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cronicas-->Dentro da gente (*) -- 11/09/2009 - 16:32 (Benedito Pereira da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dentro da gente (*)


O diabo vige dentro do homem, nos crespos do homem, já dizia Riobaldo. Os encrespados plantadores de soja, os criadores de gado, os exploradores da madeira pra fazer carvão estão devorando o cerrado - aquele do Grande sertão do Rosa. A ganància da soja e do gado e do carvão já comeu mais da metade da mais rica savana do mundo. Triturou vegetação, espantou os bichos, sujou as águas numa velocidade nunca dantes vista nem na Amazónia, nem na Mata Atlàntica.

O cerrado não é exibido. Esconde sua beleza na vastidão alta e plana de suas terras e lá de cima envia águas para as três principais bacias hidrográficas do país. O cerrado é ao mesmo tempo imenso e tímido: discretas nascentes derramam suas águas em três direções diferentes, Planalto Central abaixo, no rumo do restante do país.

Riobaldo vai nos guiando pelo cerrado: "Lhe mostrar os altos claros das Almas: rio despenha de lá, num afã, espuma próspero, gruge; cada cachoeira, só tombos. O cio da tigre preta na Serra do Tatu - já ouviu o senhor gargaragem de onça? A garoa rebrilhante da dos Confins, madrugada quando o céu embranquece - neblim que chamam de xererém".

Muito antes de o Rosa acompanhar uma boiada pelo cerrado mineiro, em 1952, e desses 10 dias de tropeiro escrever uma das obras-primas da literatura brasileira, bem antes mesmo, o cerrado tinha dono. Pertencia aos xavantes, aos avá-canoeiros, aos krahós, aos xerentes e a outros povos que foram exterminados pela "cruez" do homem branco, pra usar mais uma palavra do intrincado vocabulário de Riobaldo e de seus parceiros no Grande sertão do Rosa.

Mortos ou acuados pelo homem branco, os índios foram rareando no cerrado. Passaram a dividir a infinitude de chão com os quilombolas, os sertanejos, ribeirinhos, tropeiros, com moradores das várzeas e dos gerais e com os jagunços que foram parar no livro do Rosa. Povos que durante séculos habitaram o cerrado muito longe da civilização urbana. Viveram esquecidos do Brasil litoràneo, habitando um país colonial, cortando o caminho dos bichos da terra, admirando os bichos do céu, espreitando os bichos das águas. E inventando um Brasil cerratense.

O cerrado abriga 837 espécies de aves, 195 de mamíferos, 180 de répteis e 113 de anfíbios. Só de plantas, são 12 mil espécies, e dessas metade é nativa da savana brasileira. O cerrado tem bicho, mas tem cultura também. Os povos que nele vivem há séculos e séculos amém cultivaram crenças, conhecimentos, rituais, desenvolveram danças, músicas, comidas, artesanato (Rosa dá notícia de balsa feita de talo de buriti descendo o Rio Pacatacu!).

De tanto viver escondido dentro de si, o cerrado ficou tímido. Muita gente ainda acha que ele não passa de uma extensão de terra sem paisagem, sem história e sem cultura, como se dizia no tempo da construção de Brasília. Tolos, esses.

Quem se deixou encantar pelo cerrado sabe que ele também é dentro da gente e é do tamanho do mundo. Mas pode morrer nos crespos dos homens.


_______
(*) Por Conceição Freitas (CB, 11/09/09, Cidades, Crónica da Cidade, p. 26)
conceicaofreitas.df@diariosassociados.com.br







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