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Contos-->O BAR DO BADOGUE -- 26/07/2021 - 15:56 (Roosevelt Vieira Leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O Bar do Badogue

Por ROOSEVELT VIEIRA LEITE

Na cidade de Campos sempre houve muitos bares. Diz o povo que Campos tem mais bares que farmácia. Todavia nenhum bar se iguala ao famoso bar do Badogue no conjunto irmã Dulce. As pessoas que frequentavam o Badogue comentavam que lugar como aquele só no paraíso. “Ah, o bar do Badogue é 100%”. Este era o comentário da maioria do povo que andou por lá. Até hoje as pessoas sentem saudades dos anos noventa e oitenta por causa do Badogue. Somente as mulheres casadas reclamavam do lugar: “Aquilo é uma perdição”.

O Badogue servia de tudo. Caldinho de feijão, moqueca, rabada, buchada, batata frita e aquela cervejinha gelada no ponto com carne assada. O Badogue se localizava numa esquina com visão panorâmica da praça principal do conjunto. Sua freguesia era formada na maioria por homens casados que levavam suas namoradas para passear. Por esta razão a vizinhança ficava à espreita nas portas das casas para ver quem chegava. Certa feita uma senhora da sociedade fora buscar seu marido. Ocorreu uma grande confusão com direito a briga e puxões de cabelo.

Muita gente boa andou pelo Badogue. Seu Clemencio da padaria por exemplo era um avido frequentador do lugar. Raimundinho da farmácia boa saúde era outro que sempre estava por lá. Toninho do Badogue, o proprietário do lugar era uma pessoa discreta e gentil. Atendia a todos bem e fazia amizade com todo mundo. Só tinha uma coisa que ele não gostava – o fiado. Ele dizia que fiado era coisa do diabo; se perde o freguês e a mercadoria. Toninho faleceu em dois mil e dois, vítima de uma cirrose violenta.

Aos sábados à tarde o Badogue estava repleto de pessoas. Na grande maioria homens, mas também havia mulheres. O Badogue tinha um lugar, um pouco pequeno, mas dava para dançar. A música, as risadas, as anedotas e a alegria geral fazia do Badogue realmente um paraíso nos finais de semana. Embora fosse um Bar localizado numa região suburbana, a sociedade gostava de frequentar. A noite os casais clandestinos faziam a farra. O Badogue dispunha de alguns quartinhos para atender à necessidade dos casais.

Lembro-me de uma vez que estive lá. Minha pessoa solitária estava ociosa. Havia passado o dia inteiro sem fazer nada. Esta é a sorte dos aposentados – não fazer nada. Minha mulher falecera de infarto em noventa e três. Por isso minha rotina diária era o rádio ou a televisão, ou jogar xadrez com alguns amigos. Era uma segunda feira quando tomei o carro e segui para o irmã Dulce. O Bar estava quase vazio. A música de Alceu Valença enchia o lugar e me convidava para uma cervejinha bem gelada. Pedi uma gelada e fiquei no meu canto a pensar e ver o movimento.

Uma mulher nos seus trinta e cinco anos entra sozinha no bar. Isto arrastou o olhar das pessoas na direção dela. Aquela era uma mulher muito bonita. A ilustre figura vestia vermelho. Era uma peça só, um vestido vermelho muito elegante. A mulher usava calçado preto e bolsinha preta também. A moça senta em uma mesa vazia, cruza as pernas, acende calmamente um cigarro, e pede ao atendente para trazer uma dose de Martini. A mulheres, poucas, aliás, olhavam de instante em instante para a deusa de Vênus que acabara de chegar. Os homens também se sentiram, digamos “incomodados” com a figura bela. A mulher era alta, branca; tinha cabelos castanhos bem cuidados caídos sobre os ombros. O vestido da bela deusa, permita me dizer, desenhava seu corpo bem talhado pelas mãos do criador.

Um casal sentado a dois metros da deusa começa a discutir. “Eita, vai ter barraco aqui”. Pensei comigo mesmo. A mulher do moço reclamava que ele não tirava os olhos da ilustre figura. Aos poucos a voz do casal vai se alterando, e ao mesmo tempo o bar vai caindo no silêncio absoluto somente a música e a discursão são ouvidas:

- Você não me respeita! Tenho vivido com você este tempo todo contra a vontade de meus pais. E você não me demonstra sequer o interesse de me assumir diante da sociedade. Marcos, sinceramente, o jeito é eu cair fora enquanto sou jovem. Você estava olhando sim seu vigarista!

