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Artigos-->DOS PRINCIPIANTES AOS INICIADOS -- 20/06/2003 - 23:48 (Wilson Coêlho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Ao se abrir o livro, um pequeno conselho, quase advertência: “Havana não é uma cidade para principiantes”. Entretanto, se – apesar do verbo que a tudo principia – a história e a geografia não são capazes de fazer poesia, Antonio Bezerra Neto, em seu “Réquiem para Havana” nos mostra o contrário: a poesia é capaz de fazer história e geografia. É dizer que a fala da poesia tem muito mais profundidade, principalmente neste autor, considerando que a “mirada” de sua poética extrapola o mero fenômeno observado por aqueles esteticistas cuja perspectiva se basta ao gesto ornamental e sequer arranha a superfície.

Nesta obra, enquanto canta seu “Réquiem”, o autor a todo instante transita entre o estático e o dinâmico, ou seja, percorre as nuanças desse universo entre os mortos e os vivos, pois – conforme Artaud – “os que vivem, vivem dos mortos”. Que o diga Fulgêncio Batista. Mas se por um lado sua poesia, em alguns momentos, se nos mostra como uma fotografia onde se privilegia um registro histórico, por outro, a partir da ruptura com os limites da moldura, a mesma estampa exala os odores da cana-de-açucar, dos charutos habanos, dos mogitos e dos daiquiris que embriagaram Hemingway em La Bodeguita (sem nos esquecermos da ciumenta Floridita).

A leitura de “Réquiem”, nos coloca em Havana, capital do “Lagarto Verde”, cujo cicerone é o poeta Antonio Bezerra Neto, assim como Virgílio, nos conduzindo às agruras e às maravilhas de nosso Inferno continente. Nesta caminhada, passamos pela Praça da Revolução com José Martí, Nicolás Guillén, Alejo Carpentier, Cintio Vitier, Ruan Ramón Jimédez, Eliseo Diego, Camilo Cienfuegos, Pedro Rizpurra, Fidel Castro, Ernesto Che Guevara, Valentina Tereshkava (russa, primeira mulher a viajar pelo cosmo) e ainda os que cantam a vida de Cuba, como Silvio Rodriguez, Pablo Milanez e outros. Estamos na Ilha situada no Caribe de águas límpidas e rica de histórias de corsários e piratas. Entre santerias e palácios e catedrais, uma Ilha que não se trata de uma invenção, mas de uma construção da qual participam hispânicos, africanos, antilhanos, jamaicanos e muitos outros. E não por acaso o poeta menciona a União Soviética que, como a Itabira de Drummond, é um retrato que dói na parede. Mesmo que – conforme discurso de Fidel – não se deva esquecer de Maceo quando protestou em Baraguá, tampouco de Martí quando desembarcou em Playitas e, ainda, quando o exército cubano expulsou 300 mil soldados espanhóis. Não existiam a URSS e, muito menos, o campo socialista.

O poeta passeia pelas ruas onde trafegam velhos Chevrolets, Austin 1948 e tantas outras furrecas da década de 50, rodando porque os cubanos são verdadeiros artesãos, inventam peças porque não existe reposição, porque o bloqueio, porque a ideologia... mas eles resistem, ao som do ritmo de guantanamera, contemplando a Mariposa (flor nacional) e ouvindo o Tocororo (ave nacional), lendo o Granma, passando por Varadero, Hotel Presidente, Hotel Havana Libre, Catedral de La Habana e muitos outros lugares. Tudo isso me serve de pretexto para lembrar o grupo Tarancón quando cantava que “... se pra Cuba tu seguisses/ seguirias pelo mar/ meu navio atracaria/ no farol do teu olhar...”

Assim, ao se distanciar de uma postura ideológica, ao deixar que a própria poesia se faça linguagem com todas as suas contradições, podemos dizer que o poeta Antonio Bezerra Neto acaba por colocar em cheque ou evidência Platão em sua “alegoria da caverna”, ou seja, estamos diante dos dois mundos: o Mundo Inteligível ou das Idéias e o Mundo Sensível. É dizer que, considerando o regime cubano, estamos diante de duas situações: a primeira, o ideal socialista (Mundo das Idéias/Inteligível) e, do outro, o Mundo dos Sentidos (a realidade, com suas condições materiais de sobrevivência, capacidade de resistência frente ao bloqueio, etc). Mas tudo isso – na poesia de Antonio – não se limita a nenhum depoimento de alguém em especial. Não se trata de uma investigação científica e sequer de uma pesquisa positivista. A partir de sua relação quase contemplativa com situações de pessoas simples e, na maioria das vezes, despojadas e ao natural, a poesia de Antonio nos propicia a essência desvelada e re-velada daquilo a que nos acostumamos a confundir pelos discursos e aparências.

Enfim, a poesia de Antonio Bezerra Neto se dá como uma declaração de amor à mulata Havana como se fora um apaixonado tomando em seus braços e passeando pelo corpo da mulher amada. Amada e, de certa maneira, perigosa. E se iniciamos o texto citando a advertência do autor de que “Havana não é uma cidade para principiantes”, agora – ao fecharmos o “Réquiem para Havana” – temos a certeza de já não sermos mais principiantes.

Wilson Coêlho é dramaturgo e poeta

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