- Oi, cara! Tá tudo bem? Taí que parece que congelou, encostado nesse muro...
- Pois é, amigo. Foi o lugar que sobrou pra mim nessa vida...
- Como assim? Tá deprimido? Sai dessa. Vamos encontrar o pessoal lá no Alvino!
- Então, eu já tava lá no Alvino. Mas resolvi seguir a lei... Agora tó aqui, contra esse muro.
- Como assim?Seguiu a lei e deu de cara no muro?!
- Então... Eu cheguei mais cedo no Alvino e sentei naquela mesa que a gente gosta, lá na calçada.
- Sei.
- Me deu vontade de fumar e acendi um cigarro. Vi aquela placa com o mapa de São Paulo cortado: proibido fumar. Aí fui pra calçada.
- Lei é lei...
- Isso. Foi isso que eu pensei. Lei é lei. Se todo mundo cumprir, a vida vai ficar melhor, né? Paradão ali na calçada, fumando meu cigarro, percebi que eu tava impedindo a passagem de um cadeirante que resolvesse usar aquela rampa amarela. Via das dúvidas, saí de lá e fui para a beira da rua. Um carro queria estacionar, e como rua não é lugar de pedestre, obedeci o código de trànsito e fui para a calçada do outro lado.
- É até mais fresquinho embaixo daquela árvore...
- É. Só que lá tem guia rebaixada. O dono da casa queria sair com o carro e eu não podia ficar ali também. Pensei em voltar para o outro lado, apagar o cigarro e pedir uma cerveja pro Alvino...
- Melhor coisa...
- Seria mesmo. Só que eu tava encasquetado com essa história de cumprir a lei e tudo mais. Lembrei que pedestres só podem atravessar a rua pela faixa. Ali não tem faixa...
- É. Só que você já tinha atravessado!
- Tinha e por isso mesmo não podia errar outra vez. Saí da frente do carro que queria deixar a garagem e já buzinava na minha orelha. Desisti da cerveja porque eu estava de carro e é proibido beber e depois dirigir. Apaguei o cigarro e pensei em engolir a bituca. Já viu como não tem lixeira nas ruas? Guardei a bituca no bolso mesmo. Aqui, ó... Virei a esquina e esperei um pouco naquela calçada gramada que tem ali.
- Aqui do lado.
- Isso. Viu que tem uma placa lá: "Proibido pisar na grama"?
- Tem?
- Tem. Para não pisar nas pobres plantinhas e seguir a lei, resolvi esperar um pouco encostado aqui no muro. Apoiei o pé no concreto e vi que tem um aviso colado no canto. Ó: "não ponha os pés no muro". Lógico: tirei o pé. Quando pensei em deixar tudo isso pra lá, percebi que estava encurralado entre a grama que não pode ser pisada, a rua que não tem faixa de pedestre e essa calçada que acabaram de fazer e ainda escreveram: "Não pise. Cimento fresco". Agora eu faço o quê? Seja o que for, será contra alguma lei, alguma regra, alguma norma.
- Cara. Você tomou seu Gardenal hoje?
- É remédio controlado. Não tenho receita. Então não tomei, não.
- Putz...A coisa é séria.
- Muito.
- Quer saber. Cava um buraco aí e vira tatu.
- Pra cavar um buraco na calçada, não precisa de autorização da prefeitura?
- É... Melhor: sai voando.
- Pior que não dá. Não tenho brevê.
- Legalzão, cara... Alvinooooo!
*Publicitário, professor e diretor do Núcleo Cassiano de Língua Portuguesa, provoca: quem nunca descumpriu a lei que levante as asas até a altura da auréola.
