NERUDA
Um dia como outrora, não esse
de folhas sem fôlego sobre as janelas
e olhos cabisbaixos apodrecendo
suas seivas como se estivéssemos
diante do fim dos tempos.
Em que noite sonha agora
teu coração qual fruto despencado,
de que matéria é teu dia?
Grandes são os navios,
maior é o mar
- toda água é a mesma.
Um país se faz entre ossos
e aí esta o cálcio dos seus poemas,
um minério que desperta
e volve qual pedra que voasse,
que se atirasse contra rochedos
- é teu poema.
A desigualdade, a injustiça, a paixão,
esses elementos
Pablo
quer ver em forma de pão e luz,
mas entre papéis
o sol bebe a chuva
e se contempla
a imperfeição desse mundo,
a mais perfeita das imperfeições
quando as idéias se cravam no chão
e são raízes de pedras mudas.
Deus deve ter recitado
muitas vezes a Bíblia,
Deus deve estar cansado de eternamente
falar através das chuvas, dos trovões,
dos terremotos, dos vulcões.
Idéias e ideais,
Deus te deu um chão de uvas
e aqui estamos entre bagaços.
Um trem com olhos de cão
atravessa o céu, e nuvens
são paridas da chaminé da locomotiva.
Nuvens se transformam em carneiros
e saber onde fica a pólvora
não faz um revolucionário.
Um trem com olhos de cão
vai puxando a linha que divide
o dia da noite,
folhas quais seios de fêmeas
descem das árvores, acenam adeus
mas não vais partir.
Já chegastes antes, chegastes cedo,
estavas em Parral
sendo que cravavas no chão os trilhos
para que chegasse o trem.
Vagões carregados de flores
são distribuídos
por todas as Temucos reais e imaginárias.
Para que mais de vinte noivas
esta noite,
possam se saberem bem amadas,
mais de vinte vezes,
deverão ser lidos:
"vinte poemas de amor e uma canção desesperada",
por todas as Temucos reais e imaginárias.
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