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Artigos-->POETAS: MOSCAS VAREJEIRAS SOBRE LIXO RECICLÁVEL -- 22/06/2001 - 20:15 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Não me canso de citar os versos de Manoel de Barros: "O que é bom para o lixo, é bom para a poesia".



Essa mania me ensinou que Manoel de Barros é e não é uma unanimidade. Alguns leitores, ou até pessoas com quem me correspondo, chegam a se mostrar hostis para com o poeta dito pantaneiro.



Esses versos me vieram à mente (sim, citações soem atravessar também o nosso fluxo de consciência), dia desses, ao ler a notícia de que havia se realizado o I Congresso Brasileiro de Catadores de Lixo Reciclável.



Lida a notícia, achei que fizemos muito mal em não enviar representantes a Brasília. Tudo a ver com o nosso ofício. E alguém terá pensado que eu iria dizer "tudo a ver com a cidade". E, se o poeta tem razão, tudo que ali se disse, sendo bom para o lixo, também o haveria de ser para a poesia. Ou seja, já começamos perdendo o bonde dessa história. Vamos esperar pelo segundo. Se até lá tivermos conseguido convencer os detratores do poeta do acerto desses versos, e do grande equívoco de que, eles próprios, estão sendo vítimas.



Ninguém, mais do que nós, anda à cata de lixo reciclável. Ninguém mais vira-latas do que um poeta que se preze.



Marcel Duchamp foi quem levantou a lebre, mostrando ao mundo que um urinol ou uma roda de bicicleta, devidamente reciclados, ou seja, um título no alto, uma assinatura embaixo, um lugar no museu, pode se transformar em obra de arte. E até criou um termo para designá-las: ready-made. Que poderíamos traduzir por "coisa feita", até nesse sentido mesmo que o leitor terá entendido.



É só olhar para o lado das chamadas artes plásticas. Libertas da moldura tradicional, que as faziam ser meros quadros pendurados em paredes, passaram a ocupar espaços generosos, cada vez maiores, nos museus e nas grandes exposições de arte. É só conferir: quanta "coisa feita" não acaba entrando nesse imbroglio...



E não é mesmo um lixo, não é assim que se diz, tudo o que os políticos em Brasília e os jornalistas puxa-saco andam perpetrando como se fosse notícia séria, como se fosse análise política, como se fosse discurso? Não é mesmo um lixo a maior parte do que se ouve sair da televisão, do rádio, das caixas de som? Não é mesmo um lixo tudo isso que a propaganda transforma em charme, em discurso palatável, em imagem vendável?



Conclusão (precipitada talvez, nunca se deve menosprezar o poder de fogo da recuperação ideológica): a poesia está salva. Com esse lixo todo, ó poetas, não há do que reclamar. Locupletemo-nos. A excelência de um poeta, de um poema é diretamente proporcional à sua capacidade de reciclar essa porcariada toda.



E alguém teria mesmo de fazer o serviço sujo, não é mesmo?



Portanto, mãos à obra (no sentido que acharem mais conveniente; eu mesmo não deixo nenhum deles de lado). Se o mundo é um lixo, como queria o poeta popular baiano, ninguém é obrigado a aguentar tudo isso sem tampar o nariz. Se o mundo é uma grande cloaca, que o poeta se faça de mosca varejeira, aquele mosquitão verde que tanto nos incomoda com seu vôo meio sonso.



É aconselhável, em todo caso, que se faça um bom vôo de reconhecimento primeiro. Depois, é sentar na beirada e ir descendo ("devagar, devagarinho", para citar Martinho da Vila), até dar início aos trabalhos de coleta. Da perícia desse trabalho vai depender, e em muito, o resultado final da reciclagem.



Por isso mesmo, os bons poemas têm essa cara de coisa limpinha, com roupa de domingo, aparentemente sem mácula, livres dos pecados da origem, sem resquícios ou respingos do caos orgânico de onde se retirou a matéria prima usada em sua composição.



O que, às vezes, é apenas aparência, pois pode chegar um chato com microscópio ou lupa, e sair anunciando aos quatro ventos que, no fundo, no fundo mesmo, aquilo ali é uma merda, é merda pura.



Em alguns casos, temos de convir, estarão cobertos de razão. Em inúmeros outros, de um outro material já acima ventilado.



E aí já nos obrigaríamos a falar outra vez em cloacas, e este texto não chegaria nunca ao ponto. Ao ponto final, é claro.
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