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Contos-->A MORTE DO VENDEDOR AMBULANTE -- 27/07/2021 - 10:04 (Roosevelt Vieira Leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

A MORTE DO VENDEDOR AMBULANTE.



Muitas pessoas de Campos sobrevivem vendendo roupas. Muitos têm loja, outros vendem na feira, e outros vendem viajando pelas cidades e povoados. Esse era o caso de Germano da Silva. Germano da Silva, ou apenas Da Silva nasceu em Campos na época em que a feira da Coruja era uma das mais importantes feiras do Nordeste. A Coruja atraía pessoas do Brasil inteiro e isso fazia Tobias virar um formigueiro humano. Mas nem todo mundo tinha condições de colocar uma loja. Por isso Da Silva ganhava a vida vendendo roupas pelo mundo a fora.



Da Silva conhecia muita gente. Gente de todo tipo, de toda matriz. Uma dessas pessoas era um baiano chamado João Carlos Aleluia, ou apenas João Aleluia. João Aleluia era um evangélico que andava pelo mundo anunciando a volta de Cristo. A cada palavra dita Aleluia dizia bem alto “aleluia”. Da Silva, certa feita, viu uma mulher se assustar e derrubar as compras no chão com o aleluia de João Aleluia. No dia em que ele faleceu Campos ficou de luto, pois, a cidade inteira gostava das palhaçadas evangélicas de Aleluia. A Avenida Sete de Junho ficou repleta de pessoas para ver o carro de som com uma gravação em homenagem ao ilustre baiano. A gravação dizia assim: “Jesus está voltando, ALELUIA!”  O aleluia era tão alto que o povo caía na gargalhada mesmo diante do esquife do cidadão.



Bem, como minha pessoa dizia, Da Silva viajava muito. E um dos lugares frequentemente visitado por ele, era a Vila de Samambaia. Da Silva rodava a vila inteira com sua picape que tinha um alto falante na capota. A gravação dizia: “Cama, mesa e banho; temos também calcinhas de todo tipo e de todo tamanho”. O carro rodava o povoado inteiro e as pessoas aglomeravam quando ele parava para atender alguém. Assim, Da Silva ganhava a vida.



Da Silva era um sergipano descendente de índio com português. Era um homem de estatura média, olhos esverdeados, cabelos negros e lisos. O maior problema de Da Silva além da labuta pela vida era seu peso corporal. O homem era gordo. Da Silva pesava cento e quarenta quilos e não parava de comer. Muitas foram as vezes que Da Silva xingou a mãe de alguém por alguém gritar: “Da Silva baleia!”  O caboclo campense fazia suas refeições no pequeno restaurante de Jovino que ficava defronte à escola municipal. “O de sempre Jovino”. Era o que Da Silva dizia para seu amigo de anos. Pouco tempo depois vinha o prato feito com muita carne do sol, arroz, feijão, macarrão, verdura e uma cerveja bem geladinha. Isso ocorria com frequência no mesmo horário – às doze horas quando o sino da igreja tocava as badaladas do meio dia.



Depois do almoço, Da Silva dava uma segunda volta pelo povoado e parava seu carro na praça da igreja. Nesse momento, seu alto falante tocava músicas cristãs. O povo vinha ao carro, na maioria mulheres para comprar calcinhas e outras coisas. Era nesse momento que a conversa rolava por isso o pobre Da Silva sabia da vida de todo mundo. Da Silva sabia quem morreu, quem teve criança, quem vendeu, quem comprou, quem foi traído, e quem fugiu para casar. Muitas foram as vezes que o caboclo tobiense deu conselhos a velhos, jovens, e até fugitivo da justiça. Só tinha uma coisa que Da Silva não suportava – o chamarem de baleia ou de corno, este segundo nome o deixava completamente fora de si e quando diziam: “Baleia corno” a pressão do homem subia, os olhos arregalavam e as mãos tremiam. Houve um dia que Da Silva teve tanta raiva que o coro da barriga rachou. Um rapaz baixinho que parecia um anão gritou em alto e bom som: “Da Silva um dia vai explodir!”



Na festa da padroeira de Samambaia. Nossa Senhora da Boa Viagem. As mulheres solteiras e casadas queriam comprar roupas novas. Da Silva foi cedo para a vila e decidiu ficar até de tardinha para participar da festa. O povoado estava lotado de gente de todos os cantos de Campos. O Monsenhor Luís Toledo rezaria a missa e acompanharia a procissão. O prefeito Dimas de Souza chegou cedo ao povoado. Os bares, restaurantes, ruas e becos estavam repletos de cavalos, carros e bicicletas. A Vila de Samambaia é o povoado mais antigo de Campos. Alguns discordam disso e atribuem esse título ao povoado Jabiberi. A procissão contempla quase todas as ruas da Vila de Samambaia. Quando a santa passa, o povo a recebe com velas acessas nas portas de suas casas. É uma festa muito bonita e de grande devoção. Da Silva não acreditava em nada, no entanto, não perdia uma festa religiosa para vender seus produtos. Dona Maria dos Anjos foi comprar roupas para sua gente. Da Silva a recebe como de costume:



- Olha quem vem aí! A velha freguesa do caboclo velho! Como vai dona Maria?



- Seu Da Silva eu queria saber, eh, eu sei que o amigo não vende fiado. Mas hoje é um dia diferente. O amigo me vende umas calças para mim pagar de hoje a quinze? Da Silva coçou a cabeça. Pensou por um instante, e decidiu fazer a caridade. Isso ocorreu diversas vezes até que o caboclo velho resolveu pisar o pé com um não:



- Não senhora, não senhora! Já vendi fiado demais, coisa que eu não faço. Nossa senhora da Boa Viagem me perdoe, mas não! A freguesia foi se retirando para suas casas, pois a festa estava quase começando. Dona Conceição, uma velha cliente, convidou Da Silva para comer carne do sol com macaxeira: “Não deixe de ir não! Será uma alegria para nós seu Da Silva”. Da Silva arrumou as coisas pegou o carro e dirigiu até a casa de Conceição. A casa era um casarão quatro águas localizado na praça principal do povoado. Dona Conceição nas suas prosas comenta que mora defronte ao céu: “Graças a Deus eu tenho a minha casinha aqui na frente da igreja. No dia que eu não posso ir para a igreja eu assisto a missa de cá. Eu moro é de frente para o céu”. A casa estava arrumada com mesas nas varandas do seu entorno. Os cavalos amarrados defronte a residência, e os carros estacionados eram um sinal que havia festa na casa de Conceição.



Da Silva foi muito bem recebido. Conceição serviu uma travessa de carne de boi cozida, uma travessa de carne do sol assada e jabá. O prato de macaxeira acompanhava pão, café com leite e sobremesa de doce de leite. Da Silva comeu tudo e repetiu mais duas vezes até se sentir saciado. Na verdade, Da Silva comeu além de sua conta pois, o normal do homem era repetir somente uma vez. As pessoas na casa de Conceição falavam sobre tudo. A festa da santa realmente mexe com a cabeça da população. Em uma das mesas as pessoas conversavam em voz alta sobre o fim do mundo: “Rapaz eu assisti na televisão que o mundo vai se acabar agora no ano dois mil”. “É verdade, a igreja diz isso sempre que o mundo está para se acabar”. “Que nada rapaz quem morre são as pessoas o mundo continua aqui”. “Sei não”. “As coisas estão caras demais. E a violência campeia”. “Bicho, desde o começo do mundo que tem violência”. Da Silva ouvia tudo sem interagir com ninguém, aqui e ali aparecia alguém para trocar um dedo de prosa: “Rapaz, está gostando?” “Vai ficar para a festa da santa?” Da Silva com o respeito de sempre respondia a todos: “Vou”.



Dona Conceição se senta com Da Silva para um dedo de prosa:



- Da Silva nunca se casou não foi?



- É, dona Conceição, já tive mulheres, mas nunca tive sorte com elas, ademais, o trabalho me ocupa de mais o tempo.



- Mas seu Da Silva está na hora de arrumar uma pessoa. O amigo está ficando velho.



- É, dona Conceição eu estou pensando muito nisso estes dias.



- É, homem, arrume uma moça aqui do povoado. Aqui tem tanta mulher da sua idade solteira. Meu marido diz que Samambaia é a terra das vitalinas.



- Quem sabe, dona Conceição! O rosto de Da Silva avermelhou e, subitamente, o homem teve soluço. Era um após o outro initerruptamente. Conceição correu para pegar água e o deu. O caboclo de Campos bebeu a água e o soluço cessou. “Agora o amigo velho quer um cafezinho preto quentinho tinindo?” “Ora, se não minha amiga”. Da Silva bebeu o café e caminhou em direção a igreja, pois, a procissão se preparava para sair. A banda tocava, e o povo cantava hinos a Maria. O cortejo da santa finalmente sai. Foguetes estalam no céu; era o início do sagrado evento.



O cortejo levava a santa na frente seguida pelos padres, párocos e autoridades. O prefeito Dimas com sua comitiva os acompanhava logo em seguida. Da Silva estava com dona Conceição e família no meio do cortejo; nem no fim, nem na frente. Da Silva vez ou outra dava um soluço, mas, marchava adiante junto com todos. O povo inebriado de fé cantava e soltava foguetes aqui e ali. “Maria, Maria, Maria de Nazaré. Salve Nossa Senhora da Boa Viagem!” Uma verdadeira multidão enchia as ruas por onde o cortejo passava. Era gente de Campos, da Boiadeira, Capitoa, Jacaré, Curtume, Brasília, Monte Coelhos, Pilões, Riacho Fundo, Saquinho, etc. Na verdade, a festa de Samambaia era uma festa por demais cortejada pela população de Tobias Barreto.



Da Silva sente uma cólica aguda no estômago. Em seguida o soluço recomeça. Dona Conceição, ao seu lado, o confortava dizendo: “Com fé em nossa Senhora vai passar seu Da Silva”. O cortejo prosseguia cruzando ruas e entrando em becos; o povo cantando e saudando a virgem dos céus em pé nas calçadas. Mas o soluço do homem não passava. Dona Conceição o confortava com as mesmas palavras: “Com fé em nossa Senhora vai passar seu Da Silva”. As cinco e trinta da tarde o cortejo estaciona defronte à igreja. Este era o momento mais importante; o momento em que o Monsenhor recebe a santa que era uma pequena imagem de gesso bem trabalho.  O povo faz silêncio, o pároco vai falar. Mas o soluço de Da Silva se torna incontrolável e alto. As pessoas começam a perceber que estava havendo algo errado. Da Silva é socorrido com tapinhas nas costas. Mas os soluços continuam ainda mais cruéis. O monsenhor inicia sua homilia de recepção da imagem da santa. Mas da Silva não parava. Uma senhora magrinha de cabelos presos lhe oferece água mineral, mas, o homem nem consegue segurar a garrafa. De repente, Da Silva abre os braços, arregala os olhos como se fosse dar um grande soluço. Da Silva explode, ou melhor, sua barriga explode expelindo todo o seu conteúdo sobre as pessoas. As pessoas assustadas e em pânico correm, gritam, pisam nas outras fugindo do corpo caído de Da Silva. O vendedor ambulante morreu assim. Não deixou herdeiro. Nem muita coisa para contar...


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