando entrar na sala, não precisa mais abrir a pasta: agora ele tem olhos de raios x...





O Grande Medo do Carlão


Foi um ano difícil para todos. O Carlão, que deixara de ser propagandista para abrir uma farmácia na periferia de Taubaté, andava preocupado. A grande maioria das farmácias estava fechando, falindo devido à crise econômica. O Carlão sobrevivia a muito custo. Só Deus sabia como!
Um dia o seu amigo Cláudio, propagandista do Sandoz, foi visitá-lo e indagou preocupado:
— Como é, Carlão, você vai falir também?
O Carlão chamou o Cláudio para mais perto, apoiou-se nos ombros do amigo, fez uma cara solene de preocupação, a voz que já era grave ficou mais grave ainda, e disse:
— Olha, Cláudio, o que me preocupa já não é mais o fato de eu falir ou não falir, mas “outras” coisas que andam dizendo...
— O que o preocupa, então? Indagou o Cláudio.
— O que me preocupa, amigo, é que andam dizendo que a farmácia que não falir terá de explicar PORQUÊ ainda não faliu!...


Salvo pelo melão


Era uma reunião de lançamento mas o Vilhena, propagandista velho de casa, estava tranqüilo. Ainda que fosse mal na simulada, não corria risco algum. Isso era o que ele pensava. Doce e ledo engano. Ninguém estava absolutamente seguro no emprego quando o chefe era o Sinésio Salles. No terceiro dia, após o almoço, o Vilhena exigiu melão de sobremesa. O hoteleiro, gentil, mandou providenciar um melão bem suculento, e o Vilhena se deliciou. O Sinésio ficou só olhando... No final da reunião, chamou o Vilhena e lhe disse: “Vou trabalhar com você. Quero ver o seu desempenho no lançamento e conhecer sua casa em Ribeirão Preto”. O propagandista não podia fazer nada, mas ficou intrigado. O que viria fazer em Ribeirão Preto, o Sinésio?
O gerente era tido como maluco por todos (mas de maluco não tinha nada). Prometeu e veio. Chegou um dia depois e acompanhou o Vilhena por vários médicos, por dois longos dias. O Vilhena, macaco velho, desconfiou que o Sinésio estava com ele só por causa da história da sobremesa de melão, e mandou sua mulher comprar uma dúzia de melões e recomendou que fossem colocados em local bem visível da casa. Não deveriam ser comidos, eram só para enfeitar a sala. Ele tinha certeza de que o Sinésio iria querer visitá-lo e se preparou. Não deu outra. No terceiro dia de trabalho, o Sinésio manifestou o desejo de conhecer a sua casa. Se o Vilhena não tivesse ao menos um melão em casa, certamente estaria demitido.
Porém , quando o gerente entrou e viu tantos melões, ficou desarmado. Como demitir um homem que exigiu melão, se ele realmente gosta de melão? Olhou para os belos frutos amarelos sobre a mesa, coçou a cabeça, e desencantado disse para o propagandista: “Vilhena, vai gostar de melão assim na puta que o pariu!...” Foi-se embora, e nem quis almoçar.




Os cupins do hotel



Ficava bem no centro da cidade de São José dos Campos. Era um casarão antigo, parte em madeira, parte em alvenaria. Os propagandistas do Vale do Paraíba gostavam de se hospedar ali. A comida era uma merda, mas era ali que os amigos se encontravam. Ainda que não fossem permanecer na cidade por muito tempo, paravam por uma ou duas noites e só depois seguiam viajem.
O hóspede tinha muitas vantagens em ficar no Hotel San Remo. Uma era a localização estratégica, outra era a presença de muitas mulheres que ali se hospedavam a negócios, ou que estavam a caminho da praia. Os viajantes e propagandistas se deliciavam. O Valadão, o Barreto e o Pénacova eram os hóspedes mais fiéis, já tinham decorado os caminhos e as "vantagens" de todos os aposentos. Sabiam a posição dos banheiros e das camas...
Quando se preparavam para viajar, nunca esqueciam do arco de pua para furar portas e armários. Isso era equipamento essencial em suas bagagens. Se chegava uma mulher bonita, lá corriam os "voyeristas" a furar paredes e portas de banheiro, abrindo caminho para espiar a descuidada mulher no banho ou no leito.
Anos depois, o hotel pediu reforma, de tantos buracos que os propagandistas fizeram! Quando iniciou o serviço, a construtora tomou cuidados especiais e informou ao proprietário que a reforma tinha de ser feita com material reforçado, já que nunca encontrara um prédio tão atacado por "cupins" como aquele.
Sem aquela reforma providencial, o Hotel San Remo teria desabado. Eu não duvido...