- Tudo isso é imaginação da sua cabeça! Eu te amo, e vou resolver nosso problema, tenha paciência!

Na verdade, todo mundo queria saber quem era aquela mulher. Uns diziam que era alguém de Aracaju, uma vez que as mulheres de Campos não frequentam bares sozinhas. Outros diziam que já haviam visto aquela princesa em algum lugar. Zeca da loteria afirmou que a moça era uma encantada: “Aí, é uma encantada; nós estamos tendo uma visão – Eita mulher boa!”

A mulher estava quieta no seu lugar, e eu fazia o mesmo no meu assento solitário. Por um instante meus pensamentos foram ao passado. Pensava eu nos anos felizes com Angelina. Vi como que nós fomos sortudos, como a vida foi boa conosco e com nossos filhos. Vivíamos bem e viajamos bastante. A profissão de fiscal do estado me deu muitas oportunidades na vida. Angelina era professora, então, nos recessos docentes escolhíamos um lugar do Brasil para ir. A lembrança do passado me era um misto de alegria e tristeza porque os filhos ganharam o mundo cada um foi para o seu lugar, e eu fiquei em casa aqui em Campos. Meus amigos muitos já se foram e o que me resta de prazer é o tabuleiro velho de xadrez que fora de meu velho pai. A lembrança do passado me deixou distraído e nem percebi quando a dama de vermelho se sentou a minha mesa e acendeu um cigarro. Ainda distraído ouvi uma voz doce dizer meu nome: “Antônio”.

Meu coração acelerou. Pensei que teria um infarto.  Por um momento estive sem voz, sem palavras. Então a moça continuou: “Você é Antônio, não é?” Um pouco gaguejando disse uma só palavra – sim. A mulher puxou assunto. Falava do comercio de Campos e da forma como os funcionários são tratados – eles nem assinam a carteira! A mulher expunha suas opiniões como que soubesse a minha antiga profissão. Enquanto conversávamos, nossos olhos se encontravam de instante em instante e posso dizer com toda verdade do mundo – aqueles olhos eram os mais belos olhos azuis que eu já vira em toda a minha existência. Com o tempo fiquei mais calmo e comecei a fazer perguntas a jovem dama:

- O que é que uma moça linda e distinta como você faz aqui no Badogue?

- Obrigado pelo elogio, sinto que foi verdadeiro. Bem, as mulheres são criaturas da noite também. Não vejo uma razão racional para não viver minha vida com a mesma liberdade dos homens.

- Mas, você não teme ser falada? Coisa assim?

- Não. Os homens falam porque se sentem mestres das mulheres. Eles dividiram o mundo das mulheres em mães e mulheres da rua. Para eles as mulheres da rua são livres e as mães são suas escravas. Não vejo assim. Para mim a mulher é um ser humano que sente, deseja, sonha.

- Eu nunca tratei minha mulher como escrava.

- Bem, eu não sei. Mas isso depende de seu conceito de escravidão. Quem sabe você tenha sido um bom homem.

Nós dois conversamos e não percebemos as horas passarem. Mergulhamos num mundo de empatias e simpatias. O bar do Badogue tinha uns quartinhos nos fundos. Fomos para o quarto. Eu nem sonhava que isso fosse acontecer. A figura delicada se sentou na cama e disse: “Eu amo meus homens como quero e quando quero”. Aproximei-me da criatura divina. Tirei seus sapatos e seu vestido e ela fez o mesmo comigo. Nos amamos muito, muitas vezes. Senti-me um homem jovem, forte e cheio de vida. Adormecemos juntos por uns segundos e quando abri meus olhos virei de lado para vê-la e toca-la novamente. O lugar estava quente de seu corpo, mas vazio. Troquei de roupa rápido e corri para o bar na esperança de ainda a ver novamente, mas não tive sucesso. Corri de volta para o quarto “Quem sabe ela esteja no banheiro”. Nada, tudo vazio. Contudo sobre a cabeceira da cama ela deixou uma rosa vermelha e um pedaço de papel com uma inscrição: “A dama da noite”. Ninguém no bar viu a mulher sair. Aquela figura misteriosa e bela simplesmente evaporou, sumiu...

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