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cronicas-->Minha moto -- 30/03/2001 - 23:19 (Anizio Canola) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Naquela linda manhã, de céu azul, senti o maior enlevo pela minha moto Honda CG-125. Na verdade, não me lembro dantes, de haver demonstrado tal intensidade de carinho, pela companheira de tantas jornadas. Sucede que o momento era especial. Um gostoso reencontro após cinco anos de dupla inatividade. Habilitado há dez anos, deixei-a de lado por causa de um grave problema pessoal de saúde. Sem grandes ilusões de vida, dado aos diagnósticos sombrios, mesmo assim mantive a máquina impecável, esse tempo todo. Parece estranho alguém, que teve o lado direito do corpo totalmente paralisado, ter tanto desvelo com algo que talvez não mais pudesse usar. Negócios em penca apareceram, mas a moto azul permaneceu guardada. Em gratidão aos seus bons serviços, sei lá... Licenciamento em dia, revisões na Turbo Moto, que gentilmente a buscava em casa para isso, e a devolvia no "ponto". Para mas um ano de espera...
Os desígnios divinos são insondáveis. Sofri derrame cerebral, com mínimas chances de sobrevivência. É verdade que recebi atendimento médico nota dez. Mas isso não seria suficiente. Então aconteceu o milagre, por exclusiva disposição divina. Não sei o que fiz, para merecer tal graça. Nem se a férrea resignação pelo sucedido importou alguma coisa. Nunca me rebelei contra Deus. Entendo que a vida não nos pertence. Não podemos controlá-la. Deus a dá, e a tira de nós, como melhor lhe aprouver.
Comecei o longo caminho de volta, reconstruindo a vida tijolo a tijolo. Pacientemente, sem nunca me exasperar. Louvando a Deus, a cada novo sucesso. As coisas mais simples do cotidiano passaram a ter imenso valor. Tudo que normalmente fazemos, sem refletir na grandeza do momento. Porém é indescritível a alegria por voar novamente. A vida ganha sabor em cada gesto ou no movimento mais trivial. Na sobrevida já experimentei ocasiões extraordinárias. Que curto com toda emoção, sempre grato pela complacência com que Deus me distinguiu. Esta a razão do meu contentamento na manhã de setembro, quando me aproximei da minha moto azul. Um teste decisivo para ela, e para mim especialmente, realçando a gostosa volta à vida rotineira.
Precisei acionar o pedal da partida três vezes. Insegurança, receio, depois a ação firme. Que emocionante senti-la com vida também. No roncar suave do motor, no pisca-pisca das sinaleiras, na resposta imediata dos comandos. Certa feita ouvi num circo:
- "Amar é como andar de bicicleta. Quem aprende, passe o tempo que passar, nunca mais esquecerá como faz". Andar de motocicleta é a mesma coisa, o sentido de equilíbrio é semelhante. Tem sido palpitante redescobrir as emoções sobre duas rodas. Não é exagero, às vezes tenho impressão que a moto está feliz pelo meu retorno. Leva-me com suavidade e firmeza pelas ruas e avenidas da cidade. Parece-me orgulhosa pelo seu estado de conservação. Da geração 1982, rivaliza em beleza com as mais novas. Sinto-a rodando toda fogosa pelos caminhos que ela conhece bem. Acreditar na alma das coisas, ou principalmente na possibilidade de alcançar o impossível, depende de cada um. Um bom começo é aceitar com resignação as provações da vida. Eventualmente poderão advir alegrias no mesmo diapasão. Dependendo do que estiver traçado pelo seu destino...




















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