Os “mão-de-vaca”


O Vale do Paraíba conheceu todo tipo de propagandista. Havia uns que não gostavam de tomar banho, como era o caso do Pipa, do Vicentini e do Gambàzinho. Este último era conhecido por “Gamble”, o que significaria “gambá”, em inglês, segundo o Conde Fazanaro. Havia também os que não gostavam de gastar dinheiro e se valiam de artimanhas para sobreviver. Comiam e dormiam com o mínimo possível. O Heitor era tão sovina, que comprou um carro Sinca mas só andava de carona e o revendeu, anos depois, ainda com gasolina original no tanque. Havia o Donha, que nunca jantava. Ele se aproximava dos colegas, no restaurante do Fredone, e filava a sopa que acompanhava a refeição.
O mais folclórico de todos foi o Cassab, que viajava de Kombi, onde dormia para economizar o hotel. Eventualmente se hospedava no Hotel Kafé, de Guaratinguetá, porém com dois únicos objetivos, para os quais já andava equipado: trazia sempre na mala uma lâmpada de 250 velas, a qual rosqueava no local da lâmpada do hotel. Assim, fazia o seu relatório em ambiente claríssimo, às custas do hoteleiro... O outro equipamento que não dispensava era um vidro vazio de penicilina (vazio e limpíssimo), que enchia com o azeite importado do hoteleiro. Era para regar a salada caseira quando voltasse pra São paulo... Serão sempre lembrados. Muito bem lembrados.


Os portugueses

Quando Portugal começou a se livrar de suas colônias, na mãe África e na Ásia, os propagandistas das multinacionais sediadas em Angola e Moçambique, fugiram para o Brasil. Conheci dois deles. O Manuel e um outro que se chamava Léo. Fixaram-se em Lorena e São José do Rio Preto, respectivamente.
Esses homens, profissionais respeitados, vinham para o Brasil em busca de trabalho e principalmente de paz. Traziam a mulher e os filhos na esperança de que esquecessem os horrores da guerra. O Manuel acabou envolvido em ações que o levaram a sentir o peso da ditadura militar brasileira, foi preso e destruído moralmente em pouco tempo. A última vez que o vi, foi em Cuiabá, longe da família, com choro fácil, trabalhando como açougueiro. A pele do Manuel estava queimada pelo sol do Mato Grosso e ele sonhava com uma volta impossível.
O Léo, que em Angola trabalhava com o Organon, veio para o Brasil com o Merrel e seu primeiro setor foi São José do Rio Preto,SP, onde chegou com a mulher e os dois filhos pequenos. A primeira noite na nova cidade, tudo estava muito calmo. Ele e a esposa deixaram os pequenos dormindo e saíram para explorar as ruas próximas. Caminhavam tranqüilos quando, de repente, uma seqüência de explosões se fez ouvir. Imediatamente retornaram, apavorados, para o hotel e encontraram os filhos abraçados sob a cama, trêmulos e chorando muito. Os dois adultos, o Léo e a esposa, estavam também assustados, mas confortaram os dois pequenos com afagos e beijos, devolvendo-os à cama novamente.
Mas, o que seriam aquelas bombas? Estaria o Brasil, seu novo país, também em guerra? Precisavam descobrir o que estava acontecendo. Prguntaram a um vizinho, do quarto ao lado, que ouvia o rádio e obtiveram a resposta:
— Não é guerra, não... É o nosso time, o América, entrando em campo...
Nunca mais quiseram sair do Brasil. Seus filhos cresceram aqui e seus netos são todos brasileiros.







