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Contos-->Os Bliques -- 03/04/2000 - 11:28 (Alexandre A Mascarenhas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A partir daquela semana meus pais deram para falar baixinho um com o outro: ela sopra mais do que fala e ele movimenta os braços, a cabeça, os ombros, valendo-se de sinais que são, tanto para mim como para meus irmãos menores, incompreensíveis.

Eu e Bia preferimos não tocar no assunto e passamos a investigar - cada um por si - o que seria dessa vez. Briga, não é o caso já que freqüentemente um sorri para o outro, reforçando ainda mais o ar de mistério; simples imaginação de nossas cabeças também era impossível, porque eles agiam de modo diferente do que estão acostumados, sobre isso não há dúvida; enfim, está acontecendo alguma coisa e, mais uma vez, seremos os últimos a saber. A notícia veio estonteante: - Mudaremos na semana que vem, disparou, sem trejeitos, a minha mãe; e o "doutor" Simão, meu pai, completou rapidamente, antes que pudéssemos respirar: - Vamos para um apartamento que fica pertinho da escola de vocês e cada um terá o seu quarto, até mesmo o Tota, quando crescer um pouco mais, terá um quarto só para ele!

O almoço estava servido, todos à mesa - menos o meu irmão mais novo que já tinha comido e agora, provavelmente, dormia. Não toquei na comida, a minha irmã é gulosa e não há nada que possa cortar a sua fome de avestruz. Um silêncio do tamanho de um arranha-céu tomou conta da sala. Eu e Bia não conseguimos nos conter e acabamos abrindo o maior berreiro; ela olhava para mim procurando, talvez, uma espécie de apoio; eu me levantei e saí a toda no rumo do jardim. Um cachorro, daqueles que imitam os lobos, deveria ter passado pelo nosso quintal: havia buracos enormes e várias plantas tinham sido arrancadas com raiz e tudo.

Eu não sabia como reagir - estava confuso. E ao entrever a rede estendida na varanda, me dirigi até ela: pensei em mergulhar no fundo de suas dobras. Um forte cheiro de maresia veio com o vento. A minha irmã não parava de chorar e o Tota acordou sem entender nada.

No dia seguinte, a desordem começou a passar. Ela foi bem clara, na semana que vem; e isto não queria dizer no próximo semestre, ou daqui a um mês: seria no primeiro sábado, o seguinte. Eu tive vontade de procurar a Bia e falar baixinho que estava com muita raiva deles! Primeiro, ela fez uma cara de espanto, aumentando várias vezes o tamanho dos seus olhos; em seguida, oscilou a cabeça para ambos os lados e tremeu a voz para dizer que "isso não pode": dei mai um passo na sua direção e nos abraçamos, os olhos fechados.

A casa foi trancada. Dentro dela não havia sobrado móvel, roupa, quadro, nenhum sinal que fosse nosso. O apartamento é escuro e frio; um lugar esquisito, não parece que foi feito para morar. Em todas as janelas existem grades reforçadas. Eu não sei para que um quarto só para mim já que eu me dava muito bem com a Bia e o Tota. Tenho certeza que eles acham a mesma coisa mas hoje terá que ser de outra maneira e a gente nem sabe porque.

Sono, eu tinha. Mas o duro era começar a dormir: se não rangia, estalava... ou chacoalhava; e até rugir, rugia. Vinha de cima, de baixo; de um lado, de outro; de longe ou de perto - os olhos podiam estar abertos ou fechados.

Não encontrei outra saída e terminei adormecendo. Aaaaii!: quase morro. Eram as duas mãozinhas do Tota afundando na minha barriga para que eu acordasse. Os olhos dele eram dois faróis no quarto escuro. O Tota queria que eu o seguisse. Mas em silêncio, pois os outros não deveriam acordar. Resolvi acompanhá-lo, prestava atenção para não dar nenhuma topada e acabar estragando tudo. Ele me levou até o final do corredor, atravessamos a sala e penetramos na cozinha, um de seus dedos continuava esticado sobre a boca.

Quando eu ia acendendo a luz, ele saltou na minha direção e, agindo por reflexo, agarrou-se às minhas pernas. Desisti. Eu teria perdido a paciência com o meu irmão sonâmbulo, se não fossem as risadinhas. Eram risadas em miniatura. Rebentavam em diversos pontos da cozinha: nos basculantes acima das portas; nas fendas entre os rodapés e as paredes; nas cubas das torneiras.

O meu irmãozinho rolava pelo chão enquanto ria aos espasmos; eu nunca tinha visto nada parecido. Eles podiam ser encontrados em pequenos grupos - ou bandos - e nunca ultrapassavam o tamanho de um botão; estavam reunidos conforme o sexo, a idade, o tipo de nariz. A cozinha estava coalhada desses pequenos seres que abriam e fechavam os braços, enquanto faziam caretas para exibir minúsculos objetos: foices, espadas, flautas.

Nas noites seguintes, o Tota chamava-me sempre por volta da mesma hora, assim que notava a chegada deles. O corredor, a sala e, finalmente, a cozinha - apenas eu e ele.

Durante o dia eles sumiam e levavam, para onde quer que fossem, tudo que lhes pertencia. O Tota passou a chamá-los por Bliques. Eles atendiam, delicadamente; e passaram a usar entre si o apelido criado pelo meu irmão os Bliques. Depois que eles começaram a aparecer no nosso quarto, na sala, no corredor, deram para nos contar histórias curtas que se passavam no quarto de nossos pais; dentro do elevador; na banheira do vizinho.

Os Bliques estão se espalhando em grande velocidade e infiltram-se em todas as paredes disponíveis: onde ainda não exista uma legião deles vivendo.

Neste momento, por exemplo, há centenas deles te espiando - pelas pequenas gretas; pelas frestas; pelas escavações inscritas nas paredes.
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