Sempre nos amamos.
Desta vez nosso encontro foi no restaurante de um shopping do Plano Piloto.
Quando a avistei, notei que ela estava muito tranquila e charmosa. E que me olhava insistentemente.
Retribuí seu olhar com muito interesse e muita ternura. Mas sem me levantar. Fazendo meu jogo, do meu lugar.
Estava linda, bem tratada, apetitosa. Meio descomposta, mas, pensando bem, achei que era mais sensual assim. Tinha um aspecto irresistível.
Prendada por natureza, habituou-se a ser tratada por mim com toda a delicadeza e com a maior das atenções.Em poucos segundos, me fez sinal. Fui sentar junto dela, como pedia. Abraçamo-nos. Demo-nos as mãos e os lábios. Um beijo interminável. Daqueles que expressam um profundo amor.
Exatamente isso. Nosso amor é profundo. Profundo, profundo. De pedra e cal. Conhecemo-nos há muitos e muitos anos. Tão amigos que já nos aproximamos por osmose. Como se um pedisse o outro. Assim foi desta vez também. Acho que é um amor para toda a eternidade. Eu a tenho na maior conta. E ela me retribui perdidamente com imenso amor. De todas as vezes que nos encontramos ela se entrega a mim com paixão, jeitosa e perfumada, sempre louca para ser amada.
Tornamo-nos, desta feita, amantes incorrigíveis. Amantes. Sempre fiéis. Sempre tontissimamente fiéis. Isso nos tornou inseparáveis. Nosso caso é um caso raro de fidelidade. Uma fidelidade que pega a pessoa inteira e a envolve até Ã s mais íntimas entranhas. Isto aconteceu desde quando meus tecidos ainda eram elásticos e adolescentes. Desde muito cedo. Quando eu ainda era um jovem.E por isso mesmo tornou-se um passo fácil para nos viciarmos no amor. Acontece que entre todas as qualidades, sobressai sua meiguice. E eu gosto disso. Sabe se vestir. Cuida bem de seu corpo. Sabe do que eu gosto e da forma como eu gosto. Conhece-me bem e sabe que a adoro tanto ao natural quanto produzida.
Por isso sempre que nos encontramos é uma festa.
Uma festa daquelas folclorizadas como sói acontecer em terras do interior. Uma festa onde nada falta para comer e beber. Uma festa à moda transmontana. Como costumava fazer-se, muitos anos atrás, em Agunchos, junto ao rio Tàmega, na raia do Minho e Trás-os-Montes, lá em Portugal, onde correm as tradições da festa de Samertolameu.
Ora, meu caro leitor. Amor é toda esta inteireza de duas criaturas que se querem e se doam para a vida e para a morte. Este meu amor era assim. Este meu amor é assim. Hoje como sempre, este meu amor é jovem. De uma juventude que me renova. Juventude que me permite viver e sonhar como se fosse um adolescente. Vou contar. Não desespere que eu vou contar-lhe o último segredo desta minha querida amante. Aquela a quem dediquei esta crónica, que é terninha e a quem retribuo toda a afeição com as maiores ternuras. Vem de família esta afeição. Eu era criança, jovem depois. E me afeiçoei muito a ela. Seu nome é Maçã. Há pessoas como se fossem frutas, com nome de frutas, e há frutas como se fossem pessoas. A Maçã aqui está personalizada mas não é metafisicamente uma pessoa. É personagem. Personagemm de íntima relação. Aqui a apresento a todos os leitores com o coração apaixonado. Gosto dela. Sabem que Maçã foi a primeira criatura que em pleno Paraíso terrestre teve a coragem de seduzir a senhora Eva. E com tanto êxito que Eva, que era então primeira dama, passou, por sua vez, a energia da sedução para o senhor Adão.
Como sou da escola do antigo classicismo, aceito de bom grado a sedução de minha amiga Maçã, assim como todos os amores que ela me oferece e de que me faz partícipe. Fico mais seduzido quando ela chega a mim insinuante, bem produzida e sedutora, corpo macio e descomposto, se desfazendo em doçura natural. Quando ela veste de maçã bem torradinha no forno, me oferecendo sua natureza de mistério cósmico que encarna em mim o desejo de deglutição
que me alenta e transforma para minha batalhas no mundo.
