Usina de Letras
Usina de Letras
145 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62184 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4758)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Infanto_Juvenil-->Contando de um outro jeito... -- 20/08/2006 - 11:12 (Heleida Nobrega Metello) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
CONTANDO DE UM OUTRO JEITO





A larva (lagarta) aguarda pacientemente o tempo certo de se apresentar à vida e ao mundo. Permanece comprimida e quietinha, num dos ovos que a fêmea, sua mãe, tinha depositado sobre aquele berço de folha.

No fundo, no fundo, sabe que embrião apressado é lagarta morta na certa.

Algo lhe diz que é uma pequena parte da natureza e que esta, logo que possível, lhe dará as explicações necessárias.

No entanto, a voracidade com que nasce chega a assustá-la. Devora toda a casca do ovo que a protege, além, é claro, de comer uma folha três vezes maior que ela em apenas alguns minutos.

Embora entontecida pelos acontecimentos percebe a natureza lhe soprar aos ouvidos:

- “E aí, gostou do que viu? Deseja sobreviver? Então, procure se manter desperta: abocanhe tudo o que puder do ambiente e vá guardando em seu próprio corpo. Essa reserva natural a deixará forte para enfrentar o que vem depois. Você pode durar de meses até um ano. Eis a razão pela qual vai ter que comer muito. Aliás, a sua vida é se arrastar por aí e comer. Comer e se arrastar, além, é claro, de se defender dos inimigos, como qualquer outro animalzinho. Preste atenção: quando sentir sinal de perigo, não hesite em usar a substância ácida e mal-cheirosa que pode queimar e afugentar os que ameaçarem devorá-la. Seu corpo produz essa substância esquisita. Não se preocupe. Você saberá quando usá-la. Foi o que aconteceu com seus antepassados, seus pais, tios, etc...”

Assim a lagarta segue seu caminho. Caminha, caminha... e pensa em como é triste o seu destino: dia após dia arrastar-se pela vida.

Nessa jornada de paciência, por inúmeras ocasiões perde sua pele. Contudo, isso não a assusta mais. Aprende no dia e na noite, nas andanças e ‘arrasta-pés’ que a cada pedaço que se perde vem um novo e por vezes, melhor e com roupagem mais forte e mais bonita (dentro do possível, é evidente, pois tem consciência de que seu aspecto não é lá nada de especial no que diz respeito à estética).

E continua a comer e se arrastar. A se arrastar e comer para ficar cada vez mais forte.

Precisamente naquela manhã em que acorda disposta a ir um pouco além do que suas curtas pernas lhe permitem e seus olhos podem enxergar, vê-se pendurada em meio a tênues fios e a montar um casulo.

E suas pernas? Onde estão suas pernas? Não as vê, não as sente mais. Está impossibilitada de andar. Sente saudades até de se arrastar.

Enquanto se lamuria pela súbita perda, sua pele é trocada pela última vez ao tempo em que imperceptivelmente tece seus fios. E eis que chega o dia em que se enterra ou constrói uma casinha com gravetos e fios. De uma forma ou de outra se fecha lá dentro e se demuda em uma crisálida ou casulo.

- “Estou morta, pensa ela. Sem pernas e morta, é isso.”
Mas como ainda sente o escasso ar que respira ergue seus olhos para o alto e indaga ao Criador:

- “O SENHOR afirma que ama todas as criaturas da Terra. Por que então me transforma em algo ainda mais asqueroso?”

Sem resposta e sem conforto, acomoda-se em sua nova e aterrorizante casa.

-“Como ALGUÉM pode amá-la e ao mesmo tempo obrigá-la a viver nas trevas. Não havia ela passado grande parte de sua vida arrastando-se pelos galhos, folhas, gramas, terras...? O que mais ELE pode esperar de mim.”

A lagarta se fecha para o ‘repouso’ (um outro tipo de morte aparente que a mãe natureza exige de algumas espécies da sua genealogia) sem sequer desconfiar que o destino lhe reserva uma surpresa e tanto.

Sabe que está trocando seus tecidos e que coisas estranhas estão acontecendo naquela casa sem portas e sem janelas, mas é só. Por vezes, ainda se enrosca em alguns fios de seda.

E assim, no silêncio, o segredo vai tecendo, tecendo, sem qualquer sinal de lufa-lufa e agonia.

Passa um dia e outros tantos...

Ao que parece, resta-lhe tão-somente esperar a verdadeira morte, porque em vida já se sente morta e enterrada dentre aqueles ternos fios.

Uma pequena claridade a acorda naquela manhã. Consegue vê-la por uma fissura que não existia até então. É manhã. Ela sabe, ela reconhece o cheiro do frescor das folhas e das flores. A abertura vai-se expandindo e com muito cuidado e dificuldade seu corpo quase que involuntariamente começa a sair daquele assombroso casulo.

-“O que mais pode surpreender-lhe além da morte”, pensa ela?

Esse é o instante mais trágico de sua história. Trágico porque a transformação gera dor, muita dor..

Ao mesmo tempo, daquela dor e daquele corpo que até então julgara ser o mais horrendo dentre todas as coisas da natureza emergem duas lindas asas multicores.

Inicialmente as asas se apresentam molhadas, envoltas em um líquido gosmento. Atônita, instintivamente ela busca o sol e estica esse corpo novo, essas asas deslumbrantes, como que para exibi-las para o mundo.

Por um instante, julga não ser capaz de realizar esse esforço. Um esforço imenso, esse de esticar as asas, mas necessário.

Finalmente, ela principia seu vôo. O esforço gradativo para abrir o casulo tinha tornado seu corpo forte o suficiente para esse milagroso momento.

E assim, ela começa a voar. Voa para um lado e para outro. Para frente e para trás, para a terra e para as nuvens.

Desvia do vento e do abalo frenético. Voeja serena em meio à brisa. Aprecia as cores, sente os aromas e sabores das flores. De uma flor à outra, veicula material genético. Pousa com delicadeza e distribui sorriso e sorte, segundo lendas do meu tempo. Descobre-se bela e rainha de qualquer floresta, bosque ou pequeno jardim. Busca seu par para poder reproduzir, como lagarta não pode fazê-lo. Descobre aí sua razão de existir assim como o seu curto tempo de vida: três dias, duas semanas e com muita sorte, um mero acaso, seis meses..

Olha para o céu e agradece ao Criador pelo inesperado e pela paciência.

Duas asas, somente duas pequenas asas para viver pouco como borboleta, mas intensamente. Duas asas a transportá-la para lugares até então avistados em seus sonhos e mesmo assim de muito, muito longe.

Fênix renasce das cinzas, como conta o mito; a lagarta, de sua própria trama, da sua espera, da sua dor e das trevas, como conta o vento.





Heleida, 2005
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui