Esta semana por três vezes vi o nome da cidade gaúcha de São Gabriel. Duas por motivo esportivo, pois torcia para o time da cidade conservadora vencer a equipe do Internacional de Porto Alegre e seguir em busca do título de campeão gaúcho de futebol. Sou gremista e morei na pequena cidade uns três anos, simpatizando com a gente da Campanha do Rio Grande.
A outra notícia que me fez lembrar de São Gabriel foi veiculada pela Globo no Jornal Nacional, e tem sido motivo constante de preocupação dos governos municipal, estadual e federal. Trata-se da possibilidade de conflito entre fazendeiros ligados à União Democrática Ruralista e os integrantes do Movimento dos Sem Terras, popularmente conhecido por MST.
A terra de Plácido de Castro, grande responsável pela anexação do Estado do Acre ao Brasil no conflito com a Bolívia, pode ter o solo manchado de sangue novamente, por conta do velho mito que a terra confere status. Há quem diga que as terras desapropriadas pelo governo federal sejam produtivas, daí a origem do conflito no Sul. Esta é uma possibilidade, mas não podemos esquecer que tanto no Sul quanto no Norte as terras ainda têm um valor simbólico, que é o de poder, distinção social.
As terras de São Gabriel, uma das cidades mais conservadoras do Brasil, famosa pelos sobrenomes Assis Brasil e Menna Barreto, sempre estiveram na mão de poucos estancieiros e não garantem um número de postos de trabalho suficiente. Tanto é que diversos de meus amigos de infância foram embora para Porto Alegre em busca de sustento, pois a agricultura mecanizada e os bois no pasto nada trouxeram para a grande maioria da população gabrielense.
Em 1970 a cidade já sofria do dilema da falta de empregos. O problema foi se agravando. E a questão da terra continuou como era, desde os tempos dos Farrapos. A terra tinha mais utilidade como status do que efetivamente setor produtivo.
Agora há uma possibilidade de correr sangue naquela terra, já encharcada pelo sangue de índios, portugueses, espanhóis, argentinos, uruguaios e gaúchos.
É lamentável que o tempo histórico não possa superar alguns conceitos, principalmente os medievais, onde terra e poder eram sinônimo. Tomara que as autoridades consigam evitar o conflito, que pode ser o marco de um grande retrocesso nas relações entre os grupos sociais que dominam as terras(muitas vezes públicas), e aqueles que desejam produzir e sobreviver. O território gaúcho já tem muito sangue nas entranhas.
Publicado no jornal O Estadão do Norte em 22/06/03