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cronicas-->Honorato (mestre) * -- 16/10/2010 - 20:59 (Benedito Pereira da Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Honorato (mestre) *


Já faz um tempo que tento calcular a quantidade de alunos para quem lecionei. Comecei a fazer umas listas, até, mas a tarefa se mostrou enfadonha e estou quase a concluir que não darei conta dela. Talvez apenas chegue a um número aproximado. Talvez, depois que concluísse ou atualizasse, tentasse saber onde cada um desses discentes estão, o que fazem... aí realmente seria bem complicado dar cabo da missão. Alguns sei onde andam, o que fazem, e (imagino!) o quanto pude fazer diferença no que fazem, positivamente ou mesmo negativamente.

Hoje, entretanto, senti a vontade de anotar, calcular a quantidade de professores que lecionaram para mim. De supetão, a tarefa se tornou mais fácil, por isso tentadora. É provável que eu emperrasse em algum nome. Lembrasse face e escola, mas escapasse-me o nome. Daí pensei em escolher um para homenagear neste texto, já que amanhã é dia dos professores. Logo saltaram vários nomes, logo cortei alguns e sobraram dois. Um professor e uma professora. Não me sentirei à vontade de escrever sobre a professora, posto estar muito próxima e eu sentir-me envergonhado amanhã, quando provavelmente vá surpreendê-la em sua casa na hora do almoço. Se não amanhã, sábado.

Nós o chamávamos de mestre. Sabíamos e não sabíamos o que era aquilo. Ninguém questionava, pois já era assim quando entramos no SENAI. Para a maioria de nós, mestre era apenas uma forma diferente de chamar o professor. Quem sabe para diferenciá-lo dos professores da escola regular. Brincávamos com a coisa. Mestre remetia a dois filmes do nosso imaginário de crianças e adolescentes: Jornada nas Estrelas e Karatê Kid. De uma ou de outra forma, ele remetia ao mestre Yoda e ao senhor Miyagi. Fisionomia, ensinamentos e postura diferenciada, ares de sabedoria. Sobrou o senhor Miyagi. Talvez somente agora, se este texto lhe chegar aos olhos, é que ele saiba que alguns de nós o chamávamos assim.

Anos depois de ter terminado meu curso de eletricidade, voltei ao SENAI-CFP de Marabá para lhe pedir uma opinião, um conselho. Eu havia passado num concurso público e iria deixar meu emprego de eletricista para trabalhar numa biblioteca. Eu sabia que seria um caminho sem volta, adeus chaves de fenda, fios e alicates - pelo menos profissionalmente. Queria relembrar o que pensei até chegar ao SENAI, o que pensei no caminho que fiz até a oficina e o que pensei até começar a lhe dizer o sentido de minha visita. Se fosse escrever um conto ou capítulo de romance, faria um flashback ou reminiscência. Meu personagem lembraria do mestre assoviando sempre a mesma canção, enquanto nós tentávamos contar os fios magnéticos de um motor, enquanto nós tentávamos montar um circuito automático com contactores; lembraria como o mestre agia com firmeza nos detalhes: se lhe caísse algo das mãos e algum aprendiz estivesse perto, ele apenas daria um passo atrás que nós entenderíamos e colheríamos o objeto para entregá-lo. Talvez meu personagem se lembrasse de algo bem específico e individual: uma inesquecível lição de estética quando o mestre dobrou os fios do circuito elétrico um a um e calmo mandou refazer o circuito de modo a não parecer uma teia de aranha. Mas não creio ter lembrado nada disso. Lições do cotidiano, de vivência e convivência creio que façam parte daquilo que Walter Benjamim nomeia sabedoria. Daí não caberem nesta crónica: educação para a cidadania, para a convivência, para o respeito, tudo que nossas escolas não ensinavam nem ensinam.

Lembro-me bem que disse isso a ele. Ele lamentou pelas escolas, lamentou por eu ter posto em segundo plano o aprendizado profissional e lamentou pois queria-me Engenheiro Elétrico (como um pai, ele deve dizer isso a todos), mas deu-me um conselho que me deixou leve: faz o que o teu coração manda, Caboclo. Queria uma opinião, um conselho para um dilema e ele me deu de presente uma chave para vários outros. Se bem entendi, segui o que me disse meu relógio de peito e creio que meu trabalho na biblioteca foi um caminho para meu curso de Letras, para minha formação (ainda em curso) de escritor, para meu trabalho como professor, para chegar ao mestrado e para o que ainda há de vir.

Anos depois, já morando em Belém, estava às vésperas de defender minha dissertação de mestrado. De tanto ex-professores, telefonei para dois. Para a professora com quem trabalho hoje no mesmo grupo de pesquisa e para o Mestre Honorato. Ele me parabenizou, brincou com o fato de nós o chamarmos de mestre sem que ele tivesse ou tenha o título acadêmico. No fundo, ele deve saber que isso não importa. O que fez mesmo diferença em nossas vidas não cabe num papel universitário, nem no espaço dessa crónica. Afinal, mestre não é aquele que "cinzela o boneco e seus riscos no barro e no caráter" (como afirma o poeta e crítico José Fernandes em seu poema "Mestre" - http://poetacriticojf.blogspot.com/2009/07/mestre.html)? Mestre não é aquele que faz a diferença positiva e significativamente na vida, por toda a vida, de seus alunos?

Talvez eu faça a lista de todos os meus ex-professores. Quem sabe todo ano escreva sobre um deles. Não sei se escrevei sobre inesquecíveis que devemos esquecer, embora também sejam importantes, pois aprendemos com eles o que não ser. É certo que não farei a lista e a conferência dos nomes de todos os meus ex-alunos até hoje. Entretanto, vou dar-me por satisfeito se souber, não hodiernamente, mas distante no tempo, anos depois de ter lecionado para algum deles, que, de algum modo, influenciei positivamente em suas vidas.



Belém, 14 de outubro de 2010.


Abilio Pacheco, professor, antologista, mestre.

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