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Contos-->O Camundongo Amigo -- 04/04/2000 - 11:47 (Lucky de Oliveira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Nos fins das tardes quentes de Cuiabá(MT), eu tinha como costume freqüentar um botequim próximo de minha casa, no bairro do Porto, perto do estádio Marechal Dutra. O calor dos infernos que fazia na cidade só era suportável com uma cerveja bem geladinha e conversa pra boi dormir com meus velhos amigos cuiabanos.
Sô Dito, como era chamado carinhosamente pelos chegados, era um deles. Podia chover canivete que às seis da tarde, impreterivelmente, ele surgia na esquina da rua Barão de Melgaço. Dito era moreno e de idade que nunca revelava, embora suspeitava-se que já tinha passado dos sessenta. Sua indumentária não mudava: bermudas, chinelas havaianas e camisa de algodão aberta que espremia uma respeitável e luzidia barriga.
Sô Dito era cheio de "causos". E junto com um barbeiro, um pescador, um jornalista e outros não menos "mentirosos", que dividiam mesa e a cerveja, então a conversa varava horas até chegar o momento de Sô Dito ir pra casa. Claro, os outros fregueses que ouviam nossas estórias faziam trejeitos e gestos de puro descrédito.
– Durmo sempre à meia-noite em ponto... – afirmava Sô Dito – Depois da visita do camundongo – completava.
– Camundongo? - estranhei.
– É. Ô bitcho danado! - exclamou no sotaque carregado da terra.
O cuiabano morava numa casa de meia-água, típica da cidade. Contam que tais construções agregadas, que remontavam ao século passado, facilitavam a defesa contra os ataques de índios bravios. Uma casa que da porta da sala vê-se o fim do quintal. O costume era dormir em rede. E Sô Dito não era exceção.
– O camundongo tchega de hora marcada. Onze e meia da noite. Quando tô pegando no sono. Tchega de mansinho no punho da rede, vem até meu dedão e começa a roer meu calo: rec, rec, rec! Aí, acordo, e ele desaparece num piscar de olhos – contou.
Todo dia, quando Dito chegava no boteco, perguntávamos como se tivéssemos combinado:
– E o seu camundongo, Dito?
O cuiabano resmungava um xingamento. Particularmente, achava que o problema do pequeno roedor estava tirando Dito do sério. Pelo jeito que ele narrava as visitas, deixava a entender que aquela relação era uma simbiose perfeita, que se rompida, assim, abruptamente, poderia trazer conseqüências amargas. Assim, eu imaginava.
– Agora ele passou para o pé esquerdo – dizia ele. E mostrava a prova do crime, com o dedão em riste. – Ainda pego este danado. Pode escrever aí, djornalista! – prometia.
– Pra que matar, Dito. Deixa o bichinho fazer o serviço de pedicuro, não está lhe custando nada! – provoquei.
– Ah, é? Pimenta nos zóio dos outros não arde, né? Rapei d ocê, tchapa!
Bastava Dito cair na rede e bocejar para deixar em alerta o ratinho. Quando o sono parecia tomar conta do corpo cansado, o bichinho chegava de mansinho equilibrando-se na corda que unia o punho da rede ao suporte na parede e começava: rec, rec, rec... Inexplicável era o fato do roedor ter escolhido justamente os calos dos pés do cuiabano para amolar seus dentes. Poderia muito bem derrubá-lo roendo as cordas.
Talvez, suspeitei, poderia ser o odor dos pés de Dito – como daqueles queijos franceses – que o atraía. Ou há outra explicação para tão inusitada visita noturna contada no relógio?
Dito foi ficando enjoado com a estória. Até que um dia avisou:
– Hodje eu mato aquele desgraçado!
De fato, aconteceu mesmo. Dito fez que dormiu. Armado com uma vassoura de cabo pelo meio, esperou a chegada do camundongo com a paciência de Jó. Onze e meia em ponto o roedor estava escolhendo o melhor ponto dos pés para começar o "serviço". Dito sentiu a coceirinha e o rec-rec característico da roedura. Então abriu os olhos, mirou bem na cabeça do bichinho e rumou a vassoura. Foi o fim do camundongo. Estava livre para sempre daquela amolação.
No dia seguinte, no bar, Dito contava orgulhoso o sucesso da caçada, ostentando, porém, uma seqüela: o dedão do pé inchado, pois que a lata da vassoura pegou em cheio a sua unha.
Esquecemos do camundongo. E a nossa conversa, regada a cerveja estupidamente gelada, continuou navegando pelos lares alheios e pela política, sempre sobrando imprecações e outros adjetivos para os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário de Cuiabá como do resto do país. "Uma corja...", concordávamos.
Mas, dias depois, Dito chegou e nos revelou que estava com um problema sério, uma insônia das bravas. Varava a madrugada de olhos abertos. Até consultou o médico. Nem calmante estava resolvendo, mesmo porque ele não era de tomar esses remédios alopáticos. E nem chá também!
– Caio na rede sempre no mesmo horário. Fico, assim, meio dormindo. E onze meia em ponto acordo e olho para os pés. Fico esperando o ratinho tchegar e nada. Não durmo mais! – choramingou.
Na verdade, o cuiabano tinha-se acostumado com a coceirinha e o rec-rec do camundongo nos seus pés, uma espécie de aviso prévio para ele ganhar o reino de Morfeu. Um relógio biológico do sono. E a partir daí, Dito sonhava em encontrar outro ratinho para restabelecer aquela simbiose e, claro, acabar com a insônia que lhe tinha acometido.
– "Pra quê fui matar o bitchinho...", lamentava-se.

Prezados leitores,

Este conto faz parte do bolsilivro que acabo de lançar (10/10/00) de uma tríade, custo de R$1,99, que pode servir de brinde para os amigos...Faça o pedido pelo e-mai: luckyoliver@bol.com.br.
Um abraço afetuoso a todos!

Lucky




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