Usina de Letras
Usina de Letras
17 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62282 )

Cartas ( 21334)

Contos (13267)

Cordel (10451)

Cronicas (22540)

Discursos (3239)

Ensaios - (10386)

Erótico (13574)

Frases (50671)

Humor (20040)

Infantil (5457)

Infanto Juvenil (4780)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140818)

Redação (3309)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6208)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
cronicas-->Por que a maritaca atravessou a rua? -- 10/05/2010 - 17:56 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Se fosse uma galinha, você saberia a resposta. Todo mundo sabe que a galinha atravessa a rua para chegar ao outro lado. Já no caso da maritaca, um filhote de maritaca, quem saberá dizer a razão por trás daquele inesperado passeio pelo asfalto da Avenida Costábile Romano? Passeio é uma palavra inadequada para definir a marcha de um ser tão pequeno, tão verdinho, com o charme de uma pena amarela numa das asas, a cruzar decidido o asfalto cinza. Ela parecia atrasada para um compromisso de fim-de-ano, talvez uma festa no céu, sabe-se lá. Antevéspera de Natal e nem é preciso acrescentar que o tráfego era aquele dos nossos pesadelos. E não é que éramos nós que estávamos passando por ali nesse momento decisivo da vida daquela ave! A maritaca, felizmente, teve seu dia de galinha e conseguiu chegar ao outro lado, conquistando o canteiro e a grama na qual camaleou-se. Já estava pronta para seguir sua jornada, quando eu achei por bem, e a Chris concordou, que parássemos o carro e resgatássemos o filhote antes que ele arriscasse sua sorte em mais uma pista cheia de pneus gigantes.
Cá estamos nós, 24 de dezembro, dando papinha vitaminada para a tal maritaca, que deverá ser batizada de Marilu (a galinha do Ultraje...). Ela - de fato não há como saber se ela é não seria ele - ainda não sabe comer sozinha, não sabe voar, mas já tem muita personalidade. Acabou sendo um presente de Natal daqueles que ganhamos sem pedir, mesmo até sem querer muito, mas que acaba fazendo mais sucesso que os mimos da listinha. Só não sei, até aqui, se o que fizemos foi acertado. Se eu fosse criança, não estaria, jamais estaria, preocupado com isso. Como adulto, já sei mais sobre maritacas do que precisaria saber. Essa exigência de onisciência internética da vida de gente grande, às vezes, é um item estraga-prazeres.
Criar pássaros silvestres, sem licença oficial, é crime inafiançável. Nesse momento, sou um criminoso, pois sequestrei a Marilu (pronto, já está batizada!). Não sei, no entanto, se meu lado pisciano e os lados piscianos da Chris iriam dormir contentes se não tivéssemos salvado a coitadinha. Se ela não morresse atropelada, certamente morreria de sede ou de fome, o que, para a natureza, com perdão do pleonasmo, seria absolutamente natural. Quantas maritacas caem do ninho por dia e não são resgatadas por motoristas benevolentes? Muitas, certamente. Ainda assim, as maritacas seguem numerosas a gritar (ainda não sei se é isso que elas fazem...) em bandos pelo céu. O que torna meu gesto um soprinho sem qualquer efeito na ventania de vida das aves.
Pior ainda: com base no que li, é pouco provável que a Marilu consiga voltar à vida selvagem depois do período de recuperação, com papas e paparicos meus e da Chris. Mesmo que ela voe na semana que vem, é provável que não saiba como conseguir seu próprio alimento, por ter perdido o contato com seus semelhantes de bicos tortos. Se demorar mais a bater asas, deverá ficar atrofiada e definhar num canto qualquer. Enfim, meu gesto de salvador pode ter apenas adiado a hora e o lugar da sua morte por inanição e falta de jeito ou, sei lá o que é pior, pode tê-la condenado ao cativeiro até o fim da vida.
Apesar de todos esses apesares e pesares, ainda não consigo me arrepender do impulso de recolher Marilu do canteiro. Quando criança, tive periquitos, tive canários, tive muita vontade de ter um papagaio. Gosto de pássaros. Agora está por aqui a maritaca Marilu. Se ela ficar, não vou reclamar. O máximo que consigo, no momento, é ter consciência da soberba do ser humano ao se achar uma peça fundamental no esquema complexo que é o ecossistema. Como somos capazes de refletir sobre o mundo e até criar leis que pretendem regulamentar a própria natureza, temos a ilusão de que a Marilu e todos os seres irracionais precisam de nós para viver. Toda soberba é uma ilusão. Marilu viveria ou morreria bem sem mim. Depois que eu cruzei o caminho dela, quem começa a achar difícil viver sem ela, sou eu. Quem é mesmo irracional nesse quase conto de antevéspera de Natal? Ho, ho, craaaaaa!

*Publicitário e professor de língua portuguesa. Avisa: se alguém perdeu uma maritaca que atende por Marilu, favor entrar em contato via e-mail.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui