PANDORGAS NO CÉU ANIL
Fizemos a pandorga no pátio. Minha mãe tinha brigado conosco quando viu a bagunça da sala: pedaços de taquara, papel e muita cola nos mosaicos que ela limpava com tanto carinho. O sol ainda não esquentava muito. Toby, o cachorro maluco do meu irmão, vinha e me mordiscava num pé e depois o outro. Eu não queria brincar com ele.
Meu pai montava a pandorga com habilidade. Ia descrevendo cada passo, como se estivesse dando uma aula muito importante. Normalmente ele conversava pouco comigo, quase nada. Era quieto, silencioso, passava muito tempo pensando e mastigando seus pensamentos. Quando discutia com mamãe falava muito, rapidamente, amontoando as palavras, usando-as como se fossem projéteis de uma metralhadora infernal. As vezes ele bebia e irritava-se por qualquer coisa. Gritava e seus gritos doíam- me na alma. Eu rezava para que mamãe ficasse quieta e parasse de retrucar. Ele era bom para mim, apesar de que eu tinha um pouco de medo dele.
A pandorga ficou bonita. Tinha quatro gomos de cores vibrantes e papai colocou um “roncador” de papel preto que, diziam meus amigos, roncava com mais força. Ajudei a colocar uma decoração e uma cauda longa, fina e muito leve. Tínhamos dois novelos de barbante. Meu pai disse que com eles a pandorga iria tão alto que chegaria até o sol.
Quando chegamos ao campo o vento soprava constante e com força. Foi fácil elevar a pandorga, apesar de ser grande, quase do meu tamanho. Outras pandorgas dançavam no céu que doía de tão azul.
Sentamos numa pequena elevação e ele me passou o barbante. A pandorga mexia-se inquieta e ameaçava arremeter contra as copas das árvores mais altas. Papai me falou para soltar um pouco de barbante e segurar. Pediu para repetir a operação varias vezes. A pandorga encontrou uma corrente de ar, uma rajada de vento melhor e se estabilizou.
Parecia que tudo sorria para mim: a pandorga radiante, o sol, o céu grandiosamente azul, meu pai com sua mão enorme apoiada sobre meus ombros. Então começou a falar. Ofuscado pelo esplendor do dia, pela felicidade de ver minha pandorga voando tão alto, não conseguia entender o que ele me dizia. Falou e falou, me explicou mil vezes, porém eu não queria escutar, não queria compreender.
Ele me deu um beijo, que doeu, na minha bochecha e foi embora, caminhando devagar. Eu soltei o barbante da pandorga que, surpresa, demorou um instante para perceber que estava livre e poderia voar, sulcar os céus, aterrissar ou quebrar-se toda contra as árvores.
As lágrimas grossas e extraordinariamente quentes, enchiam meus olhos e deformavam a imagem do meu pai que se afastava lentamente, com seu passo cansado e triste.
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