Quando o emprego depende do jota


Por várias vezes o Laboratório Sintofarma abriu e fechou a sua filial de Ribeirão Preto,SP. Numa das vezes em que ela foi reaberta, o gerente, recém promovido, chamava-se Jorge. Era um paranaense muito enrolado, mas simpático. O laboratório, embora nacional, tinha e ainda tem um carinho especial com seus homens de campo, acompanhando-os de perto, com psicólogas e assistentes sociais, diagnosticando e tentando solucionar problemas individuais. O Jorge, gerente novo, achou por bem fazer uma reunião e submeter o seu grupo de novos colaboradores a uma psicóloga. Queria mostrar serviço, impressionar o pessoal da matriz. A psicóloga chegou de avião e o Jorge foi buscar. Apresentou-a à equipe, reunida na pequena filial da rua Florêncio de Abreu. A moça falou do seu objetivo e solicitou que cada um se apresentasse, dizendo seu nome, setor que trabalhava e outras coisas mais que cada um quisesse.
O Primeiro a se apresentar foi o Jorge, o segundo o Jader, o terceiro o Jair, o quarto o Joaquim... A psicóloga ficou intrigada com tantos nomes começados por “J” e interrompeu a apresentação para fazer uma brincadeira, dizendo:
—Curioso!... Todos os nomes começam por jota?
O gerente, Jorge, para quebrar o gelo e tornar o clima bem simpático, acrescentou:
—Comigo é assim... se não tiver o nome começado com a letra jota, como eu, não trabalha comigo!... Isso é lei aqui.
O próximo a se apresentar seria o propagandista Domingo Ofretório, um ex-padre de origem espanhola, inteligentíssimo. O Padre Domingo fumava tranqüilamente o seu cachimbo cheiroso, mas estava ligadíssimo à conversa que rolava. A esta altura a psicóloga já estava curiosa para saber o nome do próximo propagandista. Seria mais uma letra jota?
Pela ordem, seria o Padre Domingo, mas ele não se apertou e saiu-se bem. Aliás, saiu-se até muito bem, e disse para o alívio de todos: — Meu nome de batismo é Domingo, mas prefiro ser chamado de JOMINGO... Rimos bastante da saída inteligente e o Padre Domingo conservou o emprego, que lhe era tão caro.

Hotel Vitória
O Hotel Vitória era uma referência para os propagandistas do Vale do Paraíba. Seu proprietário, o Caetano, tinha muito orgulho disso e considerava seu serviço aos hóspedes como sendo um exemplo no ramo da hotelaria. Na verdade, os viajantes não pensavam bem assim. Ficavam hospedados ali porque o hotel era bem localizado e o preço era bom. Mas era só isso, o resto do serviço era uma porcaria. No café da manhã oferecia apenas pão com manteiga e uma coalhada amarela, que o povo recusava.
Havia alguns moradores fixos no hotel, como o Moringueira, o Gil e o Coronel, que avalizavam o Caetano porque tinham interesse em continuar pagando barato. Para eles o hotel era ótimo e de primeira. No final do mês, penduravam a conta e ainda faziam um vale com o Caetano para viajar.
Um belo dia, apresentou-se no hotel um gaúcho vendedor de vinho e ficou por vários meses hospedado. Fez amigos, pagou almoços e jantares para comerciantes diversos da cidade, deu caixas de vinhos de presente ao hoteleiro e passou a pagar suas diárias só no final do mês. Quando a mulher do Caetano passava por lá, ganhava flores do gaúcho. O gaúcho foi se tornando uma pessoa da casa. Era um dos poucos que elogiavam os serviços. Também pudera, já estava devendo três meses... E o Caetano ainda apoiava e dizia: — Hóspede bom é o gaúcho, nunca reclama!... O gaúcho é gente boa!
No final daquele ano, o gaúcho surpreendeu a todos com um convite. Era para um jantar no melhor clube de Taubaté. Tudo seria pago pela sua firma, a Vinícola Saltão, do Rio Grande do Sul. O clube e o buffet solicitaram avalista. O Caetano se prontificou a dar garantia a tudo. Afinal o gaúcho era seu hóspede, gente fina. A festa foi uma beleza, rolou comida e naturalmente vinho! Tudo que foi servido era de primeira. O hoteleiro Caetano levou a família e nós, os hóspedes, fomos todos e aproveitamos a boca livre.
No dia seguinte e nos outros trinta que se seguiram, o quarto do gaúcho ficou fechado. O Caetano, depois de muito hesitar, chamou a polícia e mandou derrubar a porta. Estava vazio, nem sinal do gaúcho. Seis meses de hospedagem e mais a fiança que dera ao clube pelo jantar de fim de ano. Foi um "cano" enorme. E decepção ainda maior teve o Caetano, quando leu na parede do quarto uma trova que o gaúcho deixara escrita, dedicada aos excelentes serviços do Hotel Vitória: “Adeus Hotel Vitória
Saudades levo de TU
Levo ferrugem nos dentes
E teia de aranha no C..."


