Quando recebi a notícia de que o quilo do bacalhau "do bom" - segundo a classificação dada pela patroa - ultrapassara a casa dos trinta reais, arregalei os olhos, estufei o peito e soltei meu grito de insatisfação. Incrédulo, ofereci-me a ir junto ao supermercado para testemunhar o assalto à mão armada.
- Eu não vou comprar isso aí não! - afirmei.
Sei de gente que, como eu, tenta se esquivar do caríssimo peixe nórdico na Semana Santa. Ao contrário de mim, no entanto, meu amigo Josué alega motivos religiosos e culinários. "Comer bacalhau não vai fazer de mim um bom cristão. Além do mais, não gosto mesmo daquele bicho. É salgado pra caramba! Compro qualquer outro peixe e pronto." Acontece que o quilo "de qualquer outro peixe" também dispara nesta época. Coisa de 30, 40% a mais. "É porque é Semana Santa, meu senhor" - justifica o feirante ao ser perguntado sobre o motivo do aumento abusivo. Bela explicação...
O que percebo, todavia, é que mesmo as famílias menos favorecidas se entregam ao ritual e levam ao menos um pedacinho do "baca", abrindo mão de melhores refeições nas semanas seguintes. Não sou economista nem contador, mas fico pensando que os nossos amigos noruegueses devem usar transatlànticos como barco pesqueiro. Os pescadores loiros devem ser todos pós-graduados nas mais importantes universidades européias. Ou então os importadores e distribuidores brasileiros seguem à risca o milagre da multiplicação. Do preço. Só isso para justificar os tais trinta e poucos reais. E o que é pior: o preço do bacalhau detona a remarcação desenfreada dos peixes tupiniquins. Tilápias pescadas no Riacho Grande - perto de São Bernardo do Campo -, pacus, espadas, porquinhos, sardinhas em lata e até peixe de aquário! Todos eles, num piscar de olhos, passam a valer uma fortuna.
Sei que a maioria das pessoas continuará comprando. Acho até que serei obrigado a levar um pedaço para casa - sob pena de a minha mulher sacar o cartão vermelho, caso eu queira prosseguir com a minha idéia de boicote. Mas fica aqui o registro da minha indignação. A solução visível para a questão é esperar que os cardumes migrem dos mares gelados para a Praia Grande, no litoral paulista. Ou, quem sabe, que o país deixe de ser cristão e comemore a Semana Santa com um suculento churrasco. Como são hipóteses pouco prováveis, vou ter mesmo que continuar engolindo bacalhau na casa da mama ou da sogra. A seco e sob protesto.