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Artigos-->ENTRE A QUEDA E A ATERRISSAGEM -- 20/06/2003 - 23:58 (Wilson Coêlho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Destruir a estética e tornar o enredo em objeto-pretexto para se impor como veículo em movimento. O cinema também serve para isso. Refiro-me ao filme de Mathieu Kassovitz, O ÓDIO (La Haine, France, 1995), protagonizado por Hubert Koud, Said Taghmaoui e Vincent Cassel.

Não se trata de uma mera apologia ao ódio e, tampouco, de uma afirmação imediata da relação entre causa e efeito, considerando que aparentemente o filme não pretende (?) estabelecer uma espécie de lógica moral, formal ou dialética, mas apenas expõe elementos que estruturam o sistema repressivo de uma sociedade composta por desiguais onde – até mesmo entre si – existem aqueles que são mais desiguais que os outros. Obrigado, Mister Orwell, mas o “big brother” do andar de baixo não é um computador. A polícia mete a porrada e é um salve-se quem puder e como puder.

Se, conforme Vladimir Maiakovski, o capitalismo cegou o cinema atirando-lhe pó de ouro nos olhos, em prol do acúmulo de dinheiro comovendo corações com pequenos argumentos piegas, Mathieu Kassovitz parece concordar com o poeta de que isso deve terminar. Suas imagens são nuas e cruas. Sem meros discursos, sem exageros e sem apelações fantasiosas. Os muros falam, ora pela estrutura carcerária, hospitalar e labirintal, ora pelas palavras de ordem, tanto pela propaganda oficial quanto pela caligrafia dos excluídos manifesta nas pichações.

Daí, de um lado, uma grande fotografia do genial e mau humorado poeta de “Les Fleurs du Mal”, Baudelaire (uma espécie de maldito adotado pela kulta cultura). De outro, “rola” um Bob Marley estampado quase como um crucifixo no tugúrio de um dos jovens marginalizados.

Noutro momento, uma campanha publicitária sentencia: “Le Monde est à Vous” (O Mundo é de Vocês). Mas que mundo é este? Quem são “eles”, os que escreveram? E quem são os “vocês” para os quais a mensagem está sendo enviada? Um dos integrantes da juventude atirada às traças decide intervir com um pequeno retoque, substituindo o “vous” por “nous”, ou seja, onde se lia “Le Monde est à Vous” (O Mundo é de Vocês), agora, depois da sutil cirurgia, lê-se: “Le Monde est à Nous” (O Mundo é Nosso). Bem melhor que a requintada e requentada exclusão.

Não é por acaso que, no meio desta zona toda, coexistem entre si um negro, um árabe e um judeu. Como se não bastassem os problemas “inerentes” às suas condições de sobrevivência, ainda têm de enfrentar um bando de skinheads. Tudo isso se passa na Europa, em especial, na velha Paris até hoje ostentando sua Torre Eiffel. É dizer que o filme desmitifica a perfeição e harmonia do chamado “primeiro mundo”, pois do alto de seus royalties – de onde vomitam regras para os países por eles mesmos denominados “terceiro” – não se deram conta de sua falência. Fica bastante claro que este modelo de sociedade somente funciona com a repressão física e espiritual (favor não confundir com misticismo) e que, obviamente, a moral – entendida como regras de conduta para uma possível convivência sem maiores atritos – está a serviço daqueles que dominam para assegurar que continuem dominando. Um mundo caricato de shopping centers onde, conforme o filme em questão, “os que param nos degraus das escadas rolantes são os piores”.

Em suma, voltando a Maiakovski que acredita no cinema quase como a possibilidade da concepção do mundo, O ÓDIO mostra a história de uma sociedade que cai e – como um homem que despenca do 50º andar – durante a queda, a cada andar, tenta se conformar repetindo-se a si mesmo: “... até aqui tudo bem, até aqui tudo bem, mas o que importa é a aterrissagem, não a queda”.

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Wilson Coêlho é dramaturgo e escritor, graduado em Filosofia e mestrando

em Estudos Literários pela UFES.



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