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Cronicas-->BUSCANDO O NINHO DO TÚMULO PELO PRÓPRIO PÉ -- 13/01/2010 - 00:57 (João Ferreira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
BUSCANDO O NINHO DO TÚMULO PELO PRÓPRIO PÉ
João Ferreira

I
A Ermelindinha contou-me há dias, aqui no Porto, uma história sobre defuntos. Devo
confessar que não sou muito atraído por este tipo de narrativas mas o insólito humorístico
me chamou a atenção e pensei em colocar a história contada pela Ermelindinha num texto
de ficção da Internet.
Só que ao ouvir a história na capital portuguesa do Norte não tive como deixar de me lembrar daquele conto de Lima Barreto chamado "Os enterros de Inhaúma", onde o talentoso escritor
fluminense destaca o que aconteceu num cortejo fúnebre vindo das bandas de Engenho Novo, no Rio, quando chegou na rua José Bonifácio. Era um cortejo acontecido no primeiro quartel do século XX.
O conto diz que o carro mortuário seguia na frente e acompanhavam-no seis ou oito caleças ou meias caleças com os amigos do defunto. Acentuando que o cortejo seguia por uma estrada muito ruim e irregular, Lima Barreto dá-nos este detalhe de rara beleza humorística: "Na altura da estação de Todos os Santos, o cortejo deixa a rua Arquias Cordeiro e toma perpendicularmente, à direita, a de José Bonifácio. Coche e caleças põem-se logo a jogar como navios em alto-mar tempestuoso. Tudo
dança dentro deles. O cocheiro do carro fúnebre mal se equilibra na boléia alta. Oscila da esquerda para a direita e da direita para a esquerda, que nem um mastro de galera debaixo de tempestade braba. Subitamente, antes de chegar aos "Dois Irmãos", o coche cai num caldeirão, pende violentamente para um lado; o cocheiro é
cuspido ao solo, as correias que prendem o caixão ao carro, partem-se, escorregando a jeito e vindo espatifar-se de encontro às pedras; e - oh! terrível surpresa! do interior do esquife, surge de pé - lépido, vivo, vivinho, o
defunto que ia sendo levado ao cemitério a enterrar. Quando ele atinou e coordenou os fatos não póde conter a sua indignação e soltou uma maldição: "Desgraçada municipalidade de minha terra que deixas este calçamento em tão mau estado! Eu que ia afinal descansar, devido ao teu relaxamento volto ao mundo, para ouvir as queixas da minha mulher por causa da carestia da vida, de que não tenho culpa alguma; e sofrer
as impertinências do meu chefe Selrão, por causa das suas hemorróidas, pelas quais não me cabe
responsabilidade qualquer! Ah! Prefeitura de uma figa, se tivesses uma só cabeça havias de ver as forças das minhas munhecas! Eu te esganava, maldita, que me trazes de novo à vida!"

II

Até aqui, Lima Barreto. O fato é que, pela vida fora, a gente vai ouvindo histórias de todo o tipo. E quando pensamos que nosso repertório está completo e não há mais novidade sobre a terra surgem histórias novas que chamam nossa atenção. Como esta que vou contar. Da maneira que a Ermelindinha passou para mim.
Estava conversando numa roda em sua habitação muita próxima ao Prado do Repouso, na rua Rodrigues de Freitas, na cidade do Porto, em Portugal, quando a propósito de funerais alguém comentou a formalidade, a atenção, o luxo e os
gastos com que hoje se tratam os mortos das famílias mais abastadas, em contraste com tanto abandono de pessoas queridas que ficam privadas dos cuidados mais elementares em sua despedida da comunidade em que viveram.
O funeral é feito com respeito e categoria, são convocados os amigos, são feitas as exéquias formais com missa de corpo presente na igreja e depois há o cortejo fúnebre para depositar o corpo numa urna ou num túmulo de família, com corbelhas de flores e vasos traduzindo a saudade. Semanalmente, a viúva ou pessoa de família vão arranjar o túmulo e colocar
novas flores para marcar publicamente e no coração a saudade do finado.Uma tradição secular para dizer que os mortos fazem parte de nossa lembrança e carinho, de nosso coração.
A Ermelindinha cuida do túmulo da família toda no Prado do Repouso:
faz a limpeza semanal e coloca flores diferenciadas para homenagear e lembrar os mortos da família.
Pois no meio da conversa, quando se relatava o caso contado por Lima Barreto, a Ermelindinha disparou com esta curiosidade extraída de uma narrativa popular:
-Agora é diferente a maneira rspeitosa de tratar os mortos. Mas há quem diga, a sério ou a brincar, que os mortos não iam para o cemitério com esse cortejo solene e essa piedade que se usa hoje.
-Então como é que era?
-Dizem por aí que noutros tempos era costume ligar um aparelho aos ossos do defunto e ele já sabia o que tinha que fazer. Punha-se a caminho e ia andando... e já sabia para onde. Aos poucos descobria o caminho do cemitério e ia andando, a pé, para a sua definitiva casa de repouso, e chegado lá procurava o lugar disponível mais confortável que achasse para ficar.

Porto, 13 de janeiro de 2010
João Ferreira
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