Uma missa e dois defuntos


Um dos cargos mais efêmeros da indústria farmacêutica é o de Gerente Regional. Nos meus trinta anos de propagandista, assisti a muita troca de gerente. Bastava uma pequena crise econômica no país, ou uma reza mais forte de uma já famosa sogra rezadeira, que lá ia mais um gerente para a rua. Era uma troca constante. Pelos meus cálculos, um gerente permanecia no máximo dois anos no cargo, salvo raríssimas exceções. No antigo Lafi, hoje Sanofi, onde trabalhei por nove anos, tive quatro gerentes regionais. Cada um diferente do outro. O novo nos fazia sentir saudade do antigo. O primeiro foi o Sobóh, o segundo foi o Sinésio, o terceiro o Djalma e o quarto foi o Ernani.
O Sinésio (meu gerente maluquinho) tinha o hábito de levar toda a equipe, ao final das reuniões ou nas festas de fim de ano, para a zona (e mais recentemente para uma boate, depois que as zonas foram acabando), e comandava a gandaia. Era uma festa. Mesmo os mais católicos tinham que ir, eram obrigados, senão perdiam o emprego... Com a saída do Sinésio veio o Djalma, que era exatamente o oposto do anterior. Gostava de levar o pessoal para a missa. Toda reunião tinha uma missa, pelos mais variados motivos. Parece que até torcia para que morresse algum parente de propagandista só para mandar rezar uma missa. Para quem estava acostumado com o Sinésio, não era fácil. Certa vez, numa reunião em Serra Negra, no Hotel Pavanni, recebemos a notícia de que o pai do colega Piva tinha falecido. O Djalma ficou alegre e encomendou logo uma missa. A missa seria às seis horas da manhã do dia seguinte, na igreja matriz.
Acordamos todos bem cedo, estava um frio de lascar, e lá fomos defender o nosso emprego. A igreja estava vazia, ou melhor, estavam presentes três velhinhas que se assustaram ao ver chegando tanta gente bem vestida para assistirem a missa do "seu" defunto. Durante todo o tempo deram sinais de irritação e pareciam incomodadas com a nossa presença. Acontece que o padre tinha "vendido" ao Djalma uma missa que já estava encomendada pelas velhinhas. Pensei com meus botões: "Isto não vai dar certo!", e de fato não deu. Na hora do sermão, o padre falou o nome do "outro defunto" e nada de falar no nome do senhor Piva. Acredito que com medo das velhinhas, que se mantinham com os olhos arregalados e os ouvidos bem atentos, o padre não dizia o nome do senhor Piva. O sermão ia sendo esticado e a missa não acabava nunca. Nada de o nome do senhor Piva ser citado. Aí, quem começou a se agitar foi o Djalma, pois a missa demorava e a reunião tinha hora para começar, lá no hotel. Sinalizou para o padre, pedindo que dissesse o nome do "seu" defunto, pai do propagandista Piva, que estava presente. E o padre só enrolando... De repente, o vigário se aproximou de nós e, cochichando, escondendo-se das velhinhas e protegendo a boca com as mãos, disse: — Esta missa vale também para o senhor Piva!
Em seguida, apagou as velas e desapareceu rápido para dentro da sacristia. As velhinhas correram atrás, querendo desconto e até hoje rimos da missa que valeu para dois defuntos. Será que valeu?

O pedido igual para três

O Guilherminho era uma pessoa boníssima, mas feio como só ele. Os propagandistas puseram nele o apelido de “Homem Feito a Canivete”. Ele era legal, mas tinha os seus dias de neurose. Quando estava com o "fígado virado", era difícil de agüentar o homem. O “Homem Feito a Canivete” atendia a nós vendedores pela manhã, mas não gostava que a gente chegasse muito cedo. Certo dia, como não tínhamos médicos naquela hora, resolvemos cobrir nossa cota na sua farmácia. Éramos em três: eu, o Duarte o Toninho do Lepetit. Quando entramos na sua farmácia àquela hora da manhã, acho que o Guilherminho não gostou, por que não respondeu ao nosso "bom dia". Só nos olhou de longe, por cima dos óculos, com seus olhos vermelhos de sapo insone. Após um tempinho, aproximou-se do balcão e nos fitou, dizendo:
— Hoje vou ser diferente, vou fazer um pedido igual para vocês três!
— Oba! Disse o Toninho.
O Duarte, mais observador e mais lógico, argumentou:
— Mas, Guilherme, você não pode fazer pedidos iguais para nós, porque somos de laboratórios diferentes...
— Posso, sim! —retrucou o Guilherme.
— Como assim?—perguntei, entrando no assunto.
E o Guilherme concluiu:
— Peço aos três que vão para a P.Q.P.!!!
Foi assim que eu, o Toninho e o Duarte saímos da farmácia do “Homem Feito a Canivete” com um pedido exatamente igual...









Você está feliz?

O sonho de todo propagandista novato é se mudar para um laboratório maior, mais conceituado. Isto acontece porque eles sempre começam em firmas menores e após aprenderem os primeiros segredos da propaganda, migram para os grandes laboratórios multinacionais. No Vale do Paraíba havia o Cassab, propagandista folclórico e muito alegre, que vivia aguardando um colega mudar de um laboratório pequeno para um grande, só para perguntar se ele estava indo bem no novo emprego. Conforme a resposta, soltava a gozação em cima do coitado! Era um ritual programado com certa antecedência. O local ideal, onde seria feita a pergunta fatal, era geralmente nos pontos de encontro. Estando cheio de gente tinha mais graça. O pior é que a próxima vítima seria eu.
Depois de muitos anos no Byk, mudei para o Lafi, um laboratório bem maior, que "dava" carro. Eu estava feliz no novo emprego. Dias depois, no Café Paris, em Taubaté, estava eu e mais uns dez colegas e chegou o Cassab. O gozador aproximou-se de mim e perguntou:
—E aí, Tripinha, está satisfeito no novo laboratório?
A resposta é óbvia nesses casos. Claro que eu estava satisfeito, e não podia ser diferente. O Cassab só perguntou de sacanagem e todos os colegas aguardaram para ver a mancada do neófito inocente. Respondi alto e feliz:
— Claro, Cassab, estou satisfeitíssimo. O Laboratório Lafi é tudo o que eu queria!...
Para deleite dos colegas e risadas gerais, o Cassab arrematou com voz calma:
—Tripinha, mas agora é preciso saber se o laboratório Lafi "TAMBÉM" está satisfeito com você!...


FIM


















































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