A China é um dos paises do mundo que mais me fascinam, pela sua cultura antiga repleta de contradições e fatos marcantes(algo me diz que nossos índios tem descendência chinesa), a grande muralha da China é um muro de sangue e lágrimas, existia uma canção de lamento chinesa da época que versava sobre a crueldade que foi sua construção: “ Se te nascer uma filha , afoga-a; se te nascer um filho, não o cries.Não vês que a grande Muralha se ergue sobre montanhas de cadáveres?”
E lá do outro do mundo, tão longe e tão perto, tão distante na geografia e tão próximo aos meus anseios, vive um dos meus maiores heróis, o estudante anônimo que parou uma fileira de tanques usando a própria pele como escudo, um único homem que usou o corpo em nome da liberdade de mais de um Bilhão de pessoas. Alguns nascem para serem mártires, outros para serem cadáveres.
Com a força das palavras e com fascínio dos meus sonhos sou capaz de me transportar no tempo num piscar de olhos, é dia 4 de junho de 1989 e estamos todos de mãos dadas no coração do império chinês, em sua capital com o nome de Pequim para nós e Beijing para eles, numa praça chamada “Praça da paz celestial” para nós ocidentais e simplesmente “Tiananmen” em mandarim, a língua da maioria dos chineses.
Nossos olhos fitam com orgulho e com gana a “Cidade Proibida”, uma cidade que fica nessa praça e foi a morada oficial de 24 imperadores das dinastias Ming e Qing, de 1420 até 1911, quando o último imperador, Puyi, foi deposto.
Somos milhões de pessoas clamando por liberdade e estamos todos, absolutamente todos de mãos dadas como se pudéssemos abraçar a praça e a todo povo chinês que sempre sofreu tanto ao longo da história com a crueldade e o autoritarismo de seus governantes, representávamos as vozes que foram caladas pela tortura e pelo medo, as vidas que se perderam lutando não só em nome de si mesmo, mas pelo bem de todos.
Numa manifestação pela liberdade ou pelo direito de exercer plenamente sua cidadania, você deixa de ser quem você realmente é para ser mais uma voz na multidão, lutar por si é muito importante, mas lutar por todos é magnífico, sempre quiseram associar as manifestações com bagunça e com anarquia, não senhores da guerra, vocês não vão calar o clamor do povo com tiros e explosões, como consumidores e contribuintes podemos ser números, mas como manifestantes somos perigosos?
Voltando a nossa história, então o governo chinês manda para a praça todo um destacamento de soldados armados até os dentes, envia blindados e tanques...o terror se espalha pela praça e nossas mãos se soltam...as mães tem que proteger seus filhos, os pais tem que viver para alimentar seus descendentes, os mais velhos correm para salvar o pouco que lhes resta de vida, mas os mais jovens ainda resistem até que o exército abre fogo contra eles, irmão matando irmão numa reedição de Caim matando mais uma vez Abel ...e seus corpos vão caindo um a um no solo da “Praça da paz celestial”..então todos fogem dos tanques que avançam sobre o território “inimigo”...menos um, menos ele...qual será seu nome meu herói?Onde você está...ninguém sabe, ninguém sabe.
Uma fileira inteira de tanques é detida com o seu corpo, os tanques tentam desviar, mas ele estava ali decidido tão solidamente que nada nesse mundo passaria por ele, um grão de areia virando montanha, os tanques continuam tentando avançar, mas ele corre mais uma vez para frente do tanque...o que estaria passando pela cabeça do piloto desse blindado? Ele não teve coragem de esmagar seu irmão...vendo essa cena eu me lembro da “Primavera de Praga”, o mundo dá muitas voltas e para sempre no mesmo lugar, a imagem de um cidadão checo que abriu o peito nu diante de um tanque, em Bratislava, e foi fulminado...
O estudante chinês tinha num dos braços o seu casaco... e no outro todo nós que algum dia já nos sentimos discriminados ou humilhados por alguém ...ele era muito magro, sua compleição física frágil jamais foi impeditivo para ele ser corajoso ..toda vez que sinto o medo tomando conta de mim e querendo me paralisar, é dessa imagem que eu me lembro, assim jamais terei medo de enfrentar os tantos tanques que avançam pelo campos de batalha da vida querendo me esmagar...