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Cronicas-->Retalhos de cetim -- 10/05/2010 - 17:59 (Jefferson Cassiano) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
VERDE - A fantasia estava como podia. Sabe-se lá se uns pedaços de garrafa PET juntados com correntes de xaxim e um chapéu feito de bola de gomos viram mesmo uma fantasia. Fazer o quê? O carnaval era a vida dela, desde que, aos três anos, ganhara o concurso de rainha da bateria mirim. Um pitoco rebolando feito gente, de minissaia e tudo... Foi para avenida, mas não desfilou: ficou com sono e desatou a chorar. Mesmo assim, grudou no samba feito o maió velho que agora cola em seu corpo suado e dá uma sensação de que ela está suja. Até está. Por fora. Por dentro, alma lavada. Terminou com Jeovan para poder manter a tradição de foliar todos os dias da festa. O cabra encasquetou que carnaval era coisa do demo! Demorou! Separou-se. Perdeu a carona. Para ajudar, o coletivo não passa. Ao lado dela, uns dois ou três centuriões romanos, um homem de terno azul e gravata amarela que talvez esteja indo para o trabalho ou para o culto - amigo de Jeovan? -, e um presidiário de roupas listradas. A noite começa a manchar o céu. Os faróis de celibrin do velho busão já conseguem ofuscar os olhos estranhamente claros da mulata em suas roupas de material reciclável. O samba enredo da escola dela tenta explicar o aquecimento global numa visão futebolística. E ela é que tem que ficar andando de ónibus num ai-que-calor-ó-ó-ó com esses penduricalhos de plástico verde. É sempre assim. E sempre dá certo. Na lotação, uns dois pandeiros e outro surdo passam o samba: "Esquenta que nóis aguenta! Nessa terra de boleiro, bola quente vira penta. Seeeenta, seeenta!".
VERMELHO - Passageiro em época de carnaval é de tirar a paciência de qualquer cristão. Dia normal, de branco, se não tem lugar para descansar a bunda, fica todo mundo nos nervos. Hoje tem lugar de sobra e neguinho prefere ficar em pé, no frevo. Mesmo tendo descido lá de Pernambuco, o cobrador não casa com essa bagunça. Nem é motivo de religião, nem é. É mais um desgosto de achar que tudo no carnaval é falso, feito essa fantasia de sabe-deus-o-quê dessa mulher-garrafa que já entra no carro pipocando. Que negócio é esse? No resto do ano, a vida é uma desgraça. Chega essa coisa de globeleza e fica tudo uma maravilha. É o que é! Uma falsidade que só a porra. Num é? Pior era que ele, na pensão, ficava voto vencido. Os outros cabras queriam era se acabar, festar até quarta-feira, como se o mundo não tivesse mais caminho depois daquilo. Ficava sozinho, ele e a tevezinha que comprara com o primeiro salário. Gostava de ver notícia. Até nisso saía perdendo em época de samba. Na TV, o assunto do carnaval é o carnaval. Todo ano, o mesmo carnaval. Isso nem era mais notícia, era reprise. Ainda assim, sabe-deus-lá-a-troco, ficava colado na telinha até o último folião cruzar a avenida em São Paulo e no Rio. Por não gostar de carnaval, gostava era de ver muito o desfile na TV. Tinha a impressão de que sempre poderia surpreender-se com aquele locutor interrompendo a programação para mostrar uma desgraça. Ontem, de olhos vermelhos de tanta tevê, viu o governador dando entrevista na porta da cadeia, quase manhã, antes de ser liberado. Não empurra, gente!
AZUL - Os repórteres só faltam se matar. Sempre fora assim, desde que ele saiu da delegacia pela primeira vez, quando ainda era vereador. Tudo um engano, como sempre. Onde já se viu? Deu sua vida - cinquenta e seis anos, dois filhos, sete mandatos, dois divórcios e uma hérnia de hiato - para a vida pública e partidária. Não seria uma denúncia besta de suborno que o faria passar o carnaval no xilindró. Ele era mais ele. O careca de óculos é o cara da filiada da platinada. É pra lá que ele tem que olhar e dizer o que sempre disse nessas horas. Que está tranquilo, que a justiça sempre se faz, que não vai se intimidar, que sempre foi um cabra macho. E, se sentir que dá, vai declarar, lágrimas brotando, que esse será o melhor carnaval de toda a sua vida pública. Carnaval é tempo de liberdade. Como nunca antes, aproveitará essa liberdade no conforto da casa, do lar, da família. Se aquele engraçadinho do programa de humor que fala que é jornalista vier com a piadinha da fantasia de presidiário, exibirá o seu terno azul amarrotado depois de dois dias de cadeia e dirá que não veste fantasias, e desconfia que quem faz esse tipo de pergunta está a serviço do diabo. Depois ele pode até fazer um comentário sobre o aquecimento global. O bom do carnaval é que, se não tem bunda ou peito, não dá ibope.

*Publicitário e professor de língua portuguesa. No carnaval, segue o conselho de Euclides da Cunha, revista Fon-Fon, 1909: Nestes três dias esplêndidos /Em que o prazer tudo arrasa / Desde o cristão ao ateu, /Quem se sente neurastênico / Faz como eu, /Fica em casa.
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