Ao cidadão comum, empenhado em se manter informado, fazem falta cultura sociológica e política mais sólidas. Talvez, se as tivesse, poderia melhor interpretar decisões de governos, de organismos internacionais e regionais, que contrariam aspirações e escolhas dos povos em nome de quem foram instituídos, ou as aprovam, ignorando a legalidade estabelecida.
Durante a 2ª Guerra Mundial, a heróica resistência dos "partisans" franceses e italianos foi exaltada e apoiada, como legítima, pelas Forças Aliadas e por todos os que se alinhavam com sua causa. Entretanto, lutavam contra seus governos legalmente constituídos, embora afinados com o "Eixo" dominador,
Em 1964, no Brasil, o povo, respaldado por maioria esmagadora da mídia e significativa parcela do Congresso, foi à s ruas pedir o afastamento do presidente. Com a mobilização das Forças Armadas, este abandonou o cargo e deixou o país. Novo presidente foi eleito pelo Congresso. O governo foi reconhecido pela comunidade das nações. O país teve um surto de desenvolvimento até então jamais visto. Hoje, a síntese que muitos fazem do período é um golpe militar seguido de ditadura sanguinária.
Recentemente, nações e povos condenaram a repressão iraniana ao movimento popular que se rebelou contra o resultado das eleições, embora o governo legalmente constituído o tenha validado.
Em Honduras, o Legislativo e o Judiciário, até então referendados em sua representatividade por todos os países e organismos multilaterais, destituíram o chefe do governo, por infringência à Constituição. Cometeram à s Forças Armadas a incumbência de prendê-lo. Foi unànime, em todo o mundo, a condenação ao que foi visto como uma "quartelada".
Estes são alguns dos muitos exemplos que nos fazem debruçar sobre as notícias, refletir, investigar o passado, e não conseguir descobrir coerência. Há de ser por ela não existir entre os que representam o povo, embora este, sim seja coerente.
É coerente o povo argentino, quando derrota nas urnas a dinastia Kirchner, após condenar a manobra de antecipação das eleições, a nacionalização dos planos securitários privados, a queda brutal das exportações, a disparada inflacionária, de par com o desemprego e a miséria.
É coerente o povo brasileiro, quando se indigna com a absolvição, no Conselho de Ética, de um deputado que usava dinheiro público para pagar empresa de segurança de sua propriedade. Ou com a inexplicável protelação da instalação da CPI da Petrobrás. Ou com as vergonhosas manobras para inocentar senadores de incontáveis ilícitos que beneficiaram a eles próprios, seus parentes e funcionários. Ou com a diretriz do primeiro mandatário a seus correligionários, de defender a permanência do presidente do Senado, em nome da governabilidade - entenda-se, da coalizão dos partidos de ambos, com vistas à s próximas eleições - e por não ser uma pessoa comum, merecendo tratamento diferenciado.
Por outro lado, é incoerente a política externa do atual governo. Busca aproximação com países dirigidos por ditadores "perpétuos", que cerceiam liberdades e põem sob ameaça a paz mundial. Omite-se na avaliação de suas condutas, sob o argumento da não-ingerência. Ao mesmo tempo, olvidando o mesmo argumento, condena outros, por não interessarem a seu pragmatismo económico ou ao consenso do Foro de São Paulo.
Embora a mídia difunda os fatos e cobre soluções, as casas legislativas federais não se fazem ouvir. Compreende-se que não o faça quem apóia o governo. Porém é débil, quase nula, a voz da oposição, mais preocupada com questões internas e com seu futuro eleitoral.
Para questionar uma hegemonia política que pretende se eternizar, apoiando-a ou se lhe contrapondo, só resta a coerência do povo. A coerência do cidadão consciente de direitos e deveres, que sai da comodidade para lutar por suas ideias. Que tem a seu alcance a extraordinária permeabilidade da internet, para fazer ouvir sua voz.
Assim como ocorreu na Argentina uma guinada, que ameaça frustrar a continuidade dinástica, aqui há também que aumentar o volume dos questionamentos. E tanto mais se ouvirão os sons amplificados quanto maior a quantidade de vozes, em uníssono, clamando pela internet, chegando aos "blogs" da mídia, aos sites dos jornalistas, dos parlamentares e dos administradores públicos.