A cada ano, no início de junho, multiplicam-se as ofertas, as mensagens, os artigos sobre o namoro e o amor. O apelo é, antes de qualquer coisa, comercial. Desde 1949, quando começou a ser comemorado no Brasil, a partir de uma campanha idealizada pelo publicitário João Dória para as lojas Clipper, o Dia dos Namorados tem a marca do comércio. A data foi escolhida por ser véspera do dia do casamenteiro santo Antônio, que ocorre num mês em que era fraco o movimento para as lojas. Desde o século 17, ela é celebrada por ingleses e franceses em 14 de fevereiro, dia do também casamenteiro são Valentim. No século seguinte, os norte-americanos aderiram à comemoração. O dia de São Valentim ocorre um dia antes dos lupercais, festival romano que homenageava a deusa Juno, da Fertilidade e do Casamento, e o deus Pã (também chamado Luperco), da Natureza. Além disso, na Idade Média, o 14 de fevereiro era considerado o primeiro dia do acasalamento dos pássaros no Hemisfério Norte.
Muito conhecida é a canção em que Djavan comparou o amor com “um lobo correndo em círculos / para alimentar a família”. Caetano Veloso protestou que o excesso de canções sobre o tema “é o abusar de um / santo nome em vão / ou a santificação de uma banalidade”. De qualquer forma, estes são tempos bicudos para o amor, com o individualismo acerbado, os interesses econômicos ditando o conteúdo das relações, a desconfiança e o alerta constante diante de outros indivíduos. “O tempora! O mores!” (Ó tempos! Ó costumes), exclamou o imperador Cícero, referindo-se ao período em que seu adversário Lucius Sergius Catilina perpetrava atentado e traições.
Karr escreveu que “o romance é a história eterna do coração humano. A história fala-nos dos outros, o romance fala-nos de nós mesmos”. À cultura escravagista grega pertenceu o amor platônico. “Amor cruel, a que não levas os corações humanos!”, registrou Virgílio, em “Eneida”. O amor romântico ou cavalheiresco pertenceu à cultura feudal. “... o amor, que move o sol, como as estrelas”, registrou Dante, no “Inferno”. Já o amor apaixonado é a marca da época burguesa. “O amor é a única paixão que não admite nem passado nem futuro”, perpetrou Balzac, tratando esta época como a suprema e definitiva.
Proliferam, na atual sociedade, os casamentos de interesses entre exploradores, casamentos de conveniências entre explorados... Envolvidas em relações sociais que privilegiam o êxito financeiro, as pessoas vivem sem ternura. Voltam-se, então, para as novidades industriais, para as crendices, para o sentimentalismo de filmes e novelas que pintam na imaginação os amores que não podem experimentar na vida vazia, monótona, improfícua que lhes é impingida. A vida, carregada de incontível necessidade de amor, torna-se hostil aos sentimentos humanos. “Luz, quero luz!”, brada Chico Buarque.
No “Amor nos tempos do cólera”, García Márquez coloca os personagens Florentino e Fermina num navio, afastando-os do ambiente que lhes impedia o relacionamento amoroso. Para dar vazão aos seus sentimentos, os personagens fogem do meio em que viveram. O mesmo acontece com o oleiro e família de “A caverna”, de José Saramago. Vivemos numa sociedade que não dá espaço nem mesmo para os sentimentos que ela mesma desperta. É a tragédia de um tempo em que só tem valor o que é mercadoria. Uma sociedade que precisa ser transformada.
O filósofo alemão Friedrich Engels, em “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, apontou a superação da sociedade dividida em classes e a construção de uma nova organização, socialista. Ele considerou: “Se o matrimônio baseado no amor é o único moral, só pode ser moral o matrimônio onde o amor persiste. ... Assim, pois, o que podemos conjeturar, hoje, acerca da regularização das relações sexuais depois da iminente supressão da produção capitalista é, mais que nada, de ordem negativa, e fica limitado, principalmente, ao que deve desaparecer. Porém, o que sobreviverá? Isso se verá quando tenha crescido uma nova geração: uma geração de homens que nunca se tenham encontrado na situação de comprar com dinheiro, nem com a ajuda de nenhuma outra força social, a fidelidade de uma mulher; e uma geração de mulheres que nunca se tenham visto no caso de se entregar a um homem em virtude de outras considerações, que não as de um amor real, nem de recusar entregar-se a seu amante por medo das considerações econômicas que isso possa trazer-lhes. E quando essas gerações aparecerem, enviarão às favas tudo o que nós pensamos que deveriam fazer. Ditarão a si mesmas sua própria conduta e, em consonância, criarão uma opinião pública para julgar a conduta de cada um. E pronto!”
Carlos Lyra e Dolores Duran cantaram que existem os que “amam pra frente e nunca se esquecem / mas são tão pouquinhos que nem aparecem”. São estes que constroem o futuro. Que pode ser melhor